O pé diabético representa a principal causa de amputações não traumáticas. É definido como a presença de infecção, ulceração/destruição dos tecidos moles, associadas a alterações neurológicas e doença arterial periférica (DAP) nos membros inferiores.
Para mais, a prevalência anual de úlceras no pé diabetico (UPD) é de 4% a 10%. E ainda, precedem 85% das amputações. Sendo seus principais fatores de risco, para além da polineuropatia periférica e da DAP, a presença de deformidades e traumas. E mais, nefropatia e retinopatia diabéticas, depressão e isolamento social.
Como se dá a fisiopatologia do pé diabético e seu quadro clínico?
A ulceração é precipitada pela polineuropatia diabética periférica (PND). Isso porque ela está presente - em diferentes graus - em 75% dos pacientes com Diabetes Mellitus (DM).
Polineuropatia diabética periférica
Essa neuropatia é definida pelo acometimento de múltiplos nervos periféricos de forma simétrica. E mais, acomete inicialmente a parte distal dos nervos, ascendendo para regiões proximais com a progressão da lesão. Observe a imagem abaixo.
Lesão de fibras grossas
A PND é caracterizada pela lesão de fibras grossas, com consequente redução da propriocepção (com tendência a quedas) e hipotrofia dos músculos dos pés. Causando um desequilíbrio entre os músculos flexores e extensores.
Devido a esse desequilíbrio, é possível encontrar os achados clínicos de “dedos em garra”, proeminência da cabeça dos metatarsos e a retificação do arco plantar.
Alterações biomecânicas na região do pé
Por isso, essa neuropatia provoca alterações biomecânicas na região do pé do paciente, aumentando a pressão plantar (PP). Devido às deformidades ósseas características, há aumento da PP principalmente nas regiões dorsais dos pododáctilos e na cabeça dos metatarsos.
Assim, o aumento da pressão local cursa com a hiperqueratose e calosidades na região plantar, consideradas lesões pré-ulcerativas.
Lesão das fibras nervosas finas e das fibras autonômicas
Para mais, nessa neuropatia há também a lesão das fibras nervosas finas. Isso ocorre devido à exposição prolongada à hiperglicemia, e cursa com a perda gradual das sensações de frio e calor. Contribuindo para a diminuição da sensibilidade periférica do paciente.
A polineuropatia diabética periférica também é caracterizada pelo acometimento de fibras autonômicas, com consequente anidrose (ressecamento da pele).
Traumas
Como visto anteriormente, o trauma é importante fator de risco precipitante das UPD. Sendo assim, o uso de calçados inapropriados, caminhar descalço e a presença de objetos dentro do sapato podem causar traumas na região plantar do paciente, podendo levar a uma ulceração.
Doença arterial periférica
A doença arterial periférica (DAC) é definida como uma doença arterial obstrutiva abaixo do ligamento inguinal. Ela cursa com a diminuição da perfusão sanguínea nas extremidades inferiores, podendo levar à isquemia dos tecidos e, consequentemente, ao surgimento de úlceras. Observe a imagem abaixo.
Essa doença está presente em 50% a 60% dos pacientes com úlceras no pé diabético. E ainda, é 5 a 10 vezes mais frequente em indivíduos com DM que na população geral.
Devido à isquemia, o paciente tende a apresentar claudicação intermitente (desconforto ao caminhar) e dor. Entretanto, como visto anteriormente, a maioria dos pacientes com DM apresentam PND e, portanto, diminuição da sensibilidade dos membros inferiores.
Assim, a sintomatologia nestes casos tem baixa sensibilidade diagnóstica. Além disso, as úlceras tendem a ser neuroisquêmicas, ou seja, apresentar características clínicas de úlceras neuropáticas e isquêmicas.
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Diagnóstico do paciente com pé diabético
Para realizar o diagnóstico, é imprescindível considerar a história do paciente e o exame clínico. Assim, os pés dele devem ser avaliados regularmente a partir do 5º ano após o diagnóstico da DM I, e imediatamente após o diagnóstico da DM II. Observe a tabela abaixo com as principais características que devem ser avaliadas nos pés do paciente.
Instrumentos para diagnóstico
Para realizar o diagnóstico é preciso avaliar a sensibilidade vibratória (diapasão 128 Hz), os reflexos aquileus e a sensibilidade à dor.
Para mais, o monofilamento de 10g é um instrumento utilizado para avaliar a sensibilidade protetora plantar, conduzida por fibras grossas.
Para avaliar a pressão plantar, utiliza-se plantígrafos com ou sem escala de força. Esse exame é feito através de plataformas ou palmilhas com sensores capazes de captar, através da pisada, uma pressão plantar anormal.
Classificação das ulcerações
Para classificar as úlceras, é fundamental determinar a causa da UPD: ou seja, se é neuropática, isquêmica ou neuroisquêmica. Após isso, é necessário realizar o desbridamento em até 24 horas para retirada do tecido infectado. A exceção disso é o caso no qual a pessoa apresenta gangrena seca.
Também é preciso realizar o diagnóstico de infecção (se presente), a fim de iniciar o tratamento antibiótico precoce. Observe a tabela abaixo
Diagnóstico da DAP
Como visto anteriormente, no paciente com DAP, o diagnóstico clínico não é confiável. Entretanto, pode-se utilizar da palpação do pulso tibial e do índice tornozelo-braço (ITB) para avaliar o paciente com suspeita dessa condição.
Diagnóstico osteomielite
A osteomielite está presente em 50% a 60% dos pacientes com úlcera no pé diabético que estão hospitalizados. Sendo menos comum naqueles em regime ambulatorial, com uma taxa de acometimento entre 10% e 20%.
Por isso, é preciso suspeitar da presença dessa doença nos seguintes casos: úlcera em proeminência óssea, falha de cicatrização e hiperemia ou edema do pododáctilo (dedo em salsicha). E ainda, se houver exposição óssea ou UPD extensa (> 2 cm²).
Assim, é fundamental realizar a prova óssea. Sendo feita através da palpação do osso através da úlcera por meio de uma sonda de aço. Caso seja possível tocar o osso com essa sonda, a probabilidade de o indivíduo apresentar osteomielite é alta.
Para mais, a realização da radiografia simples auxilia no diagnóstico. A ressonância magnética também ajuda, caso esteja disponível.
Como tratar a UPD?
Antibioticoterapia em infecções
O tratamento inicial é empírico e deve ser baseado na gravidade da infecção.
Lesões superficiais e da comunidade
Em lesões superficiais e da comunidade, o tratamento é feito com cefalosporinas de primeira geração, por 1 a 2 semanas, via oral. Isso porque os agentes infecciosos mais comuns nesses casos são o estreptococo beta-hemolítico do grupo A e o S. aureus.
Lesões moderadas a graves
Já nas lesões moderadas a graves, os antimicrobianos devem ter ação contra cocos gram-positivos, gram-negativos e anaeróbios. Sendo as cefalosporinas de terceira/quarta geração associadas a clindamicina uma opção terapêutica. A depender do quadro do paciente, o antibiótico deve ser feito via intravenosa, por 2 a 4 semanas.
Descarga de peso (offloading)
A descarga do peso nos pés é fundamental para prevenção de novas úlceras. Assim, pode-se utilizar de gessos, botas e calçados terapêuticos.
Cirurgia
O tratamento cirúrgico para evitar amputações. Atuam ressecando ossos e articulações infectadas, e estão indicados quando há presença de gangrenas, osteomielite grave e para remoção de tecidos necróticos e infectados.
Fontes:
- VILAR, Lucio. et al. Endocrinologia Clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan Ltda, 2020.
- BRASIL. Sociedade Brasileira de Diabetes. Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes: 2019-2020. São Paulo: Clannad, 2019.