A nefropatia diabética (ND), mais conhecida atualmente como doença renal do diabetes, apresenta elevada prevalência na população com diabetes mellitus (DM). Dessa forma, a ND representa a principal causa de doença renal crônica (DRC) nos pacientes que necessitam de terapia dialítica em todo o mundo, com aproximadamente 25 a cada 100.000 pacientes diabéticos evoluindo para uma DRC terminal anualmente.
Para mais, a doença renal do diabetes se associa com aumento da mortalidade por todas as causas. Sendo a principal causa de morte cardiovascular, por exemplo. Por isso, compreender o manejo, bem como evitar sua progressão, é fundamental também para a prevenção da morte por doenças cardiovasculares.
O que é a Nefropatia diabética?
A ND é definida pela redução da taxa de filtração glomerular estimada (TFGe) e/ou pela presença de albuminúria. É uma das complicações microvasculares mais frequentes da DM tipo 1 e tipo 2, acometendo de 20 a 40% dos pacientes. Para mais, seu principal fator de risco é o controle glicêmico inadequado.
E mais, outros fatores de risco importantes são a hipertensão arterial sistêmica, idade avançada e sexo masculino. Bem como a etnia negra ou hispânica, a história familiar de doença renal da diabetes, e uma alta ingestão proteica.
Fisiopatologia da nefropatia diabética
A fisiopatologia da ND pode ser dividida em duas fases: precoce e tardia. Sendo a fase precoce caracterizada por alterações hemodinâmicas e metabólicas, e a fase tardia por alterações celulares e remodelação celular. Confira a seguir.
Fase precoce
Devido ao controle inadequado da glicemia, há um aumento da filtração glomerular da glicose, resultando na elevação da reabsorção tubular proximal desse carboidrato, através do cotransportador de sódio e glicose SGLT tipo 1 e 2. Dessa forma, ocorre uma diminuição desse elemento no túbulo distal e na mácula densa do glomérulo.
Essa diminuição provocará a ativação do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), com consequente dilatação da arteríola aferente e constrição da arteríola eferente. Como resultado, haverá um aumento da pressão arterial (PA) e hiperfiltração glomerular.
Fase tardia
O aumento da PA e da filtração glomerular, com o tempo, provoca hipertrofia renal. Assim, eventualmente, ocorre uma evolução para uma glomeruloesclerose e atrofia tubular. E ainda, a hiperglicemia persistente provoca lesão do endotélio glomerular, contribuindo para o surgimento de um processo inflamatório que cursa com lesão e apoptose dos podócitos, células que apresentam importante função na manutenção da barreira de filtração glomerular.
A lesão acima caracteriza-se por espessamento mesangial em forma de nódulo único, hialino e acelular, envolvendo um lóbulo glomerular, e associado a glomeruloesclerose difusa. Para mais, entre 15% e 30% de todos os diabéticos desenvolvem a glomeruloesclerose nodular.
Para mais, devido a esse processo inflamatório, ocorrerá o recrutamento de células imunológicas que liberam citocinas e quimiocinas. Isso resultará em um maior remodelamento tecidual, contribuindo ainda mais com a atrofia e a fibrose do parênquima renal.
Quais os sintomas?
A maioria dos pacientes com DM é oligossintomático ou assintomático. Da mesma forma, a nefropatia diabética é uma doença insidiosa, com pouco ou nenhum sintoma. Isso justifica a importância do rastreamento da doença, a fim de detectá-la antes que ocorram maiores complicações.
Diagnóstico da Nefropatia Diabética
No paciente com diabetes mellitus tipo 1 (DM1), o rastreio para a nefropatia diabética inicia-se 5 anos após o diagnóstico. Já para pacientes com DM2, o rastreamento deve ser iniciado imediatamente, devido ao atraso médio de 4 a 7 anos no diagnóstico da doença.
Assim, o rastreio é realizado com a coleta de exames de sangue, através do cálculo da TFGe - realizada com a creatinina sérica - e/ou pela presença de albuminúria em amostra isolada da urina. Entretanto, o parâmetro mais utilizado atualmente para o rastreio da ND é a relação albumina-creatinina.
Portanto, o diagnóstico pode ser dado através da presença de albuminúria elevada (30-300 mg/g). Sendo o nível de albumina que é considerado normal < 30 mg/g. A presença de albuminúria elevada deve ser confirmada com outras 2 a 3 amostras de urina, em intervalo de 3 a 6 meses.
Já se o nível de albuminúria for > 300 mg/g, classificada como albuminúria muito elevada, não é preciso repetir o exame para confirmação do diagnóstico. Além disso, o nível de albuminúria também serve como preditor de eventos cardiovasculares, da progressão da nefropatia diabética e de mortalidade.
Ademais, o indivíduo deve ter ausência de sinais e sintomas que provoquem suspeita de lesão renal por outra etiologia. Nesses casos, a realização da biópsia deve ser considerada. Para mais, observe a tabela abaixo para classificação da DRD.
Como funciona o tratamento?
Os principais objetivos do tratamento da nefropatia diabética são a normalização da excreção urinária de albumina (EUA), ou seja, que o paciente atinja valores inferiores a 30 mg/g. E mais, evitar o declínio da função TFG e prevenir eventos cardiovasculares.
Assim, o tratamento da ND consiste no controle dietético, no controle glicêmico e no controle da pressão arterial. Bem como no tratamento da dislipidemia.
Controle dietético
As principais metas dietéticas do paciente com nefropatia diabética são a redução da ingesta de proteínas para 0,8 g/kg/dia. E mais, realiza-se o controle da ingesta de sódio em < 1.500 μg/dia, e a adoção da dieta DASH, que é adequada para pacientes com diabetes mellitus e hipertensão arterial.
Controle glicêmico
Como mencionado anteriormente, o controle glicêmico reduz a ocorrência de desfechos microvasculares e a progressão da albuminúria. Dessa forma, a meta da hemoglobina glicada (HbA1c) deve ser inferior a 7.0% em pacientes com nefropatia diabética.
Além disso, é preconizado o uso de anti-hiperglicemiantes no tratamento da ND. Exemplos desses são os inibidores do co-transportador de sódio-glicose tipo 2 (iSGLT-2), os agonistas do receptor peptídeo semelhante ao glucagon-1 (GLP1) e a metformina.
Controle pressórico
A meta pressórica para a maioria dos indivíduos com nefropatía diabética deve ser ≤ 140/80 mmHg. Entretanto, para pacientes jovens ou com risco aumentado para acidente vascular cerebral (AVC), preconiza-se a meta de PA ≤ 130/80 mmHg.
Além disso, para o controle pressórico, é indicado o tratamento com bloqueadores do SRAA. Dessa forma, recomenda-se o uso de bloqueadores do receptor de angiotensina II (BRA) e inibidores da enzima conversora de angiotensina II (IECA), visto que esses medicamentos são capazes de reduzir a excreção urinária de albumina, retardando a progressão da doença e melhorando a função renal.
Tratamento da dislipidemia
Para mais, o uso de estatinas não melhora o declínio da TFGe, tampouco diminui a albuminúria, quando iniciada após o desenvolvimento da nefropatia diabética. Entretanto, é recomendada para todos os pacientes com ND e idade ≥ 50 anos, bem como para pacientes com idade < 50 e com risco cardiovascular importante.
Isso porque a recomendação supracitada é aplicável a todos os diabéticos acima de 40 anos. E ainda, o uso de fibratos é também recomendado quando os triglicerídeos ultrapassam 1.000 mg/dL, a fim de reduzir o risco de pancreatite aguda.
Cuidados na prescrição
Devido ao rim ser, juntamente ao fígado, um órgão importante na metabolização e excreção de medicamentos, o uso de anti-hiperglicemiantes em pacientes com redução progressiva da TFGe pode levar a um quadro de hipoglicemia. Por isso, esses medicamentos devem ser ajustados à medida que a TFGe estiver decaindo.
Exemplo disso é a metformina, fármaco amplamente utilizado no tratamento da DM, e que não é metabolizado no organismo, sendo excretado inalterado pelos rins. Por isso, deve ser prescrita em doses reduzidas (máximo de 1 g/dia), e o paciente com TFGe < 30 mL/min/1.73m2 deve ter essa medicação suspensa.
E mais, não deve ser iniciada em pacientes com TFGe < 45 mL/min/1.73m2. Ou ainda, em condições de risco para a acidose lática, e sob risco de lesão renal aguda.
Conclusão
A nefropatia diabética é uma condição extremamente comum no nosso meio. Reconhecer a importância de rastrear essa doença em todos os pacientes com diabetes mellitus, bem como a forma de diagnóstico e o manejo do paciente é fundamental para todo o médico generalista!
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FONTES:
- VILAR, Lucio. et al. Endocrinologia Clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda, 2020.
- BRASIL. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes: 2019-2020. São Paulo: Clannad, 2019.