Estudo
Publicado em
23/8/22

Transtorno de personalidade borderline: entenda o que é e como tratar

Escrito por:
Transtorno de personalidade borderline: entenda o que é e como tratar

O transtorno de personalidade borderline é um transtorno psiquiátrico comum, sendo o transtorno de personalidade mais comum e estudado.  

É mais prevalente em mulheres, sendo caracterizado por um comportamento instável, emocional e impulsivo

Tem prevalência de cerca de 25% em pacientes internados em hospitais psiquiátricos e de 15% em pacientes atendidos ambulatoriamente, com a incidência aumentando a cada ano.

Neste post vamos entender o que é o transtorno de personalidade borderline, seus critérios diagnósticos e como tratar!

O que é o Transtorno de Personalidade Borderline?

O Transtorno de Personalidade Borderline é caracterizado por um humor instável, dramático e impulsivo, devido a uma desregulação emocional intensa.

Borderline” é um termo em inglês que significa na fronteira, no limite. A disfunção recebe esse nome devido a característica de instabilidade dos pacientes, como se vivessem no limite, podendo a qualquer momento mudar bruscamente de humor.

Os transtornos de personalidade são entidades nosológicas compreendidos como padrões de funcionamento interpessoal, cognitivo e afetivo disfuncionais, causando dificuldades e sofrimento ao indivíduo ou pessoas próximas a ele. 

As características são notáveis desde muito cedo, tornando- se mais claras e intensas na adolescência

A personalidade Borderline é a mais comum e a mais bem entendida pela psiquiatria. 

Está classificado no Cluster B dos transtornos de personalidade, no qual estão incluídas suas principais características: a dramatização excessiva, o comportamento errático, impulsivo e emocional.

Cluster Transtorno de personalidade Características
Cluster A - Paranoide- Esquizoide- Esquizotípico - Suspeita irracional e desconfiança dos outros - Falta de interesse em relações sociais- Comportamento ou pensamento excêntrico
Cluster B - Antissocial- Borderline- Histriônico- Narcisista - Desrespeito às leis, antagonismo social- Instabilidade em relações, autoimagem e comportamento - Busca por atenção, emoção exagerada- Grandiosidade, necessidade de admiração
Cluster C - Evitativo- Dependente- Obsessivo-compulsivo - Inibição social, sentimentos de inadequação- Submissão e dependência de outros- Perfeccionismo, rigidez de regras, ordem excessiva
Transtornos de personalidade, cluster e principais características. Fonte: New Scientist

Etiologia

A etiologia e fisiopatologia do transtorno de personalidade borderline ainda é pouco compreendida, porém ainda é a mais conhecida entre os transtornos de personalidade.

Foi visto elevação crônica do nível de cortisol e maior ativação da amígdala nos pacientes borderline, além de diminuição da ativação do córtex cingulado anterior dorsal, do giro frontal inferior e do córtex pré-frontal dorsolateral e ventromedial.

Todas essas regiões cerebrais têm relação com o funcionamento cognitivo e à regulação de emoções, o que explicaria a desregulação emocional.

Fatores de risco

História de abuso físico e sexual, negligência e separação dos pais são comuns, porém existem diversos pacientes sem esses antecedentes.

Alguns outros fatores de risco são: pobreza, abandono e problemas familiares, trauma, sexo feminino e situações estressoras.

Apresentação clínica

Também chamado de transtorno de personalidade instável, os indivíduos apresentam desregulação emocional acentuada, instabilidade afetiva, relacionamentos conturbados, sensação de vazio crônicoimpulsividade,  podendo chegar à psicose e sintomas dissociativos fugazes.

Os gatilhos desse transtorno são estressores interpessoais. Os borderlines são pessoas que têm grande medo do abandono (sendo esse medo muitas vezes irracional) e reações desproporcionais a determinadas situações.

É um distúrbio que tem  grande relação com o comportamento suicida e automutilador, devido à sua natureza de impulsividade.

Confira o caso clínico abaixo para entender melhor quais são essas apresentações clínicas:

“Mulher de 18 anos dá entrada em pronto-atendimento do hospital geral acompanhada pela mãe após realizar cortes superficiais no antebraço direito. Já foi avaliada do ponto de vista clínico e segue para uma avaliação psiquiátrica. A paciente apresenta história de desregulação afetiva desde os 14 anos, como períodos de horas a alguns dias, associado a comportamento impulsivo de quebrar objetos, gritar com os pais e episódios de compulsão alimentar. Geralmente, esses episódios são desencadeados por algum conflito nos relacionamentos ou estresse nos estudos. Em momentos mais difíceis, a paciente já ameaçou suicídio diversas vezes, porém nunca tentou. Não há relatos de episódio de mania ou hipomania. Os últimos dias foram os piores, pois namorado da paciente entrou na faculdade, o que provocou um afastamento abrupto, já que ambos frequentavam a mesma sala do cursinho. Antes disso, durante as férias, a paciente estava bem, inclusive viajou com o namorado por 1 mês, período no qual não apresentou problemas. A paciente faz acompanhamento com psiquiatra particular, que a trata por ‘depressão muito forte’ (sic). Está em uso de topiramato 150 mg/dia, fluoxetina 60 mg/dia, olanzapina 10 mg/dia e clonazepam 2mg/dia. Ao exame psíquico, a paciente está vígil, globalmente orientada, sem sinais de hipomania ou psicose. Nota-se um afeto pueril, mas não se observa humor deprimido. O vínculo se desenvolve sem problemas após validação da dor emocional da paciente, que inclusive pede para que o médico a acompanhe fora do hospital.”
Caso clínico de paciente com transtorno de personalidade borderline. Fonte: HUMES, Eduardo; et. al. Clínica Psiquiátrica – Guia Prático. Instituto de Psiquiatria da USP. 1ª Ed. 2019.

Diagnóstico

O diagnóstico do transtorno de personalidade borderline é clínico. O DSM-V propôs critérios para facilitar o diagnóstico. Veja a seguir:

CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS
1. Esforços desesperados para evitar abandono real ou imaginado. (Nota: Não incluir comportamento suicida ou de automutilação coberto pelo Critério 5.)
2. Um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização
3. Perturbação da identidade: instabilidade acentuada e persistente da autoimagem ou da percepção de si mesmo
4. Impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente autodestrutivas (p. ex., gastos, sexo, abuso de substância, direção irresponsável, compulsão alimentar). (Nota: Não incluir comportamento suicida ou de automutilação coberto pelo Critério 5)
5. Recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante
6. Instabilidade afetiva devida a uma acentuada reatividade de humor (p. ex., disforia episódica, irritabilidade ou ansiedade intensa com duração geralmente de poucas horas e apenas raramente de mais de alguns dias)
7. Sentimentos crônicos de vazio
8. Raiva intensa e inapropriada ou dificuldade em controlá-la (p. ex., mostras frequentes de irritação, raiva constante, brigas físicas recorrentes)
9. Ideação paranoide transitória associada a estresse ou sintomas dissociativos intensos
Critérios diagnósticos propostos pelo DSM-V. Fonte: DSM-V

Comorbidades

Nos transtornos psiquiátricos é comum a associação de outras comorbidades psiquiátricas.

No caso do transtorno de personalidade borderline, as principais comorbidades são: transtorno depressivo maior, dependência química, transtornos alimentares (principalmente bulimia nervosa), transtorno do estresse pós-traumático e TDAH.

Entre os transtornos de personalidade comórbidos, encontram-se principalmente os do Cluster C, sendo o dependente e o evitativo os mais característicos.

Tratamento

O tratamento do transtorno de personalidade borderline pode ser feito por meio da psicoterapia e, se necessário, associação com fármacos. 

Psicoterapia

A psicoterapia é a primeira linha para o transtorno de personalidade borderline. Abordagens como terapia comportamental dialética (TCD) e terapia baseada na mentalização (TBM) são algumas com comprovação científica de efetividade. 

Medicamentoso

Os psicofármacos devem ser usados para tratar as comorbidades ou podem ser focados no controle dos sintomas.

Para diminuição da desregulação afetiva e controle da impulsividade e agressividade, podem ser utilizados estabilizadores de humor, como o lítio, ou antipsicóticos de 2ª geração, como aripiprazol, podem ser úteis.

Para sintomas psicóticos, pode-se utilizar antipsicóticos atípicos.

O uso de benzodiazepínicos deve ser evitado, pelo risco de aumento da impulsividade e de abuso.

Conclusão

O transtorno de personalidade borderline é o mais estudado, com sua prevalência aumentando com os anos.

Ele é caracterizado por uma grande instabilidade de humor e afetiva, em que o paciente vai de extremos de raiva, a felicidade em pouco tempo.

Pode ser diagnosticado clinicamente por meio dos critérios propostos pelo DSM-V e tratado por meio de psicoterapia com associação de fármacos se necessário.

Leia mais:

FONTES: