A doença de Wilson é um distúrbio genético e hereditário. Por ser do tipo autossômica-recessiva, ela é mais comum quando há consanguinidade entre os pais dos indivíduos. Além disso, é muito rara, estima-se que há entre 10 e 30 milhões de casos no mundo, no entanto, deve-se ter bom conhecimento, pois tem alto potencial fatal se não for diagnosticada rapidamente e iniciado o tratamento.
O que é a Doença de Wilson?
A doença de Wilson é causada por erros genéticos que resultam em uma maior absorção de cobre no intestino delgado, com deposição dessa substância em vários tecidos corporais, mas principalmente no fígado e no sistema nervoso central. Quando o acúmulo de cobre no organismo é muito alto, há sérios sintomas hepáticos e neurológicos.
Quadro Clínico
O mais comum é que os primeiros sintomas apareçam entre a segunda e terceira década de vida, mas esse distúrbio já foi detectado em menores de 3 anos e maiores de 70 anos, logo, não é uma hipótese que deve ser descartada facilmente apenas pela idade.
A doença de Wilson apresenta a seguinte história natural da doença:
- 1 - Início da acumulação, primeiramente apenas nos sítios de ligação hepática
- 2 - Acúmulo de cobre em outras áreas do fígado e liberação na circulação sanguínea
- 3 - Acúmulo de cobre no sistema nervoso e outros tecidos
- 4 - Estabilidade dos níveis de cobre após longo período de terapia quelante
As primeiras alterações costumam ser hepáticas, e geralmente em sintomáticos, já existe uma cirrose desenvolvida. Outras apresentações mais comuns são hepatite crônica e insuficiência hepática fulminante (mais comum em pessoas do sexo feminino), no entanto, o quadro também pode ser iniciado com hepatite aguda.
Sinais de insuficiência hepática fulminante são hematêmese, ascite, icterícia e encefalopatia hepática (flapping ou asterixis, desorientação, disartria, hiperreflexia, rigidez muscular, rebaixamento de nível de consciência e coma).
Como a cirrose só gera sintomas em fases descompensadas, geralmente os sintomas mais precoces que um paciente com doença de Wilson têm, são os neuropsiquiátricos principalmente, ataxia, disartria e mudanças na personalidade (humor lábil, impulsividade, comportamento autolesivo). Para mais, podem ter também o clássico riso sardônico (espasmos nos músculos da face) em fases mais tardias.
Os sintomas mais tardios - raros se diagnosticar e tratar o paciente sintomático rapidamente - costumam ser distonia, espasticidade, rigidez muscular e crises convulsivas tônico-clônicas generalizadas.
Mas um sinal que deve receber destaque na doença de Wilson são os chamados anéis de Kayser-Fleischer, anéis verdes ou dourados em volta dos olhos, que ocorre por deposição de cobre na membrana de Descemet (entre estroma e endotélio da córnea). Ele está presente em 90% dos indivíduos com Wilson e torna-se um sinal patognomônico quando acompanhado de sintomas neuropsiquiátricos.
Outras ocorrências – menos comuns – são hemólise aguda (com coombs negativo), hematúria, urolitíase, osteoporose, osteomalácia, raquitismo, abortos espontâneos, arritmias e lúnulas azuladas (base das unhas).
Possíveis complicações é hipertensão portal e suas consequências (ascite, peritonite bacteriana espontânea, varizes esofágicas), carcinoma hepatocelular e as manifestações neuropsiquiátricas já citadas anteriormente.
Diagnóstico
A hipótese diagnóstica de doença de Wilson deve ser lembrada sempre que houver um paciente com alteração hepática inexplicada por infecções, etilismo, alto teor de gordura ou síndromes colestáticas. A princípio, confirmamos o diagnóstico quando há Anéis de Kayser-Fleischer + cobre urinário >40mcg + ceruloplasmina <20 mg/dL.
Se por acaso o indivíduo com disfunção hepática for assintomático e não tiver os anéis de Kayser-Fleischer, indica-se a biópsia hepática, em que se encontra grânulos positivos de rodamina (corante histológico que colore em locais de reserva de cobre) e/ou concentração de cobre > 250 mcg/g. Em casos de concentração de cobre normais, entre 15 e 55 mcg/g, podemos descartar a hipótese de Doença de Wilson.
Exames de imagem do abdome são pouco sensíveis e com sinais inespecíficos, porém na ressonância magnética de crânio consegue-se notar alterações singulares, como o sinal da face de panda no mesencéfalo e hiperintensidade no tálamo e núcleos da base (núcleo caudado, putâmen, globo pálido).
No eletrocardiograma pode-se verificar algumas alterações também, como hipertrofia ventricular esquerda ou biventricular, infradesnivelamento de segmento ST, inversão de onda T e arritmias.
Diagnósticos diferenciais para a doença de Wilson
- Hepatites virais;
- Hepatite autoimune;
- Hemocromatose;
- Esquizofrenia; ou
- Artrite como manifestação de doença sistêmica
Tratamento
O pilar fundamental do tratamento da doença de Wilson é o uso de terapia quelante (sequestrantes de compostos químicos, nesse caso, do cobre) permanentemente. Os principais agentes quelantes são a D-penicilamina, dicloridrato de trientina e sais de zinco.
D-penicilamina
A d-penicilamina é a opção mais acessível atualmente. O medicamento se liga ao cobre e aumenta sua excreção renal com efeitos colaterais significativos, pois no início do tratamento pode trazer a piora de sintomas neurológicos, e o paciente deve ser alertado sobre isso. O fármaco também reduz a quantidade de vitamina B6 no organismo, e o paciente necessita realizar suplementação.
Trientina
A trientina é indicada quando o paciente tiver intolerância à d-penicilamina, por possuir o mesmo mecanismo de ação e os mesmos efeitos colaterais, porém, com um menor risco de desenvolver piora dos sintomas neurológicos. Vale salientar que precisa ser administrada junto com zinco.
Sais de zinco
Os sais de zinco dificultam a absorção de cobre no organismo e deve ser indicado a pacientes gestantes ou quando houver descontinuação das duas drogas mencionadas anteriormente devido a intensos efeitos adversos.
Mesmo com a terapia quelante, os níveis de cobre no sistema nervoso central persistem por um longo tempo no organismo e por isso sinais clínicos no início da terapia não são bons indicadores de feedback do tratamento. Para avaliar se há boa resposta ao quelante, deve-se fazer a dosagem de cobre urinário.
Em casos de encefalopatia hepática, administrar lactulose. Se houver crises convulsivas, oferecer anticonvulsivantes, e em casos de sintomas de parkinsonismo e distonia, prescrever levodopa, anticolinérgicos, antagonistas de GABA ou baclofen.
Se houver sangramento de varizes esofágicas recorrente ou de difícil controle, pode-se optar por cirurgia descompressiva ou TIPS - anastomose não cirúrgica, através de cateterismo na veia jugular direita, com realização de shunt portossistêmico intra-hepático.
É preciso considerar o transplante hepático para pacientes com escore ≥7 no índice prognóstico de hepatite fulminante de Wilson.
Conclusão
A doença de Wilson é um distúrbio genético que gera um acúmulo de cobre no fígado e sistema nervoso, levando a cirrose e sintomas neuropsiquiátricos e é potencialmente fatal se não diagnosticada e tratada no período sintomático. Os sintomas surgem principalmente entre a 2ª e 3ª década de vida e um dos sinais mais comuns são os chamados anéis de Kayser-Fleischer nos olhos.
O diagnóstico não precisa de biópsia, geralmente, necessitando apenas da presença dos anéis, ceruloplasmina (transportador de cobre baixa) e cobre urinário alto. Após isso, é necessário iniciar a terapia quelante (com d-penicilamina, trientina ou sais de zinco), que deve ser permanente.
Leia mais:
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FONTES:
- Wilson Disease Medscape
- TIPS - transjugular intrahepatic portosystemic shunt. A review
- Doença de Wilson: Diagnóstico clínico e sinais das “faces de panda” à ressonância magnética. Relato de Caso.
- Doença de Wilson – Sociedade Brasileira de Hepatologia Programa de Educação Médica Continuada