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Publicado em
28/3/25

Tricomoníase: diagnóstico e sintomas essenciais – prepare-se para a residência médica!

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Tricomoníase: diagnóstico e sintomas essenciais – prepare-se para a residência médica!

A tricomoníase é uma infecção sexualmente transmissível (IST) amplamente prevalente, porém muitas vezes negligenciada. Causada pelo protozoário Trichomonas vaginalis, a doença pode afetar tanto homens quanto mulheres, frequentemente de forma assintomática. No entanto, quando sintomática, a tricomoníase pode causar desconforto significativo e complicações ginecológicas e obstétricas, além de estar associada a um maior risco de transmissão do HIV. 

O diagnóstico preciso e o tratamento adequado são essenciais para interromper a cadeia de transmissão e evitar complicações a longo prazo, tornando esta uma condição de extrema relevância para profissionais da saúde.

Tricomoníase: o que é e por que todo médico deve saber diagnosticá-la?

A tricomoníase é uma das ISTs mais comuns no mundo, com milhões de novos casos anuais, especialmente em países em desenvolvimento. Apesar de sua alta prevalência, a infecção continua subdiagnosticada devido à sua apresentação variável e à falta de testes de rastreamento em muitos serviços de saúde.

Além do impacto na saúde reprodutiva feminina, a tricomoníase está associada a um aumento do risco de transmissão e aquisição do HIV, infertilidade e parto prematuro. Também pode contribuir para complicações urogenitais em homens, embora frequentemente seja subvalorizada nesta população. Portanto, o reconhecimento da doença e sua abordagem clínica são essenciais para médicos de diversas especialidades, incluindo ginecologistas, urologistas, clínicos gerais e infectologistas.

Imagem do Trichomonas vaginalis
Imagem do Trichomonas vaginalis. Fonte: Blog mulher coração

Transmissão: fatores de risco e populações mais afetadas

A transmissão da tricomoníase ocorre principalmente por meio do contato sexual desprotegido, incluindo relações vaginais e, possivelmente, contato genital externo. O protozoário tem a capacidade de sobreviver por períodos curtos fora do hospedeiro, tornando possível, embora pouco comum, a transmissão por meio de objetos úmidos contaminados, como toalhas, roupas íntimas, vibradores e até assentos sanitários compartilhados. 

No entanto, essa forma de transmissão ainda carece de evidências científicas robustas e não é considerada um fator significativo na disseminação da infecção. Os principais fatores de risco para a tricomoníase incluem:

  • Múltiplos parceiros sexuais, pois aumentam a exposição ao Trichomonas vaginalis;
  • Histórico de outras ISTs, indicando vulnerabilidade à infecção;
  • Relações sexuais desprotegidas, que facilitam a transmissão do protozoário;
  • Uso inconsistente do preservativo, reduzindo a proteção contra infecções;
  • Alterações na microbiota vaginal, como vaginose bacteriana, que favorecem a proliferação do T. vaginalis;
  • Imunossupressão, incluindo pacientes HIV positivos e aqueles em uso de imunossupressores, que apresentam maior susceptibilidade à infecção;
  • Baixo nível socioeconômico, pois está associado ao menor acesso a serviços de saúde, diagnóstico precoce e tratamento adequado;
  • Falta de rastreamento adequado em populações de risco, dificultando a detecção precoce da infecção.

As populações mais afetadas incluem:

  • Mulheres em idade reprodutiva;
  • Indivíduos com múltiplos parceiros sexuais;
  • Populações negligenciadas com pouco acesso a cuidados médicos;
  • Pacientes vivendo com HIV, nos quais a infecção tende a ser mais persistente, sintomática e de difícil erradicação.

Além disso, gestantes com tricomoníase apresentam maior risco de complicações obstétricas, como parto prematuro e RN com baixo peso ao nascer, tornando o rastreamento dessa população especialmente relevante.

Infecção assintomática ou sintomática: como a tricomoníase se apresenta?

Colo em morango. Fonte:World Health Organization 

A apresentação clínica da tricomoníase, infecção causada pelo protozoário Trichomonas vaginalis, varia significativamente de acordo com o sexo do indivíduo e sua resposta imunológica. Estudos, como M. Rogers et al. (2014),  indicam que aproximadamente 70% das mulheres infectadas são assintomáticas, o que representa um grande desafio para o controle da doença, pois a ausência de sintomas favorece a disseminação silenciosa da infecção. Essa característica torna o rastreamento e o tratamento dos parceiros sexuais fundamentais para interromper a cadeia de transmissão.

Veja também:

Mulheres

Nas mulheres, quando sintomáticas, podem apresentar uma variedade de manifestações clínicas, que incluem:

  • Corrimento vaginal abundante: de coloração amarelo-esverdeada, espumoso e com odor fétido, que é um dos sinais mais característicos da infecção
  • Prurido e irritação vulvar.
  • Dispareunia: dor durante o ato sexual.
  • Disúria (dor ao urinar): pode ser confundida com infecções do trato urinário
  • Inflamação vaginal e cervical: pode ser observada durante o exame ginecológico, com o colo uterino apresentando um aspecto pontilhado, conhecido como "colo em morango" na colposcopia
  • Dor pélvica: pode ocorrer em casos mais avançados ou quando há complicações associadas.

Homens

Nos homens, quando sintomáticos, podem manifestar:

  • Secreção uretral discreta: pode ser transparente ou levemente purulenta;
  • Disúria leve: caracterizada por dor ou desconforto ao urinar;
  • Prurido uretral: pode causar irritação local;
  • Sensação de peso na região perineal.
  • Em casos raros, podem ocorrer complicações como prostatite e epididimite, que exigem atenção médica imediata.

A infecção assintomática é um dos principais fatores que contribuem para a disseminação da tricomoníase, pois indivíduos sem sintomas podem transmitir o parasita sem saber que estão infectados. Isso reforça a importância do rastreamento em populações de alto risco, como mulheres vivendo com HIV, gestantes com histórico de complicações obstétricas e pessoas com múltiplos parceiros sexuais. Além disso, o tratamento dos parceiros sexuais é essencial para prevenir a reinfecção e controlar a propagação da doença.

Diagnóstico: testes laboratoriais essenciais para confirmação

Como a maioria dos casos são assintomáticos, a abordagem diagnóstica deve ser cuidadosa e multifacetada, levando em consideração não apenas os sintomas apresentados pelo paciente, mas também seu histórico clínico, comportamental e sexual, além da realização de exames laboratoriais específicos e sensíveis.

Exame microscópico direto

Entre os métodos diagnósticos disponíveis, o exame microscópico direto de secreção vaginal ou uretral é uma das técnicas mais antigas e amplamente utilizadas. Esse método permite a visualização do protozoário móvel em amostras frescas, mas apresenta limitações significativas, como baixa sensibilidade (em torno de 40% a 60%), especialmente em casos com baixa carga parasitária ou quando o material não é analisado imediatamente após a coleta. Apesar de sua praticidade e custo relativamente baixo, a microscopia pode resultar em falsos negativos, comprometendo sua confiabilidade.

Trichomonas vaginalis em exame microscópico
Trichomonas vaginalis em exame microscópico. Fonte: Wikipédia

Cultura

Uma alternativa mais sensível é a cultura do Trichomonas vaginalis, que envolve o cultivo do parasita em meios específicos. Esse método é mais preciso que a microscopia, com sensibilidade que pode variar entre 80% e 95%, mas sua utilização é limitada pela menor disponibilidade em laboratórios de rotina, além de demandar mais tempo para a obtenção dos resultados, geralmente entre 3 a 7 dias. Esses fatores tornam a cultura menos prática para o diagnóstico imediato, especialmente em cenários onde o tratamento rápido é necessário.

Testes de antígenos rápidos

Para superar essas limitações, os testes de antígenos rápidos surgem como uma opção viável, especialmente em locais onde técnicas moleculares mais avançadas não estão disponíveis. Esses testes detectam proteínas específicas do parasita e oferecem maior sensibilidade e especificidade em comparação à microscopia, com resultados disponíveis em poucos minutos. No entanto, sua precisão ainda é inferior aos métodos moleculares, como a PCR.

PCR

A Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) é considerada o padrão-ouro para o diagnóstico laboratorial da tricomoníase. Esse método molecular é altamente sensível e específico, capaz de detectar quantidades mínimas do material genético do parasita, mesmo em casos assintomáticos ou com baixa carga parasitária.

A PCR é particularmente útil em populações de alto risco e em situações onde outros métodos falharam em identificar a infecção. Além disso, os testes de amplificação de ácidos nucleicos (NAATs), que incluem técnicas como a PCR, são altamente recomendados devido à sua excelente sensibilidade e especificidade, especialmente em indivíduos assintomáticos ou com infecções crônicas.

Rastreamento

O rastreamento de rotina para tricomoníase pode ser indicado em populações de alto risco, como mulheres vivendo com HIV, que têm maior probabilidade de desenvolver complicações associadas à infecção por Trichomonas vaginalis

Além disso, gestantes com histórico de parto prematuro ou outras complicações obstétricas também devem ser consideradas para rastreamento, uma vez que a tricomoníase está associada a desfechos adversos na gravidez. Outro grupo que pode se beneficiar do rastreamento são pessoas com múltiplos parceiros sexuais ou aquelas que não utilizam preservativos de forma consistente, devido ao maior risco de exposição à infecção.

Tratamento da tricomoníase: atualizações e protocolos baseados em evidências

O tratamento da tricomoníase é crucial não apenas para erradicar a infecção no indivíduo afetado, mas também para reduzir a transmissão da doença e prevenir complicações associadas. 

O tratamento de primeira linha para a tricomoníase consiste na administração de metronidazol 2g via oral em dose única. Essa dosagem demonstra alta eficácia na eliminação do parasita e é amplamente utilizada devido à sua praticidade e ao bom perfil de segurança. Como alternativa, o tinidazol 2g via oral em dose única também é recomendado, apresentando, em alguns casos, maior eficácia e tolerabilidade em comparação ao metronidazol. O tinidazol é particularmente útil em situações onde há resistência ou falha terapêutica ao metronidazol.

Em casos de infecções persistentes ou recorrentes, que podem ocorrer devido à resistência do parasita ou à reinfecção por parceiros não tratados, recomenda-se um esquema terapêutico prolongado. Nesses cenários, o metronidazol 250 mg via oral, duas vezes ao dia, por sete dias, é a opção preferencial. Esse regime estendido visa garantir a completa erradicação do parasita e reduzir as chances de recorrência.

Prevenção a reinfecções

Um aspecto fundamental do tratamento da tricomoníase é a abordagem do parceiro sexual. A infecção é altamente transmissível, e quando o parceiro não é tratado pode levar a um ciclo de reinfecções. Portanto, é essencial que todos os parceiros sexuais recentes do paciente sejam testados e tratados simultaneamente, mesmo que assintomáticos. Essa estratégia é vital para interromper a cadeia de transmissão e garantir a eficácia do método terapêutico adotado.

Além disso, é importante destacar que é preciso também orientar sobre práticas sexuais seguras, como o uso consistente de preservativos. Em gestantes, o tratamento é particularmente crítico, pois a tricomoníase está associada a complicações obstétricas. O metronidazol é considerado seguro durante a gravidez, mas o tinidazol não é recomendado nesta população devido à falta de estudos conclusivos sobre sua segurança.

Leia Mais:

FONTES:

  • Tratado de Ginecologia FEBRASGO. 1. ed. [S. l.: s. n.], 2019.
  • PASSOS, Eduardo et al. Rotinas em ginecologia. 8. ed. [S. l.: s. n.], 2023.
  • Screening for Nonviral Sexually Transmitted Infections in Adolescents and Young Adults. American Academy of Pediatrics, [s. l.], v. 134, ed. 1, Julho 2014.
  • M. ROGERS, Susan et al. Epidemiology of Undiagnosed Trichomoniasis in a Probability Sample of Urban Young Adults. PLOS ONE, [s. l.], v. 9, ed. 3, Março 2014.