A dengue é uma arbovirose típica de regiões tropicais, com ciclos endêmicos no Brasil, caracterizada por um quadro febril potencialmente grave.
O Aedes aegypti, mosquito transmissor, é originário do Egito e chegou ao Brasil durante o período das Grandes Navegações, através de navios que traficavam escravos.
Em 2019, juntamente com a Colômbia, o Brasil foi o país com o maior número de casos reportados naquele ano.
Hoje, o vírus da dengue é endêmico em mais de 100 países, com 1 milhão de casos e 528 mortes registrados no Brasil em 2020.
Devido à sua relevância para o país, o entendimento da doença é de grande importância. Por isso, neste post vamos abordar seu quadro clínico, diagnóstico e tratamento!
O que é?
Esta arbovirose é uma infecção viral transmitida pela fêmea do mosquito Aedes aegypti, que pode causar um quadro febril agudo, que pode ir do benigno ao grave.
A infecção ocorre após picada da fêmea infectada em pessoas susceptíveis.
O período de incubação dura de 4 a 6 dias. Posteriormente, ocorre a manifestação dos sintomas, que, em geral, duram de 3 a 7 dias.
Vale salientar que, o mosquito não infectado pode adquirir o vírus ao picar um humano infectado. O período de incubação no mosquito é de 8 a 12 dias. Uma vez infectados, eles transmitem o vírus por toda a vida.
O Aedes normalmente se reproduz em áreas urbanas, depositando seus ovos em recipientes de água artificiais ou naturais, e costumam se alimentar durante o dia.
Por isso, o inseto tende a picar várias pessoas da mesma casa, principalmente no período da manhã e da tarde.
Microrganismo envolvido
O vírus da dengue é da família Flaviridae, do gênero Flavivirus, são pequenos vírus envelopados com genoma de RNA.
Existem 5 sorotipos desse microrganismo: DEN1, DEN2, DEN3, DEN4 e DEN 5 (esse último limitado a Malásia), todos capazes de causar a doença.
A infecção por um sorotipo oferece uma proteção cruzada transitória, que desaparece alguns meses após a recuperação. Ou seja, indivíduos que vivem em áreas endêmicas dos quatro sorotipos estão sujeitos a serem infectados e desenvolverem a doença quatro vezes.
A doença é classificada em três fases de infecção: fase febril, fase crítica e fase de recuperação.
As três ocorrem na dengue com sinais de alarme e na grave. Já na dengue clássica, ocorrem apenas as fases febril e de recuperação.
Manifestações clínicas
As manifestações clínicas variam de um quadro benigno (dengue clássica) até quadros graves de hemorragia e choque (dengue com sinais de alarme e dengue grave).
Dengue clássica
Nesta ocorre um quadro variável e corresponde a fase febril da doença. Assim, a primeira manifestação costuma ser febre alta, de início abrupto (igual ou superior a 38,5 °C).
Ela pode estar associada a dois ou mais sintomas característicos da doença: cefaleia, mialgia, prostração, artralgia, anorexia, astenia, dor retro-orbital, náuseas, vômitos, exantema e prurido cutâneo.
A cefaleia, dor retro-orbital e a artralgia estão presentes em 60 a 70% dos casos. Já o exantema está presente em aproximadamente 50% dos pacientes, sendo mais comum em infecções primárias.
Ele surge entre 2 a 5 dias após início da febre e possui forma macular ou maculopapular, podendo incidir na face, tórax, abdome e extremidades, estando associados ou não a prurido.
Esse quadro clássico dura de 5 a 7 dias, com desaparecimento espontâneo dos sintomas. Porém, pode existir uma persistência da fadiga.
Em crianças, é considerado caso suspeito da doença todo quadro febril agudo, normalmente com 2 a 7 dias de duração, sem foco de infecção aparente.
Dengue com sinais de alarme
Ela tem seus sintomas iniciais como os da clássica. Porém, no período de defervescência, apresente um ou mais dos seguintes sinais de alarme:
- Dor abdominal intensa (referida ou à palpação) e contínua.
- Vômitos persistentes.
- Acúmulo de líquidos (ex: ascite, derrame pleural, derrame cavitário).
- Hipotensão postural e/ou lipotímia.
- Hepatomegalia.
- Letargia/irritabilidade.
- Sangramento de mucosa.
- Aumento progressivo do hematócrito.
Esses sinais de alarme são causados por extravasamento do plasma sanguíneo devido aumento da permeabilidade capilar.
Os casos típicos deste quadro apresentam febre alta, fenômenos hemorrágicos, hepatomegalia e insuficiência circulatória.
Os achados laboratoriais comuns são trombocitopenia com hemoconcentração (hemoconcentração igual ou superior a 20% da linha de base), concomitante e aumento do hematócrito (em 20%). A prova do laço é comumente positiva.
Dengue grave
Eles são caracterizados pelo extravasamento extenso do plasma sanguíneo, que evolui para um choque circulatório, em cerca de 3 a 7 dias de doença, e acúmulo de líquidos com desconforto respiratório, hemorragias graves e sinais de comprometimento de órgãos.
O quadro clínico desse paciente é representado por pulso fraco e filiforme, extremidades distais frias, enchimento capilar lento (>2 segundos) e hipotensão arterial.
E ainda, oligúria (<1,5 ml/kg/hr), pele fria e úmida, taquipneia e pressão arterial convergente (<20 mmHg).
O quadro pode levar a óbito dentro de um período de 12 a 24 horas.
Fatores de risco para doença grave
A intensidade das manifestações clínicas varia de acordo com:
- Tipo viral: Pesquisas sugerem que o tipo 2 é o de maior risco;
- Exposição anterior a doença: Aumenta risco de acordo com números de infecções anteriores;
- Idade: Maior risco dos 0 aos 11 anos de idade;
- Status nutricional; e
- Fatores genéticos.
Como funciona o diagnóstico?
O diagnóstico pode ser levantado pela clínica e confirmado por meio de exames laboratoriais, seja pelo isolamento do agente ou por métodos sorológicos IgM e IgG.
Além disso, existem outras alterações laboratoriais que podem sugerir esta infecção viral. São elas: leucopenia, linfocitose com atipia e trombocitopenia.
Também pode ocorrer aumento de hematócrito, nos tempos de protrombina, tromboplastina parcial e trombina.
E ainda, diminuição da albumina, albuminúria e discreto aumento dos testes de função hepática também podem aparecer.
É possível fazer a detecção do vírus desta arbovirose no plasma durante a primeira semana de infecção, ou através da sorologia após 7 dias do início da manifestação dos sintomas.
A sorologia é um exame mais sensível (acima de 90%) para infecção primária, entretanto, é menos sensível em infecções secundárias (cai para 60 a 80%).
Para ter a confirmação diagnóstica é preciso comparar a titulação do IgM durante a fase aguda e após a fase de recuperação (10 a 14 dias após a fase aguda).
Se houver aumento de quatro vezes na diferença de titulação de anticorpos, é confirmado o diagnóstico.
Diagnóstico diferencial
Quando clássica, os principais diagnósticos diferenciais são sarampo, Chikungunya, Zika, gripe, rubéola e outras infecções virais e bacterianas.
Quando hemorrágica, pensar em febre amarela, malária, hepatite, leptospirose e outras febres hemorrágicas transmitidas por mosquitos ou carrapatos.
Últimas formas de tratamento da dengue
O tratamento vai depender da severidade da doença, sendo divididos em 4 grupos para manejo adequado.
Grupo A
No grupo A encontram-se aqueles pacientes sem sinais de alerta ou comorbidades. Para eles, a conduta é apenas uso de sintomáticos (paracetamol e/ou dipirona) e hidratação oral. Não deve utilizar salicilatos ou anti-inflamatórios não esteroides.
A Dipirona pode ser prescrita na dose 20 mg/kg/dose e o Paracetamol na dose 10mg/Kg/dose. Ambos os medicamentos devem ser prescritos por via oral, em até quatro doses diárias (6/6 horas).
A hidratação oral deve ser 1/3 na forma de soro e 2/3 com líquidos caseiros, por 24 a 48 horas após término da fase febril.
Para crianças de até 10kg, a dose do soro é 130ml/kg/dia; para crianças entre 10 a 20kg, a dose é 100ml/kg/dia; em crianças acima de 20kg, a dose é 80ml/kg/dia; e para pacientes acima de 13 anos, a dose é 60ml/kg/dia.
Grupo B
O grupo B é aqueles pacientes ainda sem sinais de alerta, porém com sangramento espontâneo de pele (petéquias) ou induzido (prova do laço positiva) e alguma condição clínica ou social de risco.
Para esse grupo, deve-se seguir a conduta do grupo A até sair os resultados de exames laboratoriais.
Após resultados, aqueles pacientes com hematócrito normal devem seguir com tratamento do grupo A. Aqueles com hematócrito aumentado ou que surgirem sinais de alarme, seguir protocolo do grupo C.
Grupo C
Os pacientes do grupo C são aqueles com sinais de alarme. Já devem ser internados, assim como o grupo D.
Deve-se iniciar reposição volêmica imediata, com vigilância dos sinais vitais e diurese.
O paciente receberá reposição volêmica endovenosa com soro fisiológico na dose 20mL/kg nas primeiras 2 horas (fase de expansão). Caso não haja melhora do hematócrito, repetir a expansão por até 3 vezes.
Se houver melhora clínica, fazer a reposição volêmica com 25mL/kg de soro fisiológico por 6 horas. Depois, seguir com uma solução de 1/3 de soro fisiológico com 2/3 de soro glicosado na dose 25mL/kg em 8 horas (fase de manutenção).
Caso haja piora, com aumento do hematócrito, realizar o tratamento com expansores plasmáticos: 0,5 a 1g/kg de albumina ou solução de albumina a 5% (a cada 100mL de solução, utilizar 25mL de albumina a 20% e 75mL de soro fisiológico a 0,9%).
Em caso de hemorragias, está indicada a transfusão de concentrado de hemácias (10 a 15ml/kg).
Em caso de coagulopatias, fazer transfusão de plasma fresco (10ml/kg) e crioprecipitado, na concentração de 1 U a cada 10kg.
Em caso de melhora, com queda do hematócrito e resolução do choque, porém persistência de sinais de desconforto respiratório e insuficiência cardíaca, o uso da furosemida na dose 0,5mg/kg/dose, 3 a 4 vezes ao dia, via endovenosa, é indicado. O paciente também pode fazer uso de inotrópicos como a Dopamina, na dose de 5 a 10 mcg/kg/min; Dobutamina, na dose de 5 a 20mcg/kg/min; e Milrinona, na dose de 0,5 a 0,8 mcg/kg/min.
Grupo D
Os pacientes do grupo D são aqueles com sinais de choque, sangramento grave ou disfunção de órgãos.
Os sinais de choque incluem: taquicardia, extremidades distais frias, pulso fraco e filiforme, enchimento capilar lento (>2s), PA convergente (<20 mmHg), taquipneia, oligúria (<1,5 ml/kg/h), hipotensão arterial e cianose.
É preciso iniciar cuidados intensivos e reposição volêmica imediatamente.
Para crianças e adultos, iniciar fase de expansão rápida por via parenteral com solução salina isotônica de 20 ml/kg em até 20 minutos. Se preciso, repetir esse processo por até 3 vezes.
A reavaliação clínica, que deve ser feita a cada 15 a 30 minutos, e o hematócrito, que deve ser repetido a cada 2 horas.
Caso o paciente apresente melhora clínica e laboratorial, retornar para fase de expansão do grupo C e seguir a conduta recomendada para o grupo.
Caso o paciente apresente resposta inadequada ao tratamento inicial (persistência do choque), deve-se avaliar o hematócrito.
Se esse estiver em ascensão, realizar reposição volêmica adequada, utilizando albumina (0,5 a 1 g/kg) como expansor plasmático; preparar solução de albumina a 5% (para cada 100 ml desta solução, usar 25 ml de albumina a 20% e 75 ml de soro fisiológico a 0,9%).
Se houver queda do hematócrito com persistência do choque, é preciso investigar hemorragias e avaliar a coagulação. Na presença de hemorragia, transfundir concentrado de hemácias (10 a 15 ml/kg/dia). Na presença de coagulopatias, considerar uso de plasma fresco (10 ml/kg), vitamina K endovenosa e crioprecipitado (1 U para cada 5 a 10 kg).
Se houver resolução do choque, queda do hematócrito e ausência de sangramentos associado ao surgimento de outros sinais de gravidade, observar possível desconforto respiratório, insuficiência cardíaca congestiva e investigar hiper-hidratação.
Critérios para alta hospitalar
Para receber alta os pacientes devem estar: estáveis hemodinamicamente por 48 horas, sem febre por 48 horas e com melhora visível do quadro clínico. Além disso, com hematócrito normal e estável por 24 horas e com plaquetas em elevação e acima de 50.000/mm³.
Como prevenir a dengue?
Esta é uma doença que pode ser prevenida, desde que realizado medidas de controle e ações de educação em saúde.
Medidas de controle
As medidas de controle incluem: manejo ambiental e controle químico.
O manejo ambiental se dá por meio de mudanças no meio ambiente que diminuam a propagação do vetor, evitando criadouros do mosquito. Ou seja, evitar água parada, cobrir com tampa de recipientes de água, melhora do saneamento básico.
Já o controle químico ocorre através do tratamento focal por meio da eliminação de larvas, normalmente restrito a períodos de epidemia.
Educação em saúde
Programas de educação em saúde são necessários para que a comunidade adquira conhecimento acerca do problema e de como resolvê-lo, principalmente sobre medidas de prevenção.
Conclusão
Esta infecção viral tem extrema relevância para os profissionais de saúde do Brasil, devido ao seu caráter de ciclos endêmicos no país.
Pode causar quadros graves que, com o tratamento adequado, podem ser evitados. Além disso, é uma doença de possível prevenção, desde que as estratégias adequadas sejam adotadas.
Leia mais:
- Hepatites virais: quadro clínico, diagnóstico e tratamento
- Vírus do Papiloma Humano (HPV): o que é e como tratar
- Entenda mais sobre a Síndrome da Rubéola Congênita
FONTES:
- THOMAS, Stephen; ROTHMAN, Alan. Dengue virus infection: Epidemiology. UpToDate. 2022. https://www.uptodate.com/contents/dengue-virus-infection-epidemiology?search=dengue&source=search_result&selectedTitle=4~103&usage_type=default&display_rank=4
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- BRASIL, Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Dengue: diagnóstico e manejo clínico: adulto e criança. Brasília, DF, 2016.