A amiloidose é um termo utilizado para englobar diversos distúrbios de enovelamento de proteínas amilóides.
Esses distúrbios cursam com a deposição extracelular de fibrilas amilóides insolúveis, prejudicando assim o funcionamento dos tecidos.
O termo “amiloidose” foi criado pelo patologista Rudolf Virchow, em 1854. Ao visualizar os achados do distúrbio na lâmina histológica, o cientista observou que se assemelhava ao amido.
Apesar de ser uma doença rara, pode causar diversos malefícios para o paciente. Portanto, não perca mais um post do EMR para contribuir com a sua formação!
Fisiopatologia
Como explicado anteriormente, esta é uma doença por deposição de proteína amilóide, que pode ser visualizada na lâmina histológica através da coloração por vermelho Congo.
Existem diversos mecanismos celulares para garantir a formação correta de proteínas, bem como eliminar proteínas incorretamente enoveladas.
Entretanto, a presença de mutações genéticas e processamentos incorretos nas células podem impedir a eliminação dessas proteínas no organismo.
Classificação
Existem pelo menos 28 tipos identificados de proteínas amilóides, e ainda mais subtipos de amiloidose.
Dessa maneira, esta doença rara pode ser classificada em sistêmica ou localizada, bem como em adquirida ou hereditária, e de acordo com seus padrões clínicos.
A nomenclatura utilizada para classificação é “AX”: “A” indicando amiloidose, e “X” indicando a proteína que se deposita nos tecidos.
Exemplo disso é a ATTR, a amiloidose familiar mais prevalente, associada a mutações de proteínas transtirretina (TTR). Essa proteína tem função de transporte do hormônio tireoideano e da proteína de ligação do retinol.
E mais, a Aβ, que é a forma de amiloidose localizada mais comum, sendo encontrada no cérebro de pacientes com Alzheimer após proteólise e agregação anormal de polipeptideos derivados de proteína precursora de amilóide.
Principais tipos
Apesar dos vários subtipos existentes, neste post, abordaremos apenas os mais prevalentes.
Assim, os principais subtipos são a amiloidose de cadeia leve (AL), também conhecida como primária e a amiloidose de cadeia A (AA) também conhecida como secundária.
Amiloidose primária (AL)
É o tipo sistêmico mais comum, com incidência de 1:1.000.000 casos/pessoas/ano. Entre 10 e 15% dos pacientes com mieloma múltiplo têm AL concomitante.
Ela tem origem na produção clonal de células plasmáticas da medula óssea, que produzem imunoglobulinas de cadeia leve (light) monoclonal kappa ou lambda, formando proteínas insolúveis que se depositarão em órgãos, comprometendo suas funções.
Assim, acomete todos os órgãos, menos o sistema nervoso central. O órgão mais frequentemente acometido é o rim (70 a 80%) e pode manifestar-se com uma síndrome nefrótica.
Já o segundo órgão mais frequentemente acometido é o coração (50% a 60%), produzindo sinais e sintomas como a dispneia aos esforços, edema de membros inferiores e angina.
Além disso, ela também pode causar comprometimento neurológico periférico, apresentando parestesia distal progressiva bilateral e síndrome do túnel do carpo.
E mais, quando há envolvimento do sistema nervoso autônomo, pode apresentar hipotensão ortostática, disfunção erétil, gastroparesia e diarreia.
O surgimento de equimoses é comum, principalmente periorbital, caracterizando o sinal do guaxinim.
Quando acomete o trato gastrointestinal, o paciente pode apresentar macroglossia, devido a deposição da proteína. Essa condição é considerada patognomônica da AL, contudo, acomete apenas 20% dos pacientes.
Outro sinal possível de ser visualizado é o sinal da ombreira, caracterizado pelo alargamento dos ombros devido a deposição das proteínas, provocando uma pseudo-hipertrofia.
Entretanto, é característico deste tipo a manifestação inicial de sintomas poucos específicos, como a perda de peso e fadiga (50%). Dessa forma, pode haver atraso no diagnóstico.
Por isso, na presença de doença multissistêmica ou de fadiga generalizada, em conjunto com alguma das síndromes clínicas supracitadas, deve ser feita pesquisa para esta doença.
Amiloidose de cadeia A (AA)
Este é o tipo sistêmico mais comum no público pediátrico, sendo também secundária e adquirida. Entretanto, é menos comum do que a AL, e ocorre em menos de 2% da população nos Estados Unidos.
Ela ocorre em associação a quase todos os estados inflamatórios crônicos, como a artrite reumatoide, doença inflamatória intestinal e a febre mediterrânea familiar.
E mais, também se manifesta ao mesmo tempo que infecções crônicas, como a tuberculose e a endocardite bacteriana aguda. Todavia, em 30% dos casos, não é possível identificar nenhuma doença subjacente.
Por estar associada a doenças de base tratáveis, a prevalência da AA vem decaindo devido aos avanços na terapia anti-inflamatória e antimicrobiana.
Para mais, quando presente, o distúrbio pode estar associado a doença de Castleman, linfomas e carcinoma de células renais.
Além disso, o primeiro órgão acometido é o rim. Por isso, é comum a presença de síndrome nefrótica, entretanto, com aumento ou ausência de diminuição dos rins nos exames de imagem.
O paciente pode apresentar hepatomegalia, esplenomegalia e neuropatia autonômica, além de miocardiopatia, que ocorre posteriormente, com a progressão da doença.
Dessa forma, é possível perceber que os sinais e sintomas deste subtipo não são facilmente diferenciados da AL.
Devido a essa sobreposição de apresentações clínicas, o diagnóstico do tipo desta doença rara é fundamental para a instituição do tratamento correto.
Diagnóstico
A investigação diagnóstica da AL deve ser feita em todos os indivíduos com miocardiopatia com disfunção sistólica, síndrome nefrótica ou neuropatias inexplicadas.
Assim como deve ser realizada em pacientes com achados considerados patognomônicos do distúrbio, como a macroglossia e equimoses periorbitárias.
O diagnóstico se dá pela demonstração do depósito tecidual por meio da coloração vermelho do Congo, através da biópsia.
Após essa coloração, a lâmina é exposta à luz polarizada, sendo possível identificar coloração “verde-maçã”.
Na imagem acima à direita, a lâmina está corada com vermelho Congo. Observe que a cor vermelha “em tijolo” corresponde às proteínas amilóides.
Entretanto, quando exposta à luz polarizada, essas proteínas ganham tonalidade “verde-maçã”.
Para mais, em amiloidoses sistêmicas, a biópsia pode ser feita em qualquer órgão envolvido, mas quando feita em órgãos como coração e fígado, há maior risco de sangramento.
Por isso, comumente opta-se por realizar a biópsia da mucosa retal, que apresenta acurácia de 75%, porém a biópsia do tecido adiposo é mais facilmente acessível, e é positiva em 80% dos indivíduos positivos para a doença.
Caso a 1ª biópsia seja negativa, considera-se realizar uma 2ª biópsia em locais mais invasivos: rins, coração, fígado ou trato gastrointestinal.
Após a identificação de proteínas amilóides nos tecidos, é essencial identificar o tipo de proteína depositada. Isso pode ser feito por meio da imuno-histoquímica ou da espectrometria de massa.
Exames complementares
Em caso de cardiomiopatia, realiza-se um ecocardiograma. O exame detecta que a espessura do septo pode estar > 15mm, bem como pode haver uma insuficiência cardíaca diastólica e aumento concêntrico dos ventrículos.
Observe nesse ecocardiograma o espessamento de septo.
Além disso, no eletrocardiograma pode haver presença de baixa voltagem.
Para complementar a investigação no coração, solicita-se um raio-X de tórax e a ressonância magnética cardíaca, sendo essa última considerada padrão-ouro para avaliação.
E ainda, os níveis de troponina T estão elevados em 90% dos pacientes com amiloidose primária, bem como o peptídeo natriurético cerebral (BNP), devido ao efeito tóxico da AL sobre os miócitos.
Por isso, esses parâmetros podem ser usados para avaliar o prognóstico do paciente.
Em caso de neuropatia, solicita-se a eletroneuromiografia. Quando há envolvimento endócrino, avalia-se o hormônio tireoestimulante (TSH) e os níveis de cortisol.
Já para avaliar o envolvimento do pulmão, são solicitadas as provas de função pulmonar.
Para avaliar os rins, a função renal e eletrólitos são essenciais, assim como a proteinúria de 24 horas, sendo comum o achado > 0,5 g/dia com predomínio de albumina, e o clearance de creatinina.
Também é preciso solicitar às enzimas de função hepática, bilirrubinas, fosfatase alcalina (comumente > 1,5 valor de referência) e ultrassonografia abdominal.
Como funciona o tratamento?
O tratamento varia bastante de acordo com o tipo de proteína depositada.
Por exemplo, a doença do tipo AA requer controle da doença de base. Já as do tipo hereditárias podem se beneficiar do transplante de órgãos sólidos acometidos.
Por isso, esta é uma doença que requer o diagnóstico precoce e a identificação correta de seu subtipo, a fim de oferecer ao paciente o melhor tratamento.
Tratamento amiloidose primária
Devido ao comprometimento multissistêmico da AL, a sobrevida de pacientes sem o tratamento, a partir do momento do diagnóstico, é de 1 a 2 anos.
Assim, a terapia deve ser direcionada à discrasia de células plasmocitárias na medula óssea.
Entretanto, o tratamento de escolha para o indivíduo deve considerar a eficácia do tratamento, bem como a toxicidade terapêutica.
Dessa forma, o uso de altas doses de melfalana, associado ao transplante de medula óssea autólogo é a terapia de maior efetividade.
Pacientes com múltiplas comorbidades, envolvimento de mais de 3 órgãos e cardiomiopatia avançada não são candidatos ao transplante. Eles podem ser tratados com esquemas formados por melfalana e dexametasona.
Tratamento para amiloidose de cadeia A
Por fim, como dito anteriormente, a base do tratamento da AA é o controle da doença inflamatória de base.
Nos casos de indivíduos com febre mediterrânea familiar, a colchicina na dose de 1,2 a 1,8 mg/dia é o tratamento padrão.
Conclusão
A amiloidose é uma doença com apresentações clínicas pouco específicas e, por isso, sua suspeita diagnóstica pode ser desafiadora para o médico generalista.
Entretanto, apesar de ser uma doença rara, deve ser diagnosticada precocemente para melhorar a sobrevida do paciente!
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FONTES:
- MARTINS, M. R. Manual do Residente de Clínica Médica. 2a edição. Barueri: Manole, 2017.
- FAUCI, Jameson. et al. Medicina Interna de Harrison. Porto Alegre: AMGH, 2020.