A Lesão Renal Aguda é um achado clínico e laboratorial de origem urológica, mas que pode se manifestar como consequência de diversas patologias. É considerada como uma situação de extrema urgência, visto que o manejo precoce será um fator determinante para poupar os néfrons envolvidos. Vamos revisar sua classificação, critérios diagnósticos e manejo?
Lesão renal aguda: entenda a doença e destaque-se na residência médica
A Lesão Renal Aguda (LRA) é definida como a redução abrupta - em horas ou dias - da taxa de filtração glomerular (TFG). A consequência disso é a perda da capacidade do rim de excretar escórias nitrogenadas e manter a homeostase hidroeletrolítica do corpo. Entretanto, apesar de grave, a LRA frequentemente é reversível. Para isso, deve ser identificada e tratada com rapidez, devido a elevada mortalidade associada a essa condição (30% a 50%).
A definição foi padronizada por diferentes critérios, sendo o mais utilizado o KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes). De acordo com o KDIGO, a LRA é diagnosticada quando ocorre uma das seguintes condições: aumento da creatinina sérica de 0,3 mg/dL ou mais dentro de 48 horas, aumento da creatinina sérica para 1,5 vezes ou mais do valor basal nos últimos sete dias ou diminuição da produção de urina para menos de 0,5 mL/kg/h por pelo menos seis horas.
Lesão renal aguda: principais causas e fatores de risco que você precisa conhecer
A depender do nível de acometimento das vias urinárias, a LRA pode ser classificada em pré-renal, renal ou pós-renal. Essa distinção diferencia a etiologia, fisiopatologia e tratamento do quadro.
Lesão renal aguda pré-renal
No paciente com essa condição, há diminuição da perfusão renal pela redução do volume circulante. Exemplo disso são os casos de desidratação, sangramentos extensos e insuficiência cardíaca (IC). Assim, há diminuição da excreção de sódio e água, e aumento da osmolaridade da urina. Além disso, frequentemente é reversível se for tratada a tempo.
Lesão renal aguda renal
Nesse caso, o paciente tem uma lesão intrínseca ao rim. Sendo essa classificada de acordo com a estrutura acometida: glomérulos, túbulos, interstício ou vasos. Assim, os túbulos renais são a estrutura mais comumente lesada na LRA renal. Tendo como principal causa dessas lesões os insultos isquêmicos e, em seguida, os insultos tóxicos. Considera-se como insulto algo que está agredindo um órgão.
Dessa forma, os principais agentes nefrotóxicos são os antibióticos aminoglicosídeos, os contrastes radiológicos e quimioterápicos e pigmentos, como a mioglobina. Ademais, outras possíveis etiologias de LRA renal são a leptospirose, glomerulonefrites e o lúpus eritematoso sistêmico.
Lesão renal aguda pós-renal
Ocorre devido a obstruções das vias urinárias. Assim, tem como principais causas a hiperplasia prostática benigna, neoplasias de bexiga e próstata e a bexiga neurogênica, assim como os cálculos renais, que devem ser bilaterais ou unilaterais caso seja um paciente com rim único. A elevação da pressão que o líquido exerce sobre as vias urinárias de forma ascendente, nos casos de obstrução, promove ação vasodilatadora. Por isso, ocorrem as lesões parenquimatosas.

Fisiopatologia: como a função renal é comprometida?
A filtração glomerular é impulsionada pela pressão do glomérulo e depende do fluxo sanguíneo renal, que é controlado pelas arteríolas renais. Os mecanismos da insuficiência renal aguda também seguem a lógica de corresponderem ao seu local de acometimento: pré-renal, intrínseco e pós-renal.
Na falência pré-renal, a TFG diminui devido à redução da perfusão renal, mas as funções tubulares permanecem normais, porém com cilindros obstrutivos. Na falência intrínseca, há lesões diretas nos rins, principalmente no glomérulo e nos túbulos, frequentemente causadas por isquemia, como perda da borda em escova e descolamento celular. Por fim, a obstrução do trato urinário pós-renal aumenta a pressão tubular e reduz a TFG.
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O quadro clínico da lesão renal aguda pode ser dividido em quatro fases: inicial, oligúrica, poliúrica e de recuperação funcional. Além disso, é imprescindível reconhecer as complicações clínicas que podem decorrer da LRA, a fim de diagnosticá-las e tratá-las precocemente.
Fase inicial
Ocorre a partir do momento da exposição ao mecanismo danoso, sendo esse tóxico ou isquêmico. Apresenta duração variável a depender do tempo de exposição ao agente agressor. Nesta fase, o rim começa a perder sua capacidade de excretar as escórias nitrogenadas, as quais se acumularão na circulação sistêmica.
Fase oligúrica
Assim como na fase inicial, a fase oligúrica também apresenta grau e duração variáveis, e é definida como o débito urinário sendo inferior a 500 mL/dia. Entretanto, por vezes, o paciente pode apresentar lesão renal aguda não oligúrica. Isso ocorre quando há grande redução da reabsorção tubular de sódio e água, juntamente com a filtração glomerular prejudicada. Devido a isso, o débito urinário mantém-se superior a 500 mL/dia.
Fase poliúrica/diurética
Nessa fase, há elevação rápida do volume urinário. Isso ocorre devido a incapacidade dos túbulos de reabsorver sódio e água. Portanto, não tem relação com o grau de hidratação do paciente. Entretanto, é importante compreender que, apesar do aumento da diurese, o rim do paciente não realiza a correta excreção da ureia e creatinina.
Fase de recuperação funcional
A fase de recuperação funcional ocorre depois da restauração do fluxo sanguíneo renal, quando os néfrons não lesados começam a aumentar a filtração e a sofrer hipertrofia. A recuperação é mais rápida quando o fluxo é normalizado precocemente. No entanto, se o número de néfrons for muito baixo, pode ter progressão para insuficiência renal crônica.
Lesão renal aguda: biomarcadores e exames laboratoriais para um diagnóstico rápido
Para realizar o estadiamento do paciente com LRA, utiliza-se a relação da creatinina sérica com a diurese. Observe a tabela abaixo, esse é o principal método de classificação da lesão renal aguda, chamado de Critérios de KDIGO:
Além disso, é importante realizar a coleta do sódio, creatinina e ureia para diagnóstico da etiologia da lesão renal aguda, bem como a osmolaridade da urina e do sangue, de forma simultânea. Isso porque, na LRA pré-renal, há retenção de água e sódio e osmolaridade urinária elevada. Enquanto na LRA renal, o sódio urinário encontra-se elevado e a osmolaridade urinária é isosmótica ao plasma, devido a lesão tubular.
Ainda, a fração de excreção da ureia (ureia plasmática/ureia urinária) e a fração urinária de creatinina (creatinina plasmática/creatinina urinária) encontram-se elevadas na LRA pré-renal. Isso ocorre devido à maior reabsorção tubular de sódio e água, com consequente aumento da concentração de creatinina e ureia. Já na LRA renal, ambas a FEU e a FECr encontram-se diminuídas, devido ao dano tubular. Observe a tabela abaixo.
Ultrassonografia de rins e vias urinárias
A USG de rins e vias urinárias permite avaliar possível atrofia renal, bem como diferenças na ecogenicidade entre o córtex e a medula renal. Esses achados sugerem uma lesão renal prévia e, portanto, ajudam a realizar o diagnóstico diferencial com a lesão renal aguda. Para mais, a USG facilita a visualização de possíveis obstruções nas vias urinárias, marcando o componente pós-renal.
Biópsia
A biópsia renal precoce (nos primeiros 5 dias) é indicada em caso de suspeita de glomerulonefrite rapidamente progressiva (GNRP), nefrite intersticial aguda e necrose cortical bilateral. Bem como na ausência de diagnóstico clínico provável.
A suspeita de GNRP surge diante de uma queda rápida e grave da função renal, com aumento de creatinina sérica em dias ou semanas, hematúria, cilindros hemáticos e proteinúria significativa. Pode estar associada a edema, hipertensão e sinais de vasculite ou doenças autoimunes por um ANCA positivo ou anticorpos anti-membrana basal glomerular.
Domine o tratamento da lesão renal aguda e saia na frente na residência médica!
É fundamental o reconhecimento rápido de pacientes com risco potencial de desenvolver uma LRA, visto que seu rápido manejo pode evitar a evolução da doença. Entretanto, uma vez que ele já apresenta a condição, os objetivos do tratamento devem ser a redução da lesão e das possíveis complicações relacionadas ao quadro.
Lesão Pré-renal
O tratamento da lesão renal aguda pré-renal visa restaurar a perfusão renal adequada. A primeira medida é a reposição volêmica com cristaloides caso a causa seja desidratação ou hipovolemia. Em situações de hipotensão refratária a volume, é fundamental o uso de vasopressores, como noradrenalina.
Após os passos iniciais, a prioridade é tratar a causa subjacente do comprometimento circulatório, como a sepse ou a insuficiência cardíaca. Por fim, é importante ajustar ou suspender medicamentos com nefrotoxicidade, como anti-inflamatórios não esteroides ou inibidores da ECA, que podem agravar a perfusão renal.
Lesão Renal
O tratamento da lesão renal aguda intrínseca foca na retirada de agentes nefrotóxicos, correção de distúrbios hidroeletrolíticos e ácido-base, monitoramento dos níveis de potássio, sódio e ácido lático, além de manutenção da diurese adequada. Se necessário, pode-se recorrer à diálise para controlar a sobrecarga de líquidos e desequilíbrios metabólicos graves.
O manejo de doenças subjacentes, como glomerulonefrite ou vasculite, é o que mudará o prognóstico do paciente, podendo envolver o uso de corticosteroides, imunossupressores ou plasmaférese.
Lesão Pós-renal
O tratamento da lesão renal aguda pós-renal tem a intenção de aliviar a obstrução do trato urinário para restaurar a drenagem urinária e prevenir danos renais como consequência. A remoção da obstrução por cálculos, causa comum da LRA pós-renal, pode ser feita por cateterização vesical, colocação de um cateter duplo-J ou, em casos mais graves, por cirurgia. Após desobstrução, deve-se monitorar a função renal e, se necessário, realizar diálise temporária.
Outros tratamentos, como o da hiperplasia prostática benigna ou de um tumor compressivo obstruindo os ureteres, devem ser individualizados, frequentemente envolvendo cirurgias ou procedimentos menos invasivos.
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FONTES:
- UpToDate (2025). Overview of the management of acute kidney injury (AKI) in adults.
- Goyal A, Daneshpajouhnejad P, Hashmi MF, et al. Acute Kidney Injury - StatPearls - NCBI Bookshelf