A síndrome de Munchausen - também conhecida como transtorno factício - em conjunto com os transtornos somatoformes e dissociativos, representa uma das principais causas de incapacidade do mundo. A maioria dos pacientes não são detectados por profissionais de saúde e, por isso, podem permanecer sem o diagnóstico por muitos anos.
Por isso, a epidemiologia ainda é subestimada. Entretanto, diferentes pesquisas relataram prevalência desse distúrbio em 1,3% da população geral. Além disso, são fatores relacionados a síndrome de Munchausen o sexo feminino, o emprego na área de saúde e o estado civil solteiro. E mais, a doença comumente inicia sua manifestação na idade adulta ou na meia idade.
O transtorno factício vai ser abordado na novela das 9 chamada Travessia, veiculada pela Globo. A personagem Chiara, interpretada por Jade Picon, desenvolverá a síndrome após descobrir não ser filha biológica do seu pai.
O que é a síndrome de Munchausen?
A síndrome de Munchausen é caracterizada pela produção de sinais ou sintomas físicos e/ou mentais pelo paciente, podendo exagerar ou dramatizá-los, bem como autoinduzir doenças. Os comportamentos desses indivíduos são voluntários e destinados a um objetivo, no entanto, não conseguem controlar essas atitudes, o que torna esses comportamentos de caráter compulsivo.
É uma característica essencial dessa síndrome a presença de sintomas físicos sem qualquer explicação médica, ou seja, esses sinais e sintomas não podem ser suficientemente explicados por causas orgânicas após investigação completa.
Além disso, é importante diferenciar a síndrome de Munchausen da simulação. Esse último é caracterizado pela produção de sintomas com a finalidade de adquirir ganhos primários, como a simulação de uma doença para ausentar-se do trabalho e viajar. Assim, a motivação da simulação da doença consciente. Já no transtorno factício, apesar do comportamento ser voluntário, a motivação é inconsciente, e o paciente visa os ganhos secundários provenientes do adoecimento.
Para mais, o transtorno factício é dividido em duas síndromes: a síndrome de Munchausen e a síndrome de Munchausen por procuração. Sendo a primeira caracterizada pelo indivíduo que induz sintomas em si mesmo, como o fingimento de desmaios ou a injeção de insulina para autoprovocar uma hipoglicemia, por exemplo.
Já a síndrome de Munchausen por procuração é definida pela presença de um terceiro indivíduo que faz o papel do doente. Comumente, uma mãe utiliza o filho para que ela própria se posicione no papel de paciente, de forma indireta, por meio de invenções, exageros ou produção dos sintomas na criança.
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A fisiopatologia da síndrome de Munchausen ainda não foi totalmente esclarecida. Entretanto, algumas alterações foram identificadas, como a presença de alterações no sistema límbico e no córtex pré-frontal, bem como o histórico de abuso e negligência na infância. Os pacientes frequentemente escolhem o papel de doente porque, dessa forma, ganham atenção e cuidados.
Diagnóstico
O diagnóstico da síndrome de Munchausen baseia-se em três critérios:
1) Presença de produção ou aumento intencional dos sinais e sintomas predominantemente físicos;
2) Necessidade de colocar-se em papel de doente;
3) Ausência de incentivos externos, como ganhos econômicos, fuga de responsabilidades legais ou melhora do bem-estar físico.
O último critério diagnóstico é de fundamental importância, mas, por vezes, difícil de ser identificado. Isso porque avaliar a presença de incentivos externos auxilia no diagnóstico diferencial do transtorno factício com a simulação, que é incentivada por motivos externos, como o ganho financeiro, como mencionado anteriormente no texto.
De acordo com o DSM-5, a síndrome é classificada de acordo com os seguintes sinais:
Sinais e sintomas predominantemente psicológicos;
Sinais e sintomas predominantemente físicos;
Sinais e sintomas psicológicos e físicos combinados: quando ambos sinais e sintomas psicológicos e físicos estão presentes, sem que haja predominância de um ou outro na apresentação clínica.
Além disso, na tabela abaixo, encontram-se alguns fatores que o médico deve estar atento, uma vez que aumentam a probabilidade do paciente ter o transtorno factício.
FATORES QUE AUMENTAM A POSSIBILIDADE DE DESENVOLVER O TRANSTORNO FACTÍCIO
Apresentação dramática ou atípica de uma doença
Inconsistências entre a história e as descobertas objetivas
Detalhes vagos e inconsistentes, embora possivelmente plausíveis à superfície
Longo histórico médico com múltiplas admissões em vários hospitais de diferentes cidades
Conhecimento de descrições de livros de doenças; uma apresentação da doença muito próxima do exemplo do livro didático.
Circunstâncias de admissão que não estão em conformidade com um transtorno mental ou médico identificável.
Compreensão incomum da terminologia médica.
Emprego ou educação em um campo relacionado á medicina
Apresentação no pronto-socorro durante os momentos em que os registros médicos antigos são de difícil acesso ou quando a equipe experiente é menos provável de estar presente (p. ex., feriados e tardes de sexta-feira).
Um paciente que recebe poucas visitas, apesar de ter história de ocupar cargo importante ou prestigioso que o coloca em um papel heroico.
Aceitação, com equanimidade, do desconforto e dos riscos de procedimentos diagnósticos e procedimentos cirúrgicos.
Abuso de substâncias, especialmente analgésicos e sedativos prescritos.
Sintomas ou comportamentos que só estão presentes quando o paciente está ciente de que está sendo observado.
Comportamento controlador, hostil, zangado, perturbador ou de busca de atenção durante hospitalização.
Evidência de presença patológica em áreas diferentes dos sintomas apresentados.
Curso clínico flutuante, incluindo rápido desenvolvimento de complicações ou uma nova patologia se os resultados da investigação forem inicialmente negativos.
FATORES QUE AUMENTAM A POSSIBILIDADE DE DESENVOLVER O TRANSTORNO FACTÍCIO
Apresentação dramática ou atípica de uma doença
Inconsistências entre a história e as descobertas objetivas
Detalhes vagos e inconsistentes, embora possivelmente plausíveis à superfície
Longo histórico médico com múltiplas admissões em vários hospitais de diferentes cidades
Conhecimento de descrições de livros de doenças; uma apresentação da doença muito próxima do exemplo do livro didático.
Circunstâncias de admissão que não estão em conformidade com um transtorno mental ou médico identificável.
Compreensão incomum da terminologia médica.
Emprego ou educação em um campo relacionado á medicina
Apresentação no pronto-socorro durante os momentos em que os registros médicos antigos são de difícil acesso ou quando a equipe experiente é menos provável de estar presente (p. ex., feriados e tardes de sexta-feira).
Um paciente que recebe poucas visitas, apesar de ter história de ocupar cargo importante ou prestigioso que o coloca em um papel heroico.
Aceitação, com equanimidade, do desconforto e dos riscos de procedimentos diagnósticos e procedimentos cirúrgicos.
Abuso de substâncias, especialmente analgésicos e sedativos prescritos.
Sintomas ou comportamentos que só estão presentes quando o paciente está ciente de que está sendo observado.
Comportamento controlador, hostil, zangado, perturbador ou de busca de atenção durante hospitalização.
Evidência de presença patológica em áreas diferentes dos sintomas apresentados.
Curso clínico flutuante, incluindo rápido desenvolvimento de complicações ou uma nova patologia se os resultados da investigação forem inicialmente negativos.
Para além do diagnóstico diferencial com a simulação, os pacientes com síndrome de Munchausen devem realizar o diagnóstico diferencial com o transtorno de conversão e de sintomas somáticos. Sendo necessário identificar o comportamento enganoso no transtorno factício para realizar a diferenciação entre esses distúrbios.
Também pode ser preciso diferenciá-la dos transtornos de personalidade. Entretanto, é importante ter em mente que essas condições frequentemente coexistem. Exemplo disso são os pacientes com transtorno de personalidade borderline, que podem apresentar comportamento enganoso e a automutilação. Entretanto, normalmente eles admitem que se automutilaram, e não realizam essa ação com objetivo de fazer o papel de doente.
Observe o caso clínico abaixo.
Uma enfermeira de 41 anos procura o setor de emergência por temer estar com hipoglicemia decorrente de insulinoma. Ela relata repetidos episódios de cefaleia, sudorese, tremor e palpitações. Nega qualquer problema clínico anterior, e o único medicamento que toma é um anti-inflamatório não esteroide para cólicas menstruais. No exame físico, observa-se que é uma mulher bem-vestida, inteligente, educada e cooperativa. Seus sinais vitais são estáveis, exceto por uma leve taquicardia. No exame são percebidos diaforese (transpiração intensa), taquicardia e numerosas cicatrizes em seu abdome, assim como marcas de agulhas em seus braços. Quando questionada sobre isso, ela diz que está confusa devido à hipoglicemia. A paciente então é internada no serviço médico. As avaliações laboratoriais demonstraram redução no nível de açúcar no sangue em jejum e um aumento no nível de insulina, mas um nível reduzido do peptídeo-C plasmático, o que indica injeção exógena da insulina. Quando confrontada com essa informação, ela logo fica zangada, afirma que a equipe do hospital é incompetente e exige ser liberada, contra conselhos médicos. FONTE: Caso clínico extraído do livro: Casos Clínicos em Psiquiatria, 2012
No caso clínico acima a paciente apresenta várias características do transtorno factício. Entre essas, a discrepância na história pela presença das várias cicatrizes no abdômen. E mais, quando confrontada com a informação sobre a insulina, expressa agressividade e comportamento defensivo. Além disso, não expressa motivos externos óbvios e, por isso, pode-se concluir que ela provavelmente deseja assumir papel de doente (ganho secundário).
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Devido às dificuldades de diagnóstico, os indivíduos podem ser submetidos a diversos exames e procedimentos médicos desnecessários. Além disso, acabam consumindo diversos recursos do sistema de saúde, gerando gastos desnecessários.
Tratamentos
Estudo produzido por Bass e Halligan (2014)demonstra que o único tratamento eficaz para a síndrome de Munchausen é a psicoterapia. Isso porque o uso de medicações não foi capaz de melhorar significativamente o transtorno. Entretanto, os pacientes geralmente apresentam outras comorbidades associadas, como otranstorno depressivo maior. Assim, devem ser medicados para tais comorbidades, e o tratamento pode melhorar de maneira indireta o comportamento factício.
É comum que o paciente com a síndrome de Munchausen negue o seu comportamento, recusando o tratamento quando são confrontados. Ou ainda, que desista do tratamento após iniciá-lo. Contudo, há evidências de que os pacientes que persistem com a terapêutica apresentam desfechos favoráveis à longo prazo.
Por fim, indivíduos com transtorno depressivo maior, transtornos de ansiedade e transtorno por uso de substâncias normalmente apresentam melhor prognóstico ao iniciar o esquema terapêutico para essas comorbidades. O que não é o caso daqueles com transtorno de personalidade borderline associado, o prognóstico costuma ser pior.
Conclusão
A síndrome de Munchausen é um distúrbio psiquiátrico que gera importante incapacidade no paciente. Reconhecer e identificar o indivíduo com esse transtorno é de fundamental importância, a fim de diminuir os procedimentos médicos realizados de forma desnecessária, bem como iniciar a terapia adequada neste paciente.