Estudo
Publicado em
5/1/23

Nefropatia Diabética: o que é, diagnóstico e tratamento

Escrito por:
Nefropatia Diabética: o que é, diagnóstico e tratamento

A nefropatia diabética (ND), mais conhecida atualmente como doença renal do diabetes, apresenta elevada prevalência na população com diabetes mellitus (DM). Dessa forma, a ND representa a principal causa de doença renal crônica (DRC) nos pacientes que necessitam de terapia dialítica em todo o mundo, com aproximadamente 25 a cada 100.000 pacientes diabéticos evoluindo para uma DRC terminal anualmente.

Para mais, a doença renal do diabetes se associa com aumento da mortalidade por todas as causas. Sendo a principal causa de morte cardiovascular, por exemplo. Por isso, compreender o manejo, bem como evitar sua progressão, é fundamental também para a prevenção da morte por doenças cardiovasculares.

O que é a Nefropatia diabética?

A ND é definida pela redução da taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) e/ou pela presença de albuminúria. É uma das complicações microvasculares mais frequentes da DM tipo 1 e tipo 2, acometendo de 20 a 40% dos pacientes. Para mais, seu principal fator de risco é o controle glicêmico inadequado.

E mais, outros fatores de risco importantes são a hipertensão arterial sistêmica, idade avançada e sexo masculino. Bem como a etnia negra ou hispânica, a história familiar de doença renal da diabetes, e uma alta ingestão proteica.

Fisiopatologia da nefropatia diabética

A fisiopatologia da ND pode ser dividida em duas fases: precoce e tardia. Sendo a fase precoce caracterizada por alterações hemodinâmicas e metabólicas, e a fase tardia por alterações celulares e remodelação celular. Confira a seguir.

Fase precoce

Devido ao controle inadequado da glicemia, há um aumento da filtração glomerular da glicose, resultando na elevação da reabsorção tubular proximal desse carboidrato, através do cotransportador de sódio e glicose SGLT tipo 1 e 2. Dessa forma, ocorre uma diminuição desse elemento no túbulo distal e na mácula densa do glomérulo.

Imagem representando a importância do cotransportador SGLT-2 na reabsorção da glicose. Fonte: Liga de Diabetes UNIUBE Link: https://uniube.br/propepe/ligas/diabetes/arquivos/2018/Inibidores_de_SGLT_2.pdf
Imagem representando a importância do cotransportador SGLT-2 na reabsorção da glicose. Fonte: Liga de Diabetes UNIUBE

Essa diminuição provocará a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), com consequente dilatação da arteríola aferente e constrição da arteríola eferente. Como resultado, haverá um aumento da pressão arterial (PA) e hiperfiltração glomerular.

Fase tardia

O aumento da PA e da filtração glomerular, com o tempo, provoca hipertrofia renal. Assim, eventualmente, ocorre uma evolução para uma glomeruloesclerose e atrofia tubular. E ainda, a hiperglicemia persistente provoca lesão do endotélio glomerular, contribuindo para o surgimento de um processo inflamatório que cursa com lesão e apoptose dos podócitos, células que apresentam importante função na manutenção da barreira de filtração glomerular.

 

Observe essa lâmina histológica corada com hematoxilina-eosina (HE). Ela demonstra a glomeruloesclerose intercapilar nodular de Kimmelstiel-Wilson, considerada patognomônica da nefropatia diabética. Fonte: AnatPat link: https://anatpat.unicamp.br/lamuro7.html
Observe essa lâmina histológica corada com hematoxilina-eosina (HE). Ela demonstra a glomeruloesclerose intercapilar nodular de Kimmelstiel-Wilson, considerada patognomônica da nefropatia diabética. Fonte: AnatPat

A lesão acima caracteriza-se por espessamento mesangial em forma de nódulo único, hialino e acelular, envolvendo um lóbulo glomerular, e associado a glomeruloesclerose difusa. Para mais, entre 15% e 30% de todos os diabéticos desenvolvem a glomeruloesclerose nodular.

Para mais, devido a esse processo inflamatório, ocorrerá o recrutamento de células imunológicas que liberam citocinas e quimiocinas. Isso resultará em um maior remodelamento tecidual, contribuindo ainda mais com a atrofia e a fibrose do parênquima renal.

 

Fonte: VILAR, Lucio. et al. Endocrinologia Clínica, 2020
Fonte: VILAR, Lucio. et al. Endocrinologia Clínica, 2020

Quais os sintomas?

A maioria dos pacientes com DM é oligossintomático ou assintomático. Da mesma forma, a nefropatia diabética é uma doença insidiosa, com pouco ou nenhum sintoma. Isso justifica a importância do rastreamento da doença, a fim de detectá-la antes que ocorram maiores complicações.

Diagnóstico da Nefropatia Diabética

No paciente com diabetes mellitus tipo 1 (DM1), o rastreio para a nefropatia diabética inicia-se 5 anos após o diagnóstico. Já para pacientes com DM2, o rastreamento deve ser iniciado imediatamente, devido ao atraso médio de 4 a 7 anos no diagnóstico da doença.

Assim, o rastreio é realizado com a coleta de exames de sangue, através do cálculo da TFGe - realizada com a creatinina sérica - e/ou pela presença de albuminúria em amostra isolada da urina. Entretanto, o parâmetro mais utilizado atualmente para o rastreio da ND é a relação albumina-creatinina.

Portanto, o diagnóstico pode ser dado através da presença de albuminúria elevada (30-300 mg/g). Sendo o nível de albumina que é considerado normal < 30 mg/g. A presença de albuminúria elevada deve ser confirmada com outras 2 a 3 amostras de urina, em intervalo de 3 a 6 meses.

Já se o nível de albuminúria for > 300 mg/g, classificada como albuminúria muito elevada, não é preciso repetir o exame para confirmação do diagnóstico. Além disso, o nível de albuminúria também serve como preditor de eventos cardiovasculares, da progressão da nefropatia diabética e de mortalidade.

Ademais, o indivíduo deve ter ausência de sinais e sintomas que provoquem suspeita de lesão renal por outra etiologia. Nesses casos, a realização da biópsia deve ser considerada. Para mais, observe a tabela abaixo para classificação da DRD.

 

Prognóstico de doença renal crônica por RFG e categorias da albuminúria. Fonte: KDIGO 2012
Prognóstico de doença renal crônica por RFG e categorias da albuminúria. Fonte: KDIGO 2012


Como funciona o tratamento?

Os principais objetivos do tratamento da nefropatia diabética são a normalização da excreção urinária de albumina (EUA), ou seja, que o paciente atinja valores inferiores a 30 mg/g. E mais, evitar o declínio da função TFG e prevenir eventos cardiovasculares.

Assim, o tratamento da ND consiste no controle dietético, no controle glicêmico e no controle da pressão arterial. Bem como no tratamento da dislipidemia

Controle dietético

As principais metas dietéticas do paciente com nefropatia diabética são a redução da ingesta de proteínas para 0,8 g/kg/dia. E mais, realiza-se o controle da ingesta de sódio em < 1.500 μg/dia, e a adoção da dieta DASH, que é adequada para pacientes com diabetes mellitus e hipertensão arterial

ITEM PORÇÕES EQUIVALENTE DE UMA PORÇÃO
Frutas 3x - 5x ao dia 100g:
- 1/2 xícara de frutas frescas/congeladas
- 1/4 xícara de frutas secas
- 1/2 xícara suco natural

Vegetais 3x - 4x ao dia 100 g
- 1 xícara de folhas cruas
- 1/2 xícara folhas cruas cortadas/cozidas ou suco
Grãos inteiros/ integrais 3x ao dia 50 g:
- 1 fatia de pão integral
- 1 xícara de cereal integral
- 1/2 xícara de arroz/ macarrão integral
Sementes 4x - 5x na semana 28 g
Frutos do mar 2x na semana 100 g
Laticínios 2x - 3x ao dia - 1 xícara de leite
- 40g de queijo fresco
Óleo vegetal 2x - 6x ao dia - 1 colher de chá para temperar saladas
- 1 colher de sopa para preparar alimentos
Tabela exemplificando a dieta DASH. Fonte: Portal WeMeds

Controle glicêmico

Como mencionado anteriormente, o controle glicêmico reduz a ocorrência de desfechos microvasculares e a progressão da albuminúria. Dessa forma, a meta da hemoglobina glicada (HbA1c) deve ser inferior a 7.0% em pacientes com nefropatia diabética.

Além disso, é preconizado o uso de anti-hiperglicemiantes no tratamento da ND. Exemplos desses são os inibidores do co-transportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT-2), os agonistas do receptor peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP1) e a metformina. 

Controle pressórico

A meta pressórica para a maioria dos indivíduos com nefropatía diabética deve ser ≤ 140/80 mmHg. Entretanto, para pacientes jovens ou com risco aumentado para acidente vascular cerebral (AVC), preconiza-se a meta de PA ≤ 130/80 mmHg.

Além disso, para o controle pressórico, é indicado o tratamento com bloqueadores do SRAA. Dessa forma, recomenda-se o uso de bloqueadores do receptor de angiotensina II (BRA) e inibidores da enzima conversora de angiotensina II (IECA), visto que esses medicamentos são capazes de reduzir a excreção urinária de albumina, retardando a progressão da doença e melhorando a função renal.

Tratamento da dislipidemia

Para mais, o uso de estatinas não melhora o declínio da TFGe, tampouco diminui a albuminúria, quando iniciada após o desenvolvimento da nefropatia diabética. Entretanto, é recomendada para todos os pacientes com ND e idade ≥ 50 anos, bem como para pacientes com idade < 50 e com risco cardiovascular importante.

Isso porque a recomendação supracitada é aplicável a todos os diabéticos acima de 40 anos. E ainda, o uso de fibratos é também recomendado quando os triglicerídeos ultrapassam 1.000 mg/dL, a fim de reduzir o risco de pancreatite aguda.

Cuidados na prescrição

Devido ao rim ser, juntamente ao fígado, um órgão importante na metabolização e excreção de medicamentos, o uso de anti-hiperglicemiantes em pacientes com redução progressiva da TFGe pode levar a um quadro de hipoglicemia. Por isso, esses medicamentos devem ser ajustados à medida que a TFGe estiver decaindo.

Exemplo disso é a metformina, fármaco amplamente utilizado no tratamento da DM, e que não é metabolizado no organismo, sendo excretado inalterado pelos rins. Por isso, deve ser prescrita em doses reduzidas (máximo de 1 g/dia), e o paciente com TFGe < 30 mL/min/1.73m2 deve ter essa medicação suspensa.

E mais, não deve ser iniciada em pacientes com TFGe < 45 mL/min/1.73m2. Ou ainda, em condições de risco para a acidose lática, e sob risco de lesão renal aguda.

Conclusão

A nefropatia diabética é uma condição extremamente comum no nosso meio. Reconhecer a importância de rastrear essa doença em todos os pacientes com diabetes mellitus, bem como a forma de diagnóstico e o manejo do paciente é fundamental para todo o médico generalista!

Leia mais:

FONTES:

  • VILAR, Lucio. et al. Endocrinologia Clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda, 2020.
  • BRASIL. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes: 2019-2020. São Paulo: Clannad, 2019.