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Publicado em
22/11/21

Trauma torácico: manejo das principais lesões na avaliação primária

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Trauma torácico: manejo das principais lesões na avaliação primária

O trauma é uma das principais causas de morte e incapacidade física em todo o mundo. A Organização Mundial de Saúde (OMS) afirma que os acidentes de trânsito são responsáveis pela morte de mais de 1,25 milhões de indivíduos entre 15 e 29 anos anualmente.

Por isso, é imprescindível dominar o manejo das principais lesões torácicas que põem em risco imediato a vida do paciente. Então não perca mais um post esta semana para contribuir com sua formação!

Avaliação inicial do tórax

O atendimento inicial do paciente inicia-se pela avaliação primária. Neste momento, avalia-se a possibilidade de lesões imediatamente ameaçadoras à vida do paciente, através da padronização do mnemônico ABCDE.

No B (breathing), o médico procura por sinais que podem estar comprometendo a ventilação do indivíduo. Exemplo deles são a turgência da jugular e o desvio da traqueia. Esse último podendo ocorrer na presença do pneumotórax hipertensivo, por exemplo.

Paciente com ingurgitamento da jugular. Fonte: Questões em Cardiologia (https://www.questoesemcardiologia.com/post/2016/12/23/idoso-com-hipotens%C3%A3o-e-dispn%C3%A9ia-qual-o-diagn%C3%B3stico)
Paciente com ingurgitamento da jugular. Fonte: Questões em Cardiologia

Além disso, com o tórax exposto, observa-se possível diminuição da expansibilidade torácica. E mais, sua amplitude e simetria. E ainda, na ausculta, procura-se pela presença de murmúrios vesiculares e ruídos adventícios

Portanto, nesse momento do atendimento, procuramos pelas possíveis lesões ameaçadoras da vida. São elas o pneumotórax hipertensivo, pneumotórax aberto, o hemotórax maciço e o tamponamento cardíaco, que serão abordadas nesse post.

O que é o pneumotórax hipertensivo?

O pneumotórax hipertensivo ocorre com a passagem do ar do pulmão para o espaço virtual existente entre a pleura parietal e visceral

Entretanto, esse ar não consegue sair do espaço pleural para fora da cavidade torácica. Por isso, há um aumento expansivo de ar, que pode provocar um colapso do parênquima pulmonar. Observe a imagem abaixo.

Representação do pneumotórax hipertensivo. Fonte:  ATLS – Advanced Trauma Life Support for Doctors. 10. ed, 2018.
Representação do pneumotórax hipertensivo. Fonte:  ATLSAdvanced Trauma Life Support for Doctors. 10. ed, 2018

Além disso, o pneumotórax hipertensivo pode cursar com um deslocamento do mediastino para o lado oposto e uma diminuição do retorno venoso. Dessa forma, há diminuição do débito cardíaco, que pode provocar um choque obstrutivo no paciente.

Como o pneumotórax hipertensivo pode ser causado?

A causa mais comum do pneumotórax hipertensivo é a ventilação mecânica com pressão positiva em pacientes com lesão na pleura visceral. Isso porque essa lesão facilita a entrada do ar para o espaço virtual.

Para mais, outras possíveis causas são: 

  • A inserção incorreta do acesso venoso central;
  • Traumas contusos ou perfurantes; e
  • Colocação inadequada de um curativo oclusivo na lesão torácica.

Quais são os  sinais e sintomas do paciente com pneumotórax hipertensivo?

Os principais  achados no exame físico são a taquipnéia, a dor torácica e a sensação de “fome de ar”. Bem como dispneia e a taquicardia. E mais, outros sinais que também podem estar presentes são o desvio da traqueia para o lado da lesão (como visto anteriormente) e a hipotensão.

E mais, ausência unilateral do murmúrio vesicular, elevação do hemitórax com prejuízo na expansibilidade e a percussão hipersonora.

Como diagnosticar o paciente com pneumotórax hipertensivo?

O diagnóstico desse tipo de pneumotórax é clínico, e não deve ser adiado com a espera de exames. Entretanto, caso seja necessário, os exames mais utilizados são a ultrassonografia FAST e o raio-X.

Raio-X de pneumotórax hipertensivo. Fonte: ResearchGate
Raio-X de pneumotórax hipertensivo. Fonte: ResearchGate

Tratamento do pneumotórax hipertensivo

O tratamento inicial é feito com a toracocentese de alívio. Sendo realizada no quinto espaço intercostal, na linha axilar média.

O objetivo desse procedimento é transformar abrir uma via para a passagem do ar da caixa torácica. Dessa forma, transforma-se o pneumotórax hipertensivo em um pneumotórax aberto. Assim, após a descompressão, é obrigatória a realização da drenagem torácica em selo d’água.

O que é o pneumotórax aberto?

O pneumotórax aberto é provocado por ferimentos que atravessam a parede torácica e permanecem abertos, o que provoca um equilíbrio entre as pressões intratorácicas e atmosféricas

A consequência disso é que, se a lesão na parede torácica for ao menos 2/3 do diâmetro da traquéia, o ar tenderá a passar pela parede torácica, e não pela traquéia. Isso prejudica a ventilação mecânica, consideravelmente, provocando a hipercapnia e a hipóxia. Observe a imagem abaixo.

Representação do pneumotórax aberto. Fonte: ATLS – Advanced Trauma Life Support for Doctors. 10. ed, 2018.
Representação do pneumotórax aberto. Fonte: ATLSAdvanced Trauma Life Support for Doctors. 10. ed, 2018

Além disso, o pneumotórax hipertensivo pode cursar com um deslocamento do mediastino para o lado oposto e uma diminuição do retorno venoso. Dessa forma, há diminuição do débito cardíaco, que pode provocar um choque obstrutivo no paciente.

Diagnóstico do pneumotórax aberto

Assim como o pneumotórax hipertensivo, o diagnóstico do pneumotórax aberto é clínico. Os sinais e sintomas característicos são a dificuldade respiratória, taquipnéia e a diminuição dos murmúrios vesiculares. Bem como o movimento ruidoso do ar através da parede torácica.

Como tratar o paciente com pneumotórax aberto?

O tratamento consiste no fechamento do ferimento com curativo estéril. Entretanto, esse ferimento deve ser coberto em apenas 3 lados, a fim de produzir um efeito de válvula unidirecional do ar. Observe o vídeo abaixo.

Dessa forma, na inspiração, o curativo impede a entrada do ar para a pleura e, na expiração, o ar acumulado entre as pleuras tende a escapar. Além disso, assim que possível, deve ser inserido o dreno torácico longe do ferimento.

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O que é o hemotórax maciço?

O hemotórax maciço consiste no acúmulo de 1.500mL de sangue no hemitórax. Ou ainda, 1/3 ou mais do volume sanguíneo do paciente. Ele é frequentemente causado por traumas penetrantes que atingem vasos sistêmicos ou da região hilar. Entretanto, também ocorre por traumas contusos.

Quadro clínico e diagnóstico do hemotórax maciço

O diagnóstico é clínico, e deve ser feito quando houver presença de choque com ausência de murmúrio vesicular e/ou macicez à percussão em um dos hemitórax. Para mais, as veias do pescoço tendem a estar colapsadas devido a diminuição do volume circulante.

Raio-X de hemotórax maciço. Fonte: MSD Manuals
Raio-X de hemotórax maciço. Fonte: MSD Manuals

Como tratar o hemotórax maciço?

O tratamento consiste na reposição volêmica com cristaloides e na descompressão da caixa torácica. Ambas devem ser feitas simultaneamente. A transfusão sanguínea também é um opção para tratar o paciente que se encontra nessas condições. 

O sangue retirado da caixa torácica deve ser coletado em um dispositivo que permita a autotransfusão. E ainda, a inserção do dreno deve ser feita na linha axilar média, ao nível médio do mamilo

Caso o volume drenado seja igual ou superior a 1500mL, é provável que o paciente precise de uma toracotomia de urgência. Além disso, outras possíveis indicações de toracotomia são a necessidade persistente de transfusões e os ferimentos penetrantes na parede anterior do tórax.

O que é o tamponamento cardíaco?

É acúmulo de líquido no saco pericárdico. Por prejudicar a contração cardíaca, provoca uma diminuição do fluxo sanguíneo no coração e, consequentemente, uma diminuição no débito cardíaco.

As principais causas do tamponamento cardíaco são as lesões penetrantes. Entretanto, lesões contusas provocam rompimento de grandes vasos ou vasos epicárdicos, que também podem provocar o tamponamento cardíaco.

Quais os sinais e sintomas para diagnosticar o tamponamento cardíaco?

O diagnóstico é clínico, e pode ser feito com a observação da tríade de Beck. Sendo ela caracterizada pela hipofonese das bulhas (devido ao líquido que abafa as bulhas cardíacas), a hipotensão e o ingurgitamento da jugular (pela diminuição do débito cardíaco).

Outro sinal que pode estar presente é o sinal de Kussmaul, que é o ingurgitamento da jugular durante a inspiração, causado devido ao aumento da pressão venosa com a expansão da caixa torácica. Observe o vídeo abaixo.

O pneumotórax hipertensivo, principalmente no hemitórax esquerdo, pode mimetizar o tamponamento cardíaco. O que diferencia ambos os quadros é a presença de sons respiratórios bilaterais à ausculta, que fala mais a favor do tamponamento cardíaco. Já o hipertimpanismo à percussão, é mais direcionado ao pneumotórax hipertensivo.

Caso seja necessário, o USG FAST e a ecocardiografia podem ser utilizados para diagnóstico do tamponamento.

Sinal da moringa, achado do tamponamento cardíaco. Fonte: MSD Manuals
Sinal da moringa, achado do tamponamento cardíaco. Fonte: MSD Manuals

Como tratar o tamponamento cardíaco?

Por fim, o tratamento consiste na toracotomia de emergência ou esternotomia por um cirurgião qualificado. Enquanto isso, administra-se soro para a melhora do débito cardíaco

Caso a cirurgia não seja possível, é necessário realizar a pericardiocentese. Entretanto, esse exame deve ser realizado como último recurso. Preferencialmente, com auxílio do USG, para verificar o trajeto da agulha em direção ao saco pericárdico.

Fontes:

  • ATLSAdvanced Trauma Life Support for Doctors. 10. ed. Chicago: Committee on Trauma, 2018.
  • VELASCO, I. T. Medicina de Emergência: Abordagem Prática. 14ª edição. Barueri: Manoele, 2020.