O transtorno afetivo bipolar (TAB) é um transtorno psiquiátrico comum e de alta mortalidade e morbidade, sendo visto em cerca de 2,4% da população.
Pode ser de difícil diagnóstico, por muitas vezes ser confundido com quadros de transtorno depressivo maior.
No passado, já foi chamado de insanidade maníaco-depressiva. Ele é uma grande fonte de preocupação devido as suas grandes taxas de suicídio. Com isso - de acordo com Eduardo Humes, no livro: ‘Clínica psiquiátrica: guia prático’- aproximadamente de 10 a 15% das pessoas com o diagnóstico consumam o ato.
Neste post iremos entender o que é o transtorno afetivo bipolar, seus tipos, como diagnosticar
O que é o Transtorno Afetivo Bipolar?
O transtorno afetivo bipolar é um transtorno psiquiátrico crônico, classificado pelo DSM-V como um transtorno de humor.
Ele é caracterizado por períodos recorrentes de alterações patológicas de humor, migrando do polo depressivo ao polo maníaco ou eufórico.
O episódio depressivo do TAB se assemelha ao episódio depressivo do transtorno depressivo maior, sendo muitas vezes um fator confundidor de diagnóstico.
Geralmente, se inicia de forma mais precoce que a depressão.
Etiologia
A etiologia do TAB é multifatorial, envolvendo aspectos biológicos, psicológicos e sociais.
Acredita-se que ocorra uma desregulação de circuitos relacionados ao controle e ao processamento de emoções, principalmente alterações bilaterais das vias que ligam o córtex pré-frontal, amígdala e hipocampo.
Também ocorre um aumento da atividade de circuitos de recompensa associado ao estriado, córtex ventrolateral e orbitofrontal.
O paciente com transtorno afetivo bipolar tem também maiores níveis de cortisol, ACTH e citocinas inflamatórias, o que poderia ser responsável pela diminuição da substância branca cerebral vista em estudos.
Vale salientar que, é um dos transtornos psiquiátricos com maior grau de herdabilidade, podendo chegar a níveis de 68%.
Fatores de risco
Os principais fatores de risco para o transtorno bipolar são:
- História familiar de TAB ou de outros transtornos psiquiátricos;
- Eventos traumáticos na infância;
- Negligência parental;
- Uso de maconha na adolescência; e
- Traços patológicos de personalidade, como baixa autoestima e impulsividade.
Tipos de transtorno afetivo bipolar
Os pacientes no espectro bipolar podem ser agrupados de acordo com suas características patológicas em: TAB tipo 1, TAB tipo 2 e ciclotimia.
Tipo 1
O transtorno afetivo bipolar tipo 1 é aquele em que o paciente teve pelo menos 1 episódio de mania ao longo da vida, independentemente da quantidade de episódios de depressão ou de hipomania.
Tem prevalência em 0,6% da população geral, não tendo diferença entre os sexos.
Tipo 2
O transtorno afetivo bipolar tipo 2 é aquele em que o paciente teve pelo menos 1 episódio de hipomania e 1 episódio depressivo na vida, com ausência de episódios de mania.
Tem prevalência em 0,4% da população, sendo mais comum em mulheres.
Pela ausência de episódios de mania, o diagnóstico pode ser mais difícil, por isso acaba sendo subdiagnosticado.
Ciclotimia
O transtorno ciclotímico é caracterizado por flutuações patológicas de humor, tanto para polo depressivo como para polo maníaco, porém, esses episódios são de curta duração e com menos sintomas, não fechando critério para TAB.
Este tipo tem uma prevalência de 1,4% na população.
Quadro clínico e critérios diagnósticos
Os sintomas se dão durante as fases de depressão e de mania, e incluem alterações de humor, cognição, psicomotricidade, funções neurovegetativas, atenção, impulsividade e autoestima.
Se inicia normalmente na adolescência ou início da vida adulta.
Episódios depressivos
No episódio depressivo, o humor encontra-se polarizado para tristeza e melancolia, como um clássico episódio depressivo de transtorno depressivo maior.
O paciente apresenta pensamentos pessimistas, com sentimentos de culpa excessiva, baixa autoestima, podendo ter pensamentos suicidas. Deve durar pelo menos 2 semanas.
Podem ocorrer alterações de psicomotricidade, com lentidão ou agitação, assim como a chamada “perna de chumbo”, que seria a sensação de peso nas pernas.
Ele costuma se queixar de baixa concentração, raciocínio lento e memória falha. Além disso, o autocuidado pode estar prejudicado, e o sono e apetite alterados, aumentados ou diminuídos.
Esses episódios costumam ocorrer mais do que os episódios maníacos e hipomaníacos.
A diferenciação da depressão bipolar para a depressão unipolar (episódio depressivo do transtorno depressivo maior) é de grande desafio para a psiquiatria.
Os critérios diagnósticos são os mesmos de um episódio depressivo unipolar. Como vemos a seguir:
Episódios maníacos
No episódio maníaco, o humor do paciente encontra-se normalmente expansivo e eufórico, podendo chegar a irritado. Ele deve durar pelo menos 1 semana.
O indivíduo apresenta um aumento significativo de energia, associado a diminuição da necessidade de sono (diferencia-se da insônia por não sentir cansaço no dia seguinte).
O pensamento costuma estar acelerado, podendo gerar maior “criatividade” e “produtividade”, chegando em alguns casos até a fuga de ideias e discurso incompreensível.
Ocorre um aumento da atenção espontânea, gerando distratibilidade. Ademais, ele pode se apresentar com grande confiança, aumento da autoestima e sensação de grandiosidade.
Há um aumento também da impulsividade, podendo ser vista em gastos excessivos de dinheiro, comportamento sexual de risco e fora do padrão pessoal anterior, e comportamento agressivo.
Para mais, em casos graves podem aparecer sintomas psicóticos, catatonia e alterações na estrutura do pensamento.
Os critérios diagnósticos para os episódios maníacos podem ser vistos a seguir:
Episódios hipomaníacos
O episódio hipomaníaco tem natureza semelhante ao maníaco, porém, de menor intensidade e duração (apenas 4 dias), sem sintomas psicóticos. Por isso, muitas vezes pode passar despercebido por pessoas do convívio.
Para diagnosticá-los, é preciso ficar atento aos seguintes critérios:
Período eutímico
O período eutímico é o período assintomático, no qual o indivíduo não se apresenta em nenhum dos polos.
Diagnóstico diferencial
É importante o afastamento de outras causas antes de diagnosticar o transtorno bipolar.
Alguns diagnósticos diferenciais não psiquiátricos que podem se assemelhar a mania são: demências, neoplasia do sistema nervoso central, esclerose múltipla, epilepsia, neurossífilis e hipertireoidismo.
E ainda, encefalites autoimunes, infecção do SNC, doença de Cushing, doença de Addison e deficiência de vitamina B12.
O uso de algumas substâncias também pode gerar quadros semelhantes a mania, como psicoestimulantes, imunomoduladores, drogas de abuso como álcool, LSD, cocaína etc.
Já os diagnósticos diferenciais psiquiátricos do transtornotranstorno afetivo bipolar são: transtornos depressivos, transtornos psicóticos, transtorno induzido por substâncias, e transtorno de personalidade borderline.
Além dos transtornos de ansiedade, transtorno de personalidade narcisista, transtorno de personalidade antissocial e TDAH.
Como funciona o tratamento?
O tratamento do transtorno bipolar é complexo, dependendo do polo em que o paciente se encontre.
Ele é feito por meio da terapia medicamentosa, psicoterapia e psicoeducação.
Quando o indivíduo se encontra em algum polo, o objetivo é controlar os sintomas. Quando ele se encontra no período eutímico, o objetivo é prevenir novas fases.
Tratamento medicamentoso
A terapia medicamentosa é baseada no uso dos estabilizadores de humor, especialmente o lítio, anticonvulsivantes e antipsicóticos, como a quetiapina e risperidona.
O lítio é o medicamento de escolha, podendo ser associado a antipsicóticos na presença de sintomas psicóticos ou antidepressivos, quando no polo depressivo.
Cuidado para prescrição
Um dos cuidados em relação ao uso de antidepressivos no polo depressivo é a chamada “virada maníaca”, onde o medicamento causaria uma troca do polo depressivo pelo maníaco, ao invés de controlar os sintomas depressivos.
Por isso, o uso de antidepressivo pode ser feito no polo depressivo, mas com seus devidos cuidados e sempre associado a um estabilizador do humor.
Além disso, outro cuidado é com a gestação, já que o lítio e o valproato podem gerar má formação fetal.
Psicoterapia
A psicoterapia é essencial no tratamento do transtorno bipolar. Ela tem como objetivo lidar com as questões psicológicas que podem contribuir para a precipitação de crises e lidar com as dificuldades de cada fase.
A abordagem mais recomendada é a terapia cognitivo comportamental.
Outros
Para pacientes com TAB, a psicoeducação é muito importante, para uma melhor compreensão do quadro, identificação de fatores de risco e adesão de tratamento.
Além disso, a estabilização de um ciclo circadiano regular, com horário determinado para dormir e acordar, e a prática de exercícios físicos também mostraram contribuição.
Conclusão
O transtorno bipolar é uma condição psiquiátrica crônica e comum, podendo ser grave e de difícil diagnóstico.
Caracterizada pela mudança de humor, afeto, cognição e até mesmo psicomotricidade entre episódios depressivos e episódios maníacos.
O tratamento é feito por meio dos estabilizadores de humor, como o lítio. Além disso, a associação com psicoterapia é essencial.
Leia mais:
- Doença de Addison x Síndrome de Cushing: hormônios adrenocorticais
- Transtorno de personalidade borderline: o que é, estágios e tratamento
- Transtorno Obsessivo-Compulsivo (TOC): você sabe diagnosticar e tratar?
FONTES:
- HUMES, Eduardo; et. al. Clínica Psiquiátrica – Guia Prático. Instituto de Psiquiatria da USP. 1ª Ed. 2019.
- Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-V. American Psychiatric Association. 5ª Ed. 2014.