A Esclerodermia é uma doença com potencial de causar prejuízo nos mais diversos órgãos, predominando em mulheres entre 30 e 40 anos de idade. São inegáveis os impactos na qualidade de vida do paciente afetado e, dessa forma, a rapidez na identificação dessa condição de quadro clínico tão amplo e diverso é imprescindível.
O que é Esclerodermia?
A Esclerodermia, também chamada de Escleroderma Sistêmico, é uma condição crônica do tecido conjuntivo que ainda não possui causa determinada e é capaz de afetar a pele, os tecidos subcutâneos e órgãos internos. Os mais frequentes deles são os pulmões, o coração, o sistema gastrointestinal e os rins.
Qual é a Causa?
Infelizmente, a etiologia exata da esclerodermia é desconhecida. Apesar disso, supõe-se atualmente que ela se trata de uma condição com patogênese influenciada por fatores genéticos, ambientais e infecciosos.
Os marcos da patogênese do Escleroderma Sistêmico são os 3 listados seguir:
- Fibrose: acontece principalmente em pulmões, coração, trato gastrointestinal e glândulas exócrinas.
- Inflamação: ocorre no sistema musculoesquelético e nas complicações cardíacas.
- Vasculopatia: se manifesta em complicações do Escleroderma Renal, Hipertensão Arterial Pulmonar, ulceração digital e doenças macrovasculares.
Para a ocorrência dos achados citados anteriormente, existem 3 mecanismos fisiopatológicos que ocorrem simultaneamente:
- Superprodução de componentes da matriz extracelular: isso acontecerá por regulação anormal da gênese de fibroblasto estimulada por citocinas inflamatórias. Além disso, proteínas são depositadas no tecido conjuntivo de maneira desordenada, causando o cerne da doença em questão - a fibrose.
- Disfunção microvascular: o dano inflamatório às células endoteliais dos vasos acarreta a obliteração de capilares e arteríolas.
- Disfunção na imunidade humoral e celular: alteração das Células-B (produtoras de autoanticorpos) e das Células-T (infiltração celular e desregulação na produção de citocinas e fator de crescimento).
Como classificar a Esclerodermia?
A Esclerodermia é classificada em 5 tipos que veremos a seguir:
Esclerose Sistêmica Cutânea Limitada (lcSSc)
Nessa condição, a fibrose cutânea irá acontecer nas extremidades dos membros, como nas mãos, antebraços, pés e pernas, ocasionalmente se estendendo para a face e para o pescoço. Essa esclerose dérmica é frequentemente acompanhada de edema, sensibilidade e Fenômeno de Raynaud. Quando atinge as mãos e pés, pode gerar a Esclerodactilia, que se trata da fibrose cutânea das articulações metacarpofalangeanas e metatarsofalangeanas.
Esse tipo de Esclerose possui uma variante chamada de Síndrome de CREST. Ela é caracterizada pela calcinosis cutis (calcificação da pele), Fenômeno de Raynaud, dismotilidade esofágica, esclerodactilia e telangiectasias.
Outras manifestações ocorrem de maneira mais sistêmica, como a Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP) e Doença do Refluxo Gastroesofágico (DRGE) severo. Normalmente a Esclerodermia lcSSc tem um melhor prognóstico do que o tipo difuso que mencionaremos a seguir, porém algumas variantes possuem uma pior evolução. Essas variantes são associadas à Hipertensão Pulmonar Isolada, fibrose pulmonar e nefropatias.
Esclerose Sistêmica Cutânea Difusa (DCSSC)
Nesse tipo de doença, a porções da pele acometidas pela fibrose serão tanto as distais já citadas como as proximais, com o exemplo da parte superior do braço, coxas e tronco. Nas manifestações sistêmicas, teremos a Doença Pulmonar Intersticial, doença esclerodérmica renal e fricção tendinosa. Tende a uma progressão rápida e com forte afecção renal (principalmente nos primeiros 3 anos).
Esclerose Sistêmica Sem Esclerodermia
Formada por acometimento em órgãos internos sem o espessamento fibrótico da pele. Os pacientes que possuem esse tipo de Esclerodermia são frequentemente diagnosticados por condições de órgãos específicos, como a Fibrose Pulmonar Idiopática, Hipertensão Pulmonar e doenças de dismotilidade primárias do intestino.
Esclerose Sistêmica com Overlap de Doenças do Tecido Conjuntivo
Determinamos essa condição quando a Esclerose Sistêmica vem acompanhada de doenças como a Artrite Reumatóide ou o Lúpus Eritematoso Sistêmico (que ocorre em até 20% dos pacientes com Esclerose Sistêmica). É um paciente cujo diagnóstico e manejo devem ser cuidadosos e contemplarem as duas condições simultaneamente.
Esclerodermia Não Diferenciada
Ocorre quando o paciente apresenta diversas alterações clínicas e sorológicas que se assemelham à Esclerodermia, porém não se encaixam nos critérios diagnósticos da American College of Rheumatology.
Diagnóstico da Esclerodermia
O diagnóstico do paciente com Esclerodermia é feito principalmente com os achados clínicos, tanto pela anamnese quanto pelo exame físico. O paciente com esse quadro irá iniciar sua consulta com a queixa principal de alterações na pele, frequentemente na associação de Fenômeno de Raynaud com ulceração e espessamento da pele. Essa última pode acontecer junto à parestesia, anestesia, descoloração e desconforto do mesmo local.
Além das queixas cutâneas, outras possíveis queixas são: desconforto musculoesquelético (mialgia, artralgia e edema), sintomas gastrointestinais (diarreia, constipação, disfagia, DRGE, êmeses, tosse e halitose secundárias ao refluxo, pirose e perda ponderal), sintomas cardiorrespiratórios (dispneia aos esforços, angina e palpitação) e outros achados menos específicos, como síncope, prurido e problemas associados ao sono.
Durante o exame físico, deve-se atentar para todos os sistemas que costumam ser acometidos pela Esclerodermia. Iniciando pela análise dermatológica, buscar por: espessamento de pele (mãos, pés, braços, pernas, face e tronco), esclerodactilia, despigmentação difusa (chamada de padrão de sal e pimenta), contratura e ulceração de pele em articulações acrais, perda de pelos em pele afetada, calcinosis cutis e telangiectasias.
A alteração da espessura da pele pode ser graduada de acordo com o Escore de Pele de Rodnan modificado, que avalia 17 áreas da pele e usa uma escala de 0 a 3 em gravidade. Veja abaixo:
Seguindo o exame físico, avalia-se a ausculta cardiopulmonar em busca de anormalidades características da Esclerose Sistêmica. Em casos de Hipertensão Arterial Pulmonar, ausculta-se a B3 anormal e ruídos adventícios pulmonares pela congestão dos pulmões. Pode também ser visto arritmias, bloqueios de condução, derrames pericárdicos, pericardite e insuficiência cardíaca com edema de membros inferiores.
Para fechar hipótese diagnóstica, utiliza-se os critérios diagnósticos da American College of Rheumatology e European League Against Rheumatism (ACR/EULAR) para Esclerose Sistêmica. A definição acontece quando há o critério maior e/ou ≥2 critérios menores, totalizando 9 ou mais pontos. O critério maior é o espessamento de pele nos dedos das duas mãos se estendendo para as articulações metacarpofalangianas. Os critérios menores incluem outras alterações de quirodáctilos, lesões de unhas e digitais, telangiectasias, HAP, fenômeno de Raynaud, presença de autoanticorpos associados à condição e anormalidade dos capilares periungueais.
Vale ressaltar que nos exames laboratoriais pode-se encontrar alguns anticorpos intimamente associados à Esclerodermia. São eles: Anticentrômero, Antitopoisomerase-I (anti-SCL-70) e Anti-RNA Polimerase I e III. Outros anticorpos menos específicos porém também presentes são os Anticorpos Antinucleares e Anticorpos Antimitocondriais (AMA).
Como funciona o tratamento?
O tratamento do Escleroderma Sistêmico vai depender das apresentações de cada paciente, visto que é uma condição que varia em órgãos afetados. Abaixo destrinchamos o manejo de cada possível achado:
- Fenômeno de Raynaud: indica-se primeiramente mudanças no estilo de vida, como o uso de luvas para aquecer as mãos. De medicamento, utilizamos bloqueadores de canal de cálcio (BCC) como primeira linha, visto que diminui a frequência e a gravidade de infartos isquêmicos em pacientes com Fenômeno de Raynaud Secundário. Caso o paciente não responda bem aos BCC ou possua um quadro muito severo, é necessário sua substituição por Inibidores da Fosfodiesterase-5.
- Úlceras digitais: para úlceras ativas, utiliza Inibidores da Fosfodiesterase-5 e Prostanóides IV. Além disso, considerar um tratamento de suporte com Agentes Antiagregantes, antibióticos e analgésicos para aqueles ferimentos infectados.
- Manifestações cutâneas gerais: em pacientes com Esclerose Sistêmica Difusa em estágios iniciais, inicia a terapia com Metotrexato. Ademais, o Micofenolato de Mofetila tende a reduzir e retardar o espessamento cutâneo.
- Doença Intersticial Pulmonar por Esclerose Sistêmica: considerar terapia imunossupressora enquanto investiga agentes que possam estar causando pneumonia. Também administrar corticosteróides de alta dose (como a Prednisona >10-15 mg/dia).
- Hipertensão Arterial Pulmonar: administrar Antagonista dos Receptores da Endotelina (Bosentan ou Ambrisentan), Inibidores da Fosfodiesterase-5 ou Prostaciclina IV.
- Manifestações Gastrointestinais: considerar Inibidores de Bomba de Próton (IBP) para prevenção de constrições e úlceras esofágicas secundárias a DRGE. Caso o distúrbio do TGI esteja relacionado à dismotilidade, prescrever medicamentos procinéticos.
Fatores de risco e complicações
Por estarem dentro de uma patogênese ainda obscura, os fatores de risco do Escleroderma Sistêmico não são completamente compreendidos. Mesmo assim, supõe-se possíveis fatores indutores e agravantes da condição, como a exposição a substâncias químicas e fatores genéticos (especialmente polimorfismo do gene TYK2).
Dentre as complicações que ascendem da Esclerodermia, as mais comuns são as associadas à pele, como as ulcerações cutâneas e contratura de pele das articulações distais. No sistema respiratório, é relativamente comum o surgimento de doença pulmonar intersticial, doença parenquimatosa, hipertensão arterial pulmonar e doenças aspirativas associadas ao DRGE concomitante.
Ademais, no trato gastrointestinal as complicações mais comuns são: gastroparesia, DRGE, disfagia, esôfago de Barrett, tosse crônica pelo refluxo gastroesofágico, sangramento intestinal, anemia, diarreia e constipação. Por fim, as possíveis complicações cardiovasculares podem ser vistas por pericardite, derrame pericárdico, inflamação miocárdica, fibrose, anormalidades de condução e progressão para insuficiência cardíaca.
Conclusão
A Esclerodermia, que também pode ser chamada de Esclerose Sistêmica, é uma doença do tecido conjuntivo que afeta primariamente a pele, mas também afeta os pulmões, coração, rins e outros órgãos. Ela pode ser dividida em 5 tipos: Esclerose Sistêmica Cutânea Limitada, Esclerose Sistêmica Cutânea Difusa, Esclerose Sistêmica Sem Esclerodermia, Esclerose Sistêmica com Overlap de Doenças do Tecido Conjuntivo e Esclerodermia Não Diferenciada.
O diagnóstico deve ser realizado com a junção da anamnese com exame físico, buscando encaixá-los nos critérios diagnósticos da American College of Rheumatology com a European League Against Rheumatism (ACR/EULAR), além de fazer certas buscas sorológicas por autoanticorpos sugestivos. E então, após isso, deve-se iniciar o estabelecimento da conduta terapêutica que respalda cada manifestação individualmente.
Leia Mais:
- Dominando o manejo da nefrite lúpica
- Pênfigo: o que é, tipos e como tratar
- Melanoma: o que é, como diagnosticar e tratamento
FONTES:
- Systemic Sclerosis Treatment & Management: Medical Care, Surgical Care, Consultations
- DynaMed. Systemic Sclerosis. EBSCO Information Services. Accessed December 14, 2022.