A diarreia aguda ainda é uma das afecções com maior incidência e que possui uma das maiores taxas de mortalidades em países subdesenvolvidos, principalmente em crianças.
Existe notável diferença nessa incidência entre os países ditos desenvolvidos e os subdesenvolvidos, ocorrendo nestes últimos de 3 a 9 vezes mais em populações abaixo dos 5 anos de idade.
Segundo a base internacional de dados médicos UpTpDate, estima-se cerca de 1 bilhão de casos e de 4 a 6 milhões de mortes por ano (12.600 mortes por dia) somente em crianças na África, Ásia e América Latina. Trata-se, portanto, de uma grande causa de morbimortalidade nessas regiões.
Além disso, a diarreia aguda contribui para elevadas taxas de desnutrição energético-proteica infantil.
O agente mais comum em crianças de até 2 anos é o rotavírus. Mas, devido à vacinação, os números de infecção por ele estão se reduzindo.
Nas crianças acima de 2 anos encontram-se Giardia lamblia, Shigella e Salmonella e, nos adultos, E. coli.
Em ambiente hospitalar e indivíduos imunocomprometidos, devemos pensar em C. difficile.
O que é a diarreia aguda?
A definição de diarreia – aguda ou não – é a presença excessiva de água nas fezes, associada à diminuição da consistência fecal e a ocorrência de diversos episódios de evacuação por dia.
Na prática, consideram-se mais de 3 evacuações ao dia ou fezes liquefeitas em todos os episódios.
Define-se como diarreia aguda aquela com início dos sintomas em até 2 semanas, mas quase sempre menos de 3 dias.
Em 90% dos casos, ela é de causa infecciosa, e geralmente vem acompanhada por episódios de vômito, febre e dor abdominal.
O restante dos casos costuma decorrer do uso de medicações, ingestão de toxinas e isquemias.
O quadro clínico pode se manifestar com sintomas de leve intensidade ou apresentar piora clínica progressiva em poucas horas, com risco de morte por desidratação e/ou sepse.
Qual a etiologia da diarreia aguda?
Como dito acima, cerca de 90% dos quadros de diarreia aguda têm origem infecciosa. Dividimos aqui a etiologia entre infecciosa (bacteriana e não bacteriana) e não infecciosa.
Diarreia aguda bacteriana
- Escherichia coli (enterotoxigênica, entero-hemorrágica, enteroinvasiva, enteropatogênica, enteroaderente);
- Salmonella não typhi;
- Shigella sp.;
- Campylobacter jejuni;
- Yersinia enterocolitica;
- Vibrio cholerae;
- Vibrio parahaemolyticus;
- Staphylococcus aureus;
- Bacillus cereus;
- Clostridium perfringens;
- Clostridium difficile;
- Aeromonas;
- Listeria monocytogenes.
Diarreia aguda infecciosa não bacteriana
- Rotavírus;
- Vírus Norwalk;
- Outros vírus menos comuns (ex.: adenovírus);
- Giardia lamblia;
- Cryptosporidium parvum;
- Cyclospora cayetanensis;
- Envenenamento alimentar por toxinas de: Staphyloccocus aureus, Bacillus cereus, Clostridium perfringens, E. coli enterotoxigênica e entero-hemorrágica
Diarreia aguda não-infecciosa
- Colite ulcerativa;
- Colite isquêmica;
- Doença de Crohn;
- Síndromes de má absorção;
- Medicações e substâncias osmóticas.
Qual é a fisiopatologia da diarreia aguda?
As diarreias decorrem de anormalidades no funcionamento do intestino, com aumento da excreção e redução da absorção do conteúdo intraluminal. Sua fisiopatologia pode ser dividida em 4 mecanismos: diarreia secretora, citotóxica, osmótica e disentérica.
Secretora
É mediada por enterotoxinas. Ocorre a estimulação de secreção de fluidos e eletrólitos no nível de células secretoras das criptas; bloqueio da absorção de fluidos e eletrólitos nas vilosidades.
Citotóxica
Há destruição das células mucosas das vilosidades e, assim, diminuição da capacidade de absorção de fluidos/eletrólitos no intestino delgado e aumento relativo da função secretora das células da cripta remanescentes.
Osmótica
Resulta da presença de substâncias mal absorvidas em alta concentração no lúmen intestinal. Elas se tornam osmoticamente ativas, induzindo ao movimento de água do plasma para a luz intestinal e ao retardo na absorção de água e eletrólitos.
Pode estar presente como complicação de qualquer processo patológico gastrintestinal, principalmente nas síndromes de má absorção.
Disentérica
Há inflamação da mucosa e da submucosa do íleo terminal e do intestino grosso, com edema, sangramento de mucosa e infiltração leucocitária. Esse processo leva à diminuição na absorção de fluidos, com aumento da motilidade do cólon, evacuações frequentes e tenesmo.
Como se classifica a diarreia aguda?
De acordo com o quadro de sinais e sintomas do paciente, conseguimos classificar a diarréia em alta ou baixa.
Alta
Na diarréia alta há acometimento de delgado. A frequência das evacuações é alta e não há perdas sanguíneas nas fezes.
A diarréia aguda alta não é classificada como inflamatória, não há presença de leucócitos nas fezes.
Em geral, a evacuação é líquida, e, quando há má absorção, as fezes apresentam maior proporção de gordura, sendo denominadas fezes esteatorreicas.
Essas fezes têm como características um aspecto espumoso, coloração brilhante e odor muito forte devido à fermentação excessiva.
O paciente pode apresentar dermatite perianal graças à acidez fecal.
A diarréia alta é causada por agentes infecciosos (S. aureus e rotavírus, por exemplo), parasitários (Giardia lamblia) e má absorção (pancreatite crônica em alcoólatras, doença celíaca, entre outros).
Baixa
A diarréia baixa ocorre em segmentos do cólon e se caracteriza pela presença de muco, sangue e até secreção purulenta nas fezes. Há descarga de leucócitos na luz intestinal em colites de grau intenso.
O paciente apresenta muitas evacuações – de 10 a 20 episódios por dia – e sensação de esvaziamento incompleto do reto após cada episódio (chamado tenesmo retal).
A definição de disenteria é a mesma que a da diarreia baixa descrita. Leucócitos estão presentes nas fezes e, assim, a diarreia baixa é considerada inflamatória.
Quais os tratamentos indicados para a diarreia aguda?
Dieta e hidratação
De forma geral o quadro de diarreia aguda é autolimitado, sendo necessária apenas a reposição de fluidos com carboidratos e eletrólitos por via oral – o suficiente para recuperar a espoliação hidroeletrolítica do paciente.
Durante o período da doença, recomenda-se o repouso digestivo; o consumo de alimentos pobres em fibras e gorduras para que não haja piora do quadro. Laticínios são contraindicados.
Em alguns casos, especialmente em crianças, a desidratação pode ser rápida e exigir intervenções mais contundentes. Reidratação oral, oral supervisionada ou mesmo intravenosa podem ser necessárias.
Agentes antidiarreicos
Os antidiarréicos são medicamentos que podem ser utilizados em pacientes com quadros moderados, proporcionando melhora do desconforto.
Loperamida 2mg, após cada evacuação diarreica, por 2 dias (não ultrapassar o total de 16mg), ou difenoxilato 4mg, 6/6h podem ser utilizados nos casos de diarreia aguda não invasiva (sem febre, muco ou sangue).
O subsalicilato de bismuto 30mL, 30/30min, 8 doses, tem sido eficaz no controle dos vômitos e da diarreia em alguns pacientes.
Agentes probióticos podem ser indicados na diarreia não invasiva para repopularizar a flora intestinal normal e, assim, reduzir o período de diarreia em alguns casos.
Antibioticoterapia
O consumo de antibiótico deve ser analisado caso a caso, já que seu uso indiscriminado pode selecionar cepas bacterianas resistentes e diminuir as barreiras de defesa natural do indivíduo.
Como 1ª opção, escolhem-se os derivados de fluoroquinolonas (ciprofloxacino, ofloxacino, norfloxacino) por 5 a 7 dias, ou esquema alternativo com azitromicina ou eritromicina. Em caso de infecção por Giardia, usamos o metronidazol.
Nos casos de Salmonella não typhi, Campylobacter, Aeromonas, Yersinia ou E. coli, não se usam drogas específicas, a menos que o caso seja grave.Nessas infecções não há melhora ou diminuição do período de excreção de agentes patogênicos.
Utiliza-se terapia específica em casos comprovados de shigelose, cólera, salmonelose extraintestinal, diarreia dos viajantes, infecções por C. difficile, giardíase, amebíase e doenças sexualmente transmissíveis (p. ex. herpes simples, clamídia e gonorreia).
Entre imunocomprometidos pelo HIV, em geral, se faz a associação de antivirais e antibióticos de amplo espectro.
Quais os fatores de risco para o desenvolvimento de diarreia aguda?
Os principais fatores de risco para o seu desenvolvimento são: contato com pessoas com diarreia infecciosa; condições de higiene precárias e desmame precoce do leite materno (o aleitamento materno diminui a frequência de episódios de diarreia na vida da criança e também está associado com evolução menos grave e menor necessidade de hospitalização).
Como já comentamos, o rotavírus é o agente infeccioso mais comum em crianças – sendo encontrado em qualquer idade, porém com maior prevalência em menores de 5 anos (a maior frequência é em crianças entre 6 e 24 meses).
Sua transmissão geralmente ocorre pelo contato pessoal, mas também pode ocorrer via secreções respiratória e objetos ou superfícies contaminadas.
Felizmente, a vacina contra o rotavírus a partir de 2006 promoveu grande diminuição nos internamentos e mortes causadas por ele.
O que é terapia de reidratação oral?
A terapia de reidratação oral (TRO) é a reposição fluida via oral usada para prevenir e tratar a desidratação. Pode ser administrada também via sonda nasogástrica. Sua composição envolve cloreto de sódio, citrato de sódio, cloreto de potássio e glicose.
Conhecida comumente como “soro caseiro”, pode ser preparada em casa com um litro de água potável, uma colher de chá de sal e duas colheres de sopa de açúcar.
Deve ser administrada após os episódios de diarreia, lentamente (de 200 a 400 mL após cada evacuação).
O que é terapia de reidratação parenteral?
A terapia de reidratação parenteral é a reposição hidroeletrolítica via endovenosa, a infusão de soro glicofisiológico em ambiente hospitalar.
É utilizada em casos mais graves, onde a perda líquida e eletrolítica é maior.
Conclusão
A diarreia aguda, apesar de muitas vezes ser associada a uma afecção “inofensiva”, é muito comum e em casos graves pode causar rápida desidratação e levar à morte – especialmente em crianças.
É importante que o manejo da doença seja feito criteriosamente desde o início, com atenção especial a populações carentes e que vivem em ambientes em condições precárias de higiene.
Algo que deve sempre ser levado em consideração é a epidemiologia da doença, uma vez que surtos coletivos são comuns e até endêmicos em determinadas regiões.
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