Mais um dia no posto de saúde, e chega uma mãe muito preocupada para você atender. Ela diz que os “saquinhos” do seu filho uma hora crescem e ficam bem cheios, e outra hora, “murcham” e ficam mais vazios. Diz também que quando segura e aperta levemente o “saquinho”, ele fica murcho mais rápido. Afirma que a criança é saudável, apesar de ser prematura (nasceu com 34 semanas).
No mesmo dia, outra mãe chega, também preocupada, afirmando que o testículo direito do seu filho de 1 ano é bem maior que o esquerdo. Está com medo de tocar, porque acha que vai doer, mas quando você perguntou, ela afirmou que não há alteração de tamanho durante o dia. Diz que a criança é saudável, apesar de ter sido prematura (nasceu com 35 semanas gestacionais).
E aí, qual a diferença entre esses lactentes? A queixa é basicamente a mesma, mas o problema é bem diferente. A conduta de um deles é mais urgente, enquanto a outra é mais tranquila. Se você ficou na dúvida, continue acompanhando esse post e entenda como prosseguir em cada um desses casos!
Diagnóstico
Para entender o problema dessas crianças, a gente precisa voltar um pouquinho para embriologia e entender a origem de tudo: a persistência do processo vaginal. Ele é formado no terceiro mês de gestação, e vai ser uma invaginação do peritônio que vai acompanhar o testículo na sua passagem pelo canal inguinal, até seu alojamento no saco escrotal.
Até aí, tudo bem. O problema é que esse canal precisa fechar logo após o nascimento. Quando há a persistência dele, passa a existir uma comunicação entre o peritônio e o escroto, que pode levar a passagem de conteúdos do abdome para a bolsa escrotal, como líquido e até mesmo vísceras! Assim, passagem de líquido vai ser chamado de hidrocele comunicante, e a passagem de vísceras vai provocar a hérnia inguinal indireta. Se o canal é mais estreito, é mais provável que passe apenas líquido; mas se ele for mais largo, a probabilidade é de que haja também passagem de vísceras.
Hidrocele comunicante
Na hidrocele comunicante, esse líquido se desloca pelo processo vaginal e regride para o abdome durante o dia. Assim, quando a primeira mãe descreveu que, ao apertar levemente a bolsa escrotal do seu filho, percebe que há diminuição do volume, a gente sempre tem que suspeitar de hidrocele comunicante! Uma vez que a criança não vai sentir dor, e o problema normalmente tem resolução espontânea, a conduta é menos urgente, e pode-se optar por esperar um pouco antes de realizar a cirurgia. Apesar disso, existe uma preferência por realizar a cirurgia e não esperar a resolução espontânea, porque pode haver uma evolução do problema para a hérnia inguinal indireta.
Hérnia inguinal
Já na hérnia inguinal indireta, a criança normalmente vai sentir dor. Há um risco de encarceramento da hérnia, em que não vai ser possível regredir a víscera e ela vai ficar presa no saco escrotal. Nesse caso, a conduta cirúrgica precisa ser feita com certa urgência, porque uma hérnia indireta encarcerada pode evoluir para uma hérnia estrangulada, em que vai haver diminuição do fluxo sanguíneo, provocando isquemia e até necrose da víscera.
Como diferenciar
Para diferenciar, com certeza, uma hérnia inguinal de uma hidrocele comunicante, a gente utiliza o exame de transiluminação. Você vai pegar uma lanterna em um ambiente escuro, e posicioná-la no testículo desses lactentes. Se o testículo “acender”, indica que há conteúdo líquido dentro do saco escrotal, ou seja, uma hidrocele! Se ele não acender, aí você entende que existe uma massa sólida dentro dos testículos, e sua hipótese diagnóstica passa a ser uma hérnia inguinal indireta.
Você também pode utilizar um ultrassom para confirmar o diagnóstico, e ainda fazer o diagnóstico diferencial da massa na bolsa escrotal. Você pode usar o doppler para afastar presença de inflamação, tumores ou varicocele.
FONTE:
- C. Porto, Celmo. Semiologia Médica. 7ª edição. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan LTDA, 2014.
- Hérnia Inguinal e Hidrocele | Dr. Douglas Caetano