As doenças respiratórias são as principais responsáveis pela morbidade e mortalidade no período neonatal, sendo a causa mais comum de internação hospitalar nessa faixa etária. As abordagens diagnósticas e terapêuticas têm avançado muito e contribuem bastante para a sobrevida dos recém-nascidos (RN).
Apesar de problemas com a maturação pulmonar serem os principais causadores dos distúrbios respiratórios do RN, nem sempre a origem da patologia é no pulmão, podendo ser por cardiopatias, doenças neurológicas, deformações anatômicas, sepse, distúrbios metabólicos ou uso de certas substâncias na gestação, como sulfato de magnésio, opioides e drogas ilícitas.
Definição
Definimos que um RN possui distúrbio respiratório quando há uma frequência respiratória ≥60 irpm ou sinais de maior trabalho/esforço respiratório, como batimento de asa nasal, tiragem, gemido e head bobbing (movimento da cabeça para cima e para baixo, pela necessidade do uso da musculatura acessória do pescoço).
A adaptação fisiológica mais crítica e imediata do RN é a respiratória, uma vez que na vida fetal a troca gasosa é realizada completamente pela placenta da mãe, assim, os pulmões não possuem funcionalidade, sendo eles repletos de líquido e com baixo fluxo sanguíneo.
Ao nascer, os fluidos pulmonares precisam ser reabsorvidos, pelos canais de sódio e cloro (70%) e vasos linfáticos (20%), além de contar com a força mecânica contra a caixa torácica no parto vaginal para “expulsar” dos alvéolos parte desse líquido (10%). No parto normal há maior liberação de prostaglandinas, que dilatam mais os vasos linfáticos e capilares, o que facilita mais ainda essa reabsorção.
Outro importante fator para adequada função respiratória, é a ação do surfactante, uma substância que impede os alvéolos pulmonares de colapsaram e gerarem atelectasia. O surfactante tem seu pico de produção por volta da 34ª semana de gestação. Logo, devemos nos atentar para recém-nascidos com idade gestacional (IG) menor.
Caso algum desses mecanismos de adaptação fisiológica esteja comprometido, o RN pode desenvolver desconforto respiratório, na maioria das vezes ainda nas primeiras horas de vida.
As principais etiologias são a síndrome do desconforto respiratório (SDR ou doença da membrana hialina), síndrome da aspiração meconial (SAM), taquipneia transitória do recém-nascido (TTRN), hipertensão pulmonar e pneumonia.
Boletim de Silverman-Andersan
O RN com distúrbio respiratório pode apresentar cianose, esforço respiratório, crises de apneia, bradi/taquicardia, hipotensão, palidez, sudorese e fadiga, além de convulsão, irritabilidade e coma, mas é essencial avaliar o nível de trabalho respiratório e para isso utilizamos o Boletim de Silverman-Andersan (BSA).
Os critérios do BSA são presença de tiragem intercostal, movimento respiratório (tiragem diafragmática ou balanço tóraco-abdominal), gemido expiratório, retração xifóide e batimento de asa nasal. Cada um pontua de 0 a 2 pontos. RN com pontuação 0 não possui desconforto respiratório, escore 1-4 indica desconforto leve, 4-7 desconforto moderado e ≥ 8 representa insuficiência respiratória grave.
Principais etiologias
Síndrome do Desconforto Respiratório (SDR)
A SDR acomete geralmente RN prematuros, principalmente os com IG < 28 semanas. Ocorre por imaturidade pulmonar, quando o feto tem deficiência ou inativação do surfactante alveolar, levando a hipoxemia. Além de prematuridade, outros fatores de risco para SDR são peso < 1500g, diabetes gestacional, cesárea eletiva, hemorragia pulmonar, aspiração meconial, asfixia perinatal e gestação múltipla.
A falta de surfactante leva ao colapso dos alvéolos, produzindo atelectasia e hipóxia nos tecidos, que por sua vez, lesam as células dos vasos sanguíneos próximos, aumentando a permeabilidade capilar. Esse aumento de permeabilidade leva a extravasamento de proteínas plasmáticas para o lúmen alveolar, formando membranas hialinas sobre os alvéolos. Por isso, também pode ser chamada de doença da membrana hialina (DMH).
Na SDR o RN tem piora progressiva nas primeiras 24h, mas com melhora após 72h, por haver produção de surfactante endógeno e maior desenvolvimento de mecanismos diuréticos, facilitando a eliminação dos fluidos.
O raio X do indivíduo com síndrome do desconforto respiratório possui aspecto de vidro moído com broncograma aéreo (visualização clara dos bronquíolos preenchidos por ar, possível pela presença de infiltrado reticulogranular excessivo em volta) e a gasometria revela acidose mista.
Em caso de trabalho de parto prematuro, com idade gestacional entre 24 e 34 semanas, indica-se para a mãe o uso de corticoide, que aceleram a maturação pulmonar, produção e ativação do surfactante alveolar e tocolíticos (para prolongar a gestação e aguardar efeito do corticoide). O corticóide pode ser betametasona (2 doses em 48h) ou dexametasona (4 doses em 48h).
É necessário admitir os RN com SDR em UTI neonatal. Se houver respiração espontânea, indica-se o uso de CPAP (Pressão Positiva Contínua nas Vias Aéreas) e administrar surfactante exógeno. RN que necessitam de suporte ventilatório invasivo, seguimos o protocolo INSURE (Intubação + Surfactante exógeno + Extubação precoce e uso de CPAP). Realizar também suporte nutricional e manter o bebê aquecido.
Taquipneia transitória do RN
É um distúrbio frequente, pois acomete cerca de 1-2% dos recém-nascidos (sendo pré-termo ou termo), porém benigno, com resolução espontânea em 3 a 5 dias. Ocorre quando não há reabsorção total do líquido pulmonar, levando a um quadro de taquipneia logo após o nascimento, acompanhando outros sinais de trabalho respiratório.
Os principais fatores de risco são cesárea eletiva, asma materna, policitemia, diabetes gestacional e asfixia perinatal.
Alterações gasométricas são raras e no Raio X encontra-se hiperinsuflação, congestão pulmonar, cisurite, vasos dilatados e, por vezes, derrame pleural. O diagnóstico da TTRN deve ser de exclusão, pois deve-se atentar para as causas mais graves antes, como pneumonia e doença da membrana hialina.
O tratamento é realizado com medidas de suporte geral ao RN, por oxigenioterapia com CPAP. Raramente necessita-se de ventilação mecânica para tratar TTRN e nesses casos a investigação de outros distúrbios deve ser feita, principalmente cardiopatias, pneumonia e DMH.
Síndrome de Aspiração Meconial (SAM)
A SAM trata-se de um distúrbio por maturação fetal “excessiva”, ocorrendo mais em RN a termo ou pós-termo. Isso se deve a liberação do mecônio no líquido amniótico por estresse fetal (em situações de restrição de crescimento uterino crônico) ou idade gestacional avançada (IG>42 semanas), seguido de aspiração do mecônio para os pulmões.
O mecônio pode obstruir as vias aéreas ou provocar um quadro inflamatório e infeccioso. A clínica varia muito, pode ser amena ou levar a insuficiência respiratória grave, com taxa de mortalidade de 5%. No exame físico verifica-se depressão respiratória com hipóxia e o tórax pode apresentar aumento em seu diâmetro anteroposterior, além de alterações neurológicas.
O raio X apresenta hiperinsuflação pulmonar, áreas de atelectasia alternando com áreas com opacidades assimétricas por todo tórax e a gasometria revela hipoxemia, com acidose respiratória ou mista.
A aspiração de vias aéreas é indicada para os RN com pelo menos um desses sinais: frequência cardíaca <100 bpm, respiração irregular/ ausente, hipotonia. O uso de CPAP ou Ventilação mecânica pode ser necessário.
Pneumonia
A infecção do parênquima pulmonar no recém-nascido pode evoluir para uma sepse rapidamente e os sintomas inespecíficos fazem com que seu diagnóstico seja difícil, por se confundir com TTRN e SDR. O patógeno mais importante no período neonatal é o estreptococo do grupo B, geralmente adquirido no trato genital durante o parto vaginal.
O RN apresenta taquipneia, cianose e sinais de trabalho respiratório. em alguns casos pode haver distensão abdominal, icterícia e instabilidade térmica. O Raio X demonstra infiltração difusa retículo-granular com broncograma aéreo (os mesmos achados de uma SDR).
Deve-se iniciar terapia com ampicilina + gentamicina, suporte hídrico e nutricional, oxigenioterapia e drenagens de derrames pleurais quando necessário.
Hipertensão Pulmonar Persistente do Recém-Nascido (HPPRN)
A HPPRN pode decorrer de outros distúrbios pulmonares, como pneumonia, SAM e SDR, sendo caracterizada por uma resistência vascular pulmonar maior que a resistência vascular sistêmica, prejudicando a troca gasosa e oxigenação tecidual. É uma condição que muitas vezes é refratária ao tratamento, tendo uma taxa de mortalidade de até 33%.
Os fatores de risco são parto cesariano, exposição intraútero a aspirina, AINEs (anti-inflamatórios não esteroidais) e antidepressivos ISRS, diabetes gestacional, gestante obesa e RN com peso grande para idade gestacional (GIG).
O tratamento é feito inicialmente com medidas de suporte geral, com CPAP ou ventilação mecânica. Caso não seja suficiente para reverter a hipoxemia, o uso de óxido nítrico inalatório está indicado.
Conclusão
Os distúrbios respiratórios são importantes causas de mortalidade em recém-nascidos e deve-se diagnosticar e fornecer suporte rapidamente.
As principais etiologias são síndrome do desconforto respiratório, síndrome da aspiração meconial, pneumonia, hipertensão pulmonar persistente e taquipneia transitória do recém-nascido, sendo esta última a mais frequente (2% de todos os nascimentos).
Leia mais:
- Pneumonia Viral: O que é, Quais os Sintomas, Diagnóstico e Tratamento
- O que é hipoglicemia neonatal, suas complicações e como tratar
- Hipertensão Pulmonar: entenda o que é, o quadro clínico e tratamento
FONTES:
- Tratado de Pediatria SBP 4ª edição
- Anatpat
- Manejo da síndrome do desconforto respiratório e uso de surfactante em recém-nascidos, Universidade Federal Do Triângulo Mineiro
- Atenção à Saúde do Recém-Nascido Guia para os Profissionais de Saúde Vol 3