O derrame papilar, também denominado descarga papilar, é a terceira queixa mais comum nas mamas, precedida apenas pela queixa de dor nas mamas e de massa palpável. Assim, durante os anos reprodutivos, cerca de 80% das mulheres apresentarão um episódio de derrame papilar.
Felizmente, a maioria das descargas papilares são benignas. Dessa forma, o principal objetivo no manejo do paciente com queixa de descarga papilar é a diferenciação do derrame papilar benigno do derrame papilar com características malignas. Portanto, aproveite esse texto para aprender o manejo do paciente com derrame papilar!
O que é Descarga Papilar?
A descarga papilar é a saída de secreção pelo mamilo. Essa secreção pode ser caracterizada como a produção normal do leite - denominada lactação - ou como derrame papilar fisiológico (galactorréia). Ou ainda, a descarga papilar pode ter características suspeitas, e sugerir processo patológico.
Tipos
Como mencionado anteriormente, os tipos de derrame papilar que podem estar presentes são a lactação, a galactorréia e o derrame papilar suspeito.
Lactação
Na lactação, os tipos de secreção normal são o leite e o colostro. Durante a gravidez e o puerpério, as glândulas mamárias se desenvolvem e produzem o leite como resposta à sucção do bebê. A lactação pode durar por até 6 meses após o parto ou após a cessação da amamentação.
Galactorréia
A galactorréia é definida como a secreção não patológica e não relacionada com a gestação ou a amamentação. Essa comumente manifesta-se como derrame papilar bilateral, e envolve múltiplos ductos mamários. E ainda, normalmente apresenta coloração branca ou clara.
Entretanto, apesar de menos comum, a galactorréia pode manifestar-se unilateralmente e com coloração amarelada, verde, marrom ou cinza. Todavia, a galactorréia nunca é sanguinolenta.
Derrame papilar suspeito
A secreção de outros conteúdos que não o leite pode ocorrer devido a processos patológicos nas mamas. Assim, no derrame papilar suspeito, a secreção comumente é unilateral e localizada apenas em um ducto. E mais, é persistente e espontânea, podendo se manifestar com coloração serosa (clara/amarelada), sanguínea ou serosanguínea.
Causas do Derrame Papilar
A galactorréia é comumente causada pela hiperprolactinemia. Podendo essa ser secundária a medicamentos, tumores na glândula pituitária e anormalidades endócrinas. Observe a tabela abaixo com as principais medicações que podem provocar hiperprolactinemia.
Para mais, a principal causa de derrame papilar de características suspeitas é o papiloma, responsável por até 57% dos casos. O papiloma é um tumor benigno com origem nos ductos mamários. Além disso, outras causas para o derrame papilar suspeito são as ectasias ductais (14 a 33%) e as infecções, sendo a descarga papilar purulenta um sinal de mastite periductal, por exemplo.
Por fim, o câncer é encontrado em 5 a 15% das descargas papilares com características suspeitas. Sendo o tumor maligno mais comumente associado com o derrame papilar o carcinoma ductal in situ.
Apresentação Clínica
Ao coletar a história clínica do paciente, é fundamental a pesquisa dos seguintes achados: características da descarga papilar (sanguinolenta? hialina? Esbranquiçada?), frequência do derrame e se a descarga é espontânea ou provocada por manipulação. E mais, se é unilateral ou bilateral, e multiductal ou uniductal.
Como mencionado anteriormente, são características do derrame papilar fisiológico a descarga bilateral e multiductal, que ocorre à manipulação. Já o derrame papilar suspeito comumente é espontâneo (não decorre da manipulação), sanguinolento, unilateral e uniductal. Bem como associado à presença de massas palpáveis na mama. Além disso, a idade superior a 40 anos da paciente deve elevar ainda mais a suspeita.
Por fim, deve-se questionar a história recente de trauma, que se refere também à compressão da mama durante o exame da mamografia ou a manipulação vigorosa da mama. E mais, deve-se questionar sobre o início recente da menopausa, perguntando sobre "fogachos" e ressecamento vaginal, por exemplo. Isso porque o hipogonadismo pode justificar a presença da hiperprolactinemia. E mais, questiona-se sobre medicamentos em uso.
Ao exame físico, deve-se notar a simetria e contorno das mamas, posição dos mamilos e cicatrizes. E mais, o padrão vascular (quando visível) e evidência de retração do mamilo, edema ou eritema. E ainda, se há presença de ulcerações ou mudanças na coloração da pele. Observe a imagem abaixo.
Observe o aspecto dessa mama. O mamilo encontra-se retrovertido (importante perguntar se o mamilo sempre foi assim, ou se “tornou” retrovertido!), com textura “em casca de laranja”, e com importante lesão na região da aréola e mamilo.
Diagnóstico
Como mencionado no início do texto, o manejo da paciente com derrame papilar depende se as características deste são benignas ou malignas.
Assim, pacientes com derrame papilar com características benignas necessitam apenas da avaliação laboratorial, a fim de evidenciar possível hiperprolactinemia. Dessa forma, solicita-se exames de beta-HCG, níveis de prolactina, função renal e da tireoide. Nessas pacientes, exames de imagem para investigação inicial não são necessários.
Já para pacientes com derrame papilar de características suspeitas, o exame de imagem é fundamental. Assim, esses devem ser solicitados para todos os pacientes com ao menos uma dessas características:
- Derrame papilar unilateral;
- Derrame papilar sanguinolento;
- Descarga papilar associada a presença de massas ou lesões na pele.
Os exames de imagem mais comumente solicitados são a mamografia ou a ultrassonografia (USG) mamária. Assim, para mulheres ≥ 40 anos, solicitam-se ambas a mamografia e o USG. Entretanto, mulheres que realizaram a mamografia recentemente (< 6 meses) ou que estão grávidas, podem realizar apenas a USG.
E mais, mulheres entre 30 e 39 anos, a USG mamária deve ser o primeiro exame realizado, seguida da mamografia, quando necessário. Para mulheres < 30 anos, o primeiro exame a ser realizado é também a USG, sendo a mamografia realizada apenas em caso de presença de lesão suspeita ou se a paciente for geneticamente predisposta ao câncer de mama.
Por fim, homens com descarga papilar devem realizar ambas a mamografia e a ultrassonografia mamária, a fim de auxiliar no diagnóstico e guiar uma possível decisão de biópsia, quando essa for necessária.
Mamografia
A mamografia é o exame diagnóstico de primeira escolha na maioria dos pacientes para avaliação da descarga papilar. Entretanto, apesar de ser o melhor exame para diagnóstico de lesões malignas, a mamografia pode não detectar a presença de lesões de alto risco pequenas, não calcificadas ou intraductais.
Ultrassonografia mamária
Diferentemente da mamografia, a USG é um excelente exame para avaliação de lesões intraductais, bem como permite a visualização de lesões muito pequenas, de diâmetro de até 0,5 mm. Dessa forma, identifica entre até 69% das lesões não visíveis na mamografia.
Para mais, a USG, apesar de mais sensível que a mamografia, é menos específica para diferenciação de lesões benignas e malignas. Entretanto, é um exame muito utilizado como guia durante a biópsia percutânea dessas lesões suspeitas.
Biópsia
Os exames de imagem não são confiáveis na diferenciação dos tipos de câncer e de lesões de alto risco (ex.: papilomas ou atipias) de lesões benignas com derrame papilar. Por isso, anormalidades detectadas nos exames de USG e mamografia necessitam de biópsias, a fim de direcionar o tratamento.
Tratamento
Para pacientes com derrame papilar fisiológico secundário ao uso de drogas, esses devem ser orientados de que este é um efeito colateral comum. Além disso, a galactorréia idiopática transitória - galactorréia com níveis de prolactina normal nos exames laboratoriais - é comum em mulheres pré-menopausadas.
Assim, essas pacientes devem ser asseguradas de que a descarga é benigna, e devem ser reavaliadas após 2 a 3 meses. Já para pacientes com descarga papilar patológica, indica-se a realização da cirurgia como tratamento após avaliação clínica, laboratorial e por exames de imagem.
Conclusão
A descarga papilar é uma queixa muito comum, e todo clínico geral deve saber as principais causas. Bem como saber diferenciar a descarga papilar com características benignas das características malignas. Além disso, reconhecer os principais exames de imagem e sua importância para o diagnóstico de lesões malignas é fundamental para as provas de residência!
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FONTE:
- GOLSHAN, M. Nipple discharge. UpToDate. 2022.