Anemias são definidas como baixa concentração sérica de hemoglobina, proteína carreadora de oxigênio, gerando assim, diferentes graus de sintomas, a depender do seu tipo. A anemia falciforme é um deles, sendo a forma mais grave existente.
É uma doença hereditária crônica, muito mais prevalente em populações negras e nos países do Cinturão da Malária (África Equatorial e Sul Asiático, principalmente).
Há diversas complicações significantes para o indivíduo, fazendo com que a expectativa de vida dos falcêmicos seja baixíssima: 42 anos para homens e 48 para mulheres.
No entanto, percebemos grande avanço, uma vez que antes da década de 1970, não sobreviviam mais que 20 anos.
O conhecimento acerca da fisiopatologia da anemia falciforme foi fundamental para que houvesse um grande aprimoramento no manejo desta doença e consequentemente redução de sua morbimortalidade.
Visto isso, é muito importante o estudo acerca dos principais sintomas, diagnóstico e tratamento das comorbidades relacionadas a este tipo de anemia.
O que é Anemia Falciforme?
É um tipo de anemia hemolítica (meia vida curta), hiperproliferativa (reticulócitos altos) e com hemoglobinopatia, o que significa que há alteração na forma da hemoglobina, ou seja, em vez da HbA, há predominância da HbS (S de Sickle, foice em inglês) no interior das hemácias.
A partir disso, diversas modificações no organismo surgem, como inflamação sistêmica crônica, vaso-oclusão capilar, lesões orgânicas (principalmente baço e ossos) e obstrução macrovascular, levando a quadros clínicos severos.
Qual a Causa de Anemia Falciforme?
A anemia falciforme possui origem genética autossômica recessiva. Para que o indivíduo manifeste a doença é necessária a presença de dois alelos que expressem a HbS, ou seja, de genótipo HbSS.
Indivíduos com outros genótipos não exibem a doença falciforme, mas se possuir apenas um alelo S (Ex: HbAS, HbSC, HbSB...), será classificado com variante falciforme, podendo ter manifestações sutis da doença, com prognóstico muito melhor.
Importante saber que até os 3 meses de idade os bebês não apresentam nenhum sinal de anemia falciforme, pois ainda há predominância de hemoglobina fetal, grande fator protetor, dominante em relação à hemoglobina S.
Hoje sabe-se que a HbS surgiu a partir de uma “seleção natural” contra a malária, pois, quando em heterozigose (HbAS), possui vantagem contra o Plasmodium, fazendo com que seja fagocitado e eliminado do corpo espontaneamente.
Mas quando em homozigose (HbSS), o indivíduo passa a ter menos eficiência contra a malária, sendo esta a doença que mais mata os falcêmicos.
Fisiopatologia
A HbS possui menor solubilidade sanguínea em estados de menor oxigenação, acidose ou desidratação, fazendo com que haja polimerização de sua molécula.
Infecções ou até tensão emocional e exercícios físicos levam a esse estado e às crises sintomáticas.
Essa polimerização faz com que as hemácias mudem de formato, assim parecendo foices, tornando-as menos flexíveis (característica importante para passagem por vasos menores, como os capilares) e incapazes de carrear oxigênio para os tecidos.
Essa alteração é reversível com a reoxigenação, no entanto, após uma mesma hemácia sofrer repetidas falcizações, seu formato torna-se irreversível.
Além disso, descobriu-se que mesmo sem a condição de polimerização e falcização, a hemácia com HbS está em constante estado de oxidação e desnaturação, fazendo com que haja lise celular mais facilmente.
O conteúdo da hemácia então é extravasado, o que gera disfunção endotelial e inflamação sistêmica crônica. Os fatores teciduais liberados aumentam a viscosidade sanguínea, tendo assim, hipercoagulabilidade.
Todos esses fatores contribuem para um estado de isquemia tecidual no indivíduo, o que acarreta para todos sinais e sintomas principais da anemia falciforme.
Principais Sintomas da Anemia Falciforme
Os fenômenos de vaso-oclusão capilar, hipercoagulabilidade e vasculopatia são responsáveis pela maioria dos sintomas da anemia falciforme e afetam principalmente órgãos como o baço, ossos, olhos e rins.
A maioria dos pacientes tornam-se asplênicos (perdem função do baço por infarto) ainda na primeira década de vida, o que resulta em maior suscetibilidade a infecções, principalmente de microorganismos encapsulados.
As manifestações mais frequentes de longe são as crises dolorosas nos ossos e articulações.
Nas crianças de 6 meses a 2 anos é muito comum o quadro de dactilite ou síndrome mão-pé, com dor e inchaço nas extremidades.
A síndrome torácica aguda (STA) é uma causa importante de óbito no paciente com anemia falciforme.
É provocada por pneumonia, embolia pulmonar ou isquemia de costela/esterno. Caracteriza-se por opacidade pulmonar em Raio X e possui sintomas como dispneia, tosse, dor torácica, prostração e febre.
Além disso, a vasculopatia ocasiona obstrução macrovascular, podendo levar a Acidente Vascular Cerebral (AVC).
Outras crises agudas de falcização são as aplásticas, hemolíticas e de sequestro esplênico, desencadeadas na maioria das vezes por infecções (parvovírus, pneumococo, mycoplasma pneumoniae).
Em adolescentes é muito comum o aparecimento de úlceras em membros inferiores e priapismo (ereção prolongada e dolorosa do pênis, geralmente sem excitação sexual).
A anemia também possui manifestações crônicas, como retinopatia proliferativa, Doença Renal Crônica, Insuficiência Cardíaca, hipertensão pulmonar, osteomielite, colelitíase e necrose de cabeça de fêmur.
Por fim, outra condição muito comum é a desidratação, que surge por uma dificuldade na reabsorção de água nos rins, então encontramos uma urina muito diluída.
Como é feito o diagnóstico de Anemia Falciforme?
Há rastreio da anemia falciforme ainda no bebê recém-nascido, através do teste do pezinho, então pode-se descobrir a doença mesmo antes de seus primeiros sinais e sintomas.
Os exames laboratoriais trazem dados significativos para o diagnóstico, mas este só é confirmado com o resultado da Eletroforese de hemoglobina, onde avalia-se o tipo de hemoglobina. No adulto é mais comum a presença da hemoglobina A1 (2 cadeias de alfa-globina e 2 de beta-globina), seguida da Hb A2 (alfa-globinas e delta-globinas) e Hb fetal (alfa-globinas e gama-globinas).
No hemograma visualiza-se anemia normocítica e normocrômica em indivíduos HbSS (pode ser diferente em outras variantes falcêmicas), junto com reticulose, leucocitose (devido à inflamação crônica) e plaquetose.
Pela grande quantidade de hemólise, a desidrogenase lática (DHL) se encontra elevada, assim como bilirrubina indireta, podendo o indivíduo apresentar icterícia.
No esfregaço de sangue periférico encontramos hemácias em foice nos indivíduos HbSS, hemácias em alvo nos casos de HbSC e hemácias microcíticas na S-betatalassemia.
Os marcadores inflamatórios geralmente são aumentados, como a proteína C reativa, no entanto, a velocidade de hemossedimentação (VHS) é reduzida, pois as hemácias com HbS são incapazes de produzir rouleaux (“pilhas de moedas”) para sedimentação.
Como é o Tratamento de Anemia Falciforme?
Tratamento geral
- Suplementação de 5mg/dia de ácido fólico (pela hiperproliferação de hemácias)
- Profilaxia de infecções: através da vacinação e antibioticoterapia
- Penicilina V ou Benzatina a partir do 2º mês de vida até os 5 anos
- Se o paciente tiver histórico de sepse pneumocócica ou esplenectomia, deve manter o antibiótico ininterruptamente.
- Uso de Hidroxiureia: por razões desconhecidas, estimula produção de HbF. Indicado para pacientes com ≥ 2 crises álgicas por ano, STA e reticulocitose >250.000.
Tratamento Específico
Para Síndrome Torácica Aguda recomenda-se oxigenação, antibioticoterapia, transfusão sanguínea e hidroxiureia.
Em crises álgicas, deve ser realizada hidratação, uso de opióides fortes e profilaxia antitrombótica.
Outras indicações para transfusão são AVC, priapismo, neurocirurgias, insuficiência de múltiplos órgãos, crises aplásticas, sequestro esplênico e septicemia. O objetivo da transfusão é manter a concentração de HbS menor que 30%.
O.B.S.: toda febre deve ser tratada, pois em crianças com anemia falciforme indica processo bacteriano. Utilizar ceftriaxona e realizar exames (hemograma, hemocultura, RX de tórax).
Vale lembrar também que o único tratamento curativo para a doença é o transplante de medula óssea, porém, infelizmente, esse procedimento está relacionado à alta morbimortalidade para o paciente.
Conclusão
A anemia falciforme é uma doença hereditária muito grave que deve ter monitorização rigorosa, com atenção especial para possíveis infecções que desencadeiam quadros severos e de grande mortalidade.
Se há indivíduos na família com o problema, recomenda-se aconselhamento genético antes de procriação, pois ajuda as pessoas a entenderem como a hereditariedade pode colaborar para a ocorrência ou risco de doenças como essa.
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FONTES:
- Tratado Brasileiro de Pediatria – SBP 2017
- Fundamentos em Hematologia de Hoffbrand 2018
- Tratado de Hematologia Zago 2013