A pancreatite aguda é uma inflamação aguda do pâncreas, que cursa com uma dor abdominal intensa e extremamente incapacitante.
Apesar de geralmente autolimitada, pode gerar complicações potencialmente graves com falência múltipla de órgãos.
No Brasil, estima-se que ocorram 20 casos para 100.000 habitantes, com taxa de mortalidade de 5,19% nos últimos anos.
Neste post abordaremos suas causas, como diagnosticar e o seu manejo!
O que é Pancreatite Aguda?
A pancreatite aguda é uma doença inflamatória aguda do pâncreas, secundária à autodigestão da glândula, decorrente da ativação precoce de enzimas pancreáticas (amilase e lipase).
Pode ainda ocorrer o envolvimento de tecidos peripancreáticos e/ou órgãos a distância.
Fases da pancreatite aguda
Pode ser dividido em 2 fases distintas: a precoce e a tardia.
Na precoce, que engloba a primeira semana da doença, ocorre intensa ativação da cascata de coagulação, dando início a síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS), que pode evoluir para falência de órgãos.
Já na fase tardia, que ocorre de semanas a meses após o início da doença, há persistência da inflamação sistêmica e possível surgimento de complicações locais.
Etiologia e fisiopatologia
A pancreatite aguda pode ser causada por diferentes etiologias, sendo a presença de cálculos biliares e o consumo excessivo de álcool as principais, correspondendo a 80% dos casos.
Cálculos biliares
Os cálculos biliares são a causa mais comum de pancreatite aguda, causando a chamada pancreatite biliar. É mais comum em mulheres, com a incidência aumentando com a idade.
A pancreatite ocorre quando o cálculo passa pelo ducto biliar comum, ficando preso no esfíncter de Oddi, gerando uma obstrução que interrompe o fluxo pancreático.
Essa diminuição do fluxo pancreático gera um edema intersticial, que diminui o fluxo sanguíneo, gerando isquemia. A isquemia leva a ativação das enzimas pancreáticas por lesão das células acinares.
Os pacientes com cálculos biliares podem ter episódios recorrentes de pancreatite caso não sejam tratados cirurgicamente, principalmente se forem microcálculos.
Consumo de álcool
O consumo excessivo de álcool é a segunda causa mais comum de pancreatite aguda, sendo mais incidente em homens.
Etilistas que consomem pelo menos de 4 a 5 doses semanais de álcool por pelo menos 5 anos estão em risco para o desenvolvimento de pancreatite aguda.
O álcool gera o quadro inflamatório por lesão das células acinares, causando ativação das enzimas pancreáticas.
Hipertrigliceridemia
A hipertrigliceridemia é responsável por 1 a 4% dos casos de pancreatite aguda, sendo a maioria com níveis de triglicerídeos (TGL) acima de 1000 mg/dl.
É comum a associação com o quadro de diabetes descompensada.
A lipase hidrolisa os triglicérides, formando ácidos graxos livres com formação de superóxidos que causam lesão pancreática. Normalmente, os exames mostram níveis de amilase normais.
Para tratamento desses casos, pode ser necessária a adição de medicações hipolipemiantes, como os fibratos, para diminuição dos níveis de TGL.
Outras etiologias menos comuns
Outras etiologias menos comuns de pancreatite incluem: pós colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica (CPRE), hipercalcemia, autoimune, vasculites, genética, medicamentos, agentes infecciosos, isquêmica e câncer de pâncreas.
Apresentação clínica
A queixa principal e mais característica é a dor no abdome superior, em faixa e de forte intensidade.
Além disso, em 90% dos casos, náuseas e vômitos estão associados.
Casos mais graves podem aparecer com sinais e sintomas de peritonite, íleo adinâmico, SIRS e encefalopatia pancreática.
Sinais de hemorragia intra-abdominal podem ser vistos em 1 a 3% dos casos, o que indica gravidade. São exemplos o sinal de Grey-Turner, que é a equimose nos flancos, e o sinal de Cullen, que é a equimose periumbilical.
A paniculite - que é a inflamação da camada de gordura abaixo da pele - é um sinal raro que pode aparecer no exame físico também.
Diagnóstico
O diagnóstico da pancreatite aguda pode ser feito de acordo com os Critérios de Atlanta. Na presença de pelo menos 2 de 3 critérios.
Exames laboratoriais
Na suspeita de pancreatite, deve ser solicitada a dosagem de amilase e lipase séricas.
A dosagem de amilase tem alta sensibilidade, com aumento detectado 6 a 12h após início do processo inflamatório, além de ter uma meia-vida menor que a lipase. Vale salientar que ela pode não aumentar em etiologia por álcool e hipertrigliceridemia.
A dosagem de lipase tem seu aumento de 4 a 8h após o início do processo inflamatório, sendo mais específica e sensível que a amilase. Além disso, continua elevada após 24h.
Para diagnóstico etiológico, pode-se solicitar AST e ALT, que costumam estar aumentadas em mais de 3 vezes em casos de pancreatite biliar.
Pode-se pedir também a dosagem de triglicérides, em suspeita de hipertrigliceridemia.
Para avaliação de gravidade, pode solicitar dosagem de PCR. Caso os níveis estiverem acima de 150 mg/dl após 48h do quadro indicam gravidade.
Ademais, hematócrito acima de 44% e alterações na ureia também indicam gravidade.
A função renal deve ser sempre solicitada. Sendo assim, se a creatinina estiver acima de 1,8 após a hidratação adequada indica desenvolvimento de necrose pancreática.
Exames de imagem
O exame de imagem inicial ideal é a USG de abdome superior, pois o contraste pode ser danoso nas primeiras 72h de doença.
Porém, na suspeita de necrose ou deterioração clínica, a TC de abdome superior com contraste é mandatória.
Os exames de imagem, porém, podem ser normais nas primeiras 48h de dor.
A USG de abdome superior detecta a inflamação pancreática e tem alta sensibilidade para cálculos biliares.
O pâncreas pode aparecer aumentado e hipoecoico, além de permitir a visualização de coleções.
A TC de abdome superior deve ser feita na pancreatite grave ou no paciente sem melhora. Ela é utilizada para avaliar possíveis complicações.
O índice morfológico e de gravidade Balthazar foi desenvolvido para classificação da pancreatite aguda na TC. Confira a seguir:
Em caso de coledocolitíase associada, o USG endoscópico pode ser útil para a avaliação e diferenciação de pseudocistos e outras lesões císticas.
Classificação
A pancreatite aguda pode ser classificada de acordo com: sua forma clínica, suas complicações e seu grau de gravidade.
Forma clínica
Classificada em edematosa ou em necrosante.
A forma edematosa é a mais comum. Ela mostra edema focal ou difuso do pâncreas, podendo haver acúmulo de líquido.
A forma necrotizante representa de 5 a 10% dos casos. Observa-se necrose do parênquima ou do tecido peripancreático. Para mais, há risco de infecção sobreposta.
Complicações
Classificado em locais ou sistêmicas.
As complicações locais são aquelas com persistência da dor abdominal ou sinais inflamatórios. Compreendem coleções líquidas peripancreáticas, pseudocistos pancreáticos, coleção necrótica e necrose encapsulada.
As complicações sistêmicas incluem as derivadas de doenças preexistentes precipitadas pela pancreatite ou o surgimento de falência orgânica secundária.
Gravidade
Classificado em leve, moderado ou grave.
A leve é aquela com ausência de disfunção orgânica e de complicações.
A moderadamente grave é aquela com disfunção orgânica associada ou não a complicações locais.
A grave é aquela com disfunção orgânica (choque, insuficiência renal, insuficiência respiratória, sangramento gastrointestinal) associada a complicações sistêmicas (coagulação intravascular disseminada, acidose metabólica grave ou hipocalemia).
Avaliação prognóstica
Existem dois escores utilizados para estabelecimento de gravidade em pacientes com pancreatite aguda: os critérios de Ranson e o escore BISAP.
Cada critério vale 1 ponto. Pontuações entre 0 e 2, apresentam uma mortalidade de 1%. Entre 3 e 4, mortalidade de 16%. Entre 5 e 6, 40% e acima de 7 pontos quase 100%.
Já o escore de BISAP soma uma pontuação, que se der entre 0 e 2 pontos indica baixa mortalidade e entre 3 a 5 pontos indica alta mortalidade.
Tratamento
O tratamento da pancreatite aguda é de suporte, enquanto o corpo se recupera. Deve ser feito monitorização dos sinais vitais e oximetria e, em caso de hipóxia, a oxigenoterapia é indicada.
Dieta
Em relação a dieta, todos os pacientes devem ter sua dieta zerada. Pode-se retornar a dieta por via oral de acordo com a aceitação do indivíduo e da melhora da dor abdominal, náuseas e vômitos.
A realimentação precoce é um bom sinal, mas não deve ser forçada se não tolerada. A dieta deve ser pobre em gorduras.
A via parental se torna uma opção para aqueles que não tolerem via oral, devendo ser feita por meio da sonda nasogástrica e nasoenteral.
Hidratação
A hidratação dos pacientes com pancreatite aguda é essencial, para melhorar microcirculação pancreática e evitar alterações circulatórias.
A solução de escolha são os cristaloides, de preferência Ringer Lactato.
A hidratação deve ser individualizada e guiada por metas, sendo a diurese um bom indicador. A diurese esperada deve ser de 0,5 a 1 ml/kg/hora.
Analgesia
A analgesia deve ser escalonada com intuito do controle do sintoma. Pode-se utilizar analgésicos simples e anti-inflamatórios, associados a opióides, se necessário.
Uso de análogos de morfina não são contraindicados, já que o aumento da pressão do esfíncter de Oddi foi refutado.
Antibióticos
A profilaxia com antibióticos não é recomendada, sendo usada apenas em casos de infecção sobreposta.
Em casos de infecção por necrose, o tratamento deve cobrir gram-negativos, a princípio, com carbapenêmicos.
Outros tratamentos
Para casos de pancreatite biliar, a colangiopancreatografia Retrógrada Endoscópica é indicada, de preferência nas primeiras 24h, se houver coledocolitíase e/ou colangite associada.
Além disso, a colecistectomia também deve ser feita, de preferência no primeiro internamento, para evitar reincidência.
Em casos de hipertrigliceridemia, recomenda-se o uso de fibratos, com a meta de reduzir o triglicerídeo sérico a menos de 500 mg/dl.
Em casos de uso abusivo de álcool, a redução desse consumo deve ser objetivada.
Conclusão
A pancreatite aguda é uma doença inflamatória potencialmente grave, além de extremamente incapacitante.
O quadro é clássico de dor abdominal em faixa em abdome superior, associada a náuseas e vômitos, associado a aumento da amilase e lipase.
Seu manejo é focado no suporte, com atenção a hidratação e analgesia. Em casos de infecção, antibióticos devem ser aliados.
Leia mais:
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FONTE:
- VELASCO, Irineu; et. al. Medicina de Emergência – Abordagem Prática. 15ª edição. 2022. Medicina USP.