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2/8/22

Entenda o que são arboviroses, seus tipos, sintomas, diagnóstico e tratamento

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Entenda o que são arboviroses, seus tipos, sintomas, diagnóstico e tratamento

Arboviroses é o nome que damos ao grupo de doenças causadas pelos arbovírus – e estes incluem os vírus da dengue, zika, febre Chikungunya e da febre amarela, que são transmitidos pelos artrópodes, principalmente os mosquitos.

A ampla distribuição dos mosquitos vetores das doenças – associada ao fenômeno da urbanização, da destruição progressiva de ambientes silvestres e do aquecimento global – é o principal fator facilitador da circulação desses agentes pelos continentes.

Em 2021, segundo os dados mais recentes da Fiocruz, foram notificados no Brasil 72.093 casos de dengue. Esse número, embora alto, representa uma diminuição de 75% em relação a outros anos.

A incidência das arboviroses é grande e elas, comumente, causam epidemias. Fonte: Reprodução/Shutterstock
A incidência das arboviroses é grande e elas, comumente, causam epidemias. Fonte: Reprodução/Shutterstock

Estima-se que tal diminuição se deva à pandemia da Covid-19, que levou a população a procurar menos atendimentos e a uma subnotificação dos casos gerada pela sobrecarga do sistema de saúde.

Os arbovírus estão presentes em mais de 120 países, em regiões tropicais e subtropicais, aparecendo principalmente em áreas urbanas, pobres e periféricas, expondo cerca de 4 bilhões de pessoas ao risco de infecção pelos arbovírus.

Quais são as arboviroses?

Entre os arbovírus, os principais gêneros causadores de doenças no ser humano são: Flavivírus (vírus da dengue, zika e febre amarela) e o  Alphavirus (vírus Chikungunya), transmitidos por fêmeas do mosquito do gênero Aedes (A. aegypti e A. albopictus).

Assim, as principais arboviroses – e as que trataremos neste texto – são a dengue, a zika, a febre amarela e a Chikungunya. Há outras menos comuns, como, por exemplo, a febre do Nilo Ocidental e a febre Mayaro.

Dengue

Etiologia

O vírus da dengue é um vírus de RNA e possui 5 sorotipos; 4 deles presentes no Brasil. São eles DenV 1, 2, 3, 4 e 5 (este último identificado apenas na Ásia até hoje). O que possui maior circulação no país é o DenV 2.

Cada um dos sorotipos gera uma imunidade permanente específica, ou seja, se um indivíduo contrai o sorotipo DenV 1, não irá desenvolver a doença mais de uma vez pelo mesmo sorotipo, mas pode desenvolver com os DenV 2, 3 ou 4.

Além disso, após a infecção de qualquer variante da dengue, há também uma imunidade transitória inespecífica, que protege o indivíduo por 2 meses de todos os sorotipos.

Então pode-se dizer que uma pessoa no Brasil pode ter a doença no máximo 4 vezes.

Sinais e sintomas

A dengue possui um período de incubação de 4-7 dias e é uma doença que em 90% dos casos possui evolução benigna, com nenhum ou poucos sintomas leves (febre, mal-estar e dor no corpo).

Observação: a febre da dengue costuma ser alta e nunca dura mais que 7 dias!

Além disso, é importante se alertar para os sinais de alarme:

DISFUNÇÃO LEVE DE ÓRGÃOS SANGRAMENTOS HEMOCONCENTRAÇÃO
Dor abdominal intensa e contínua à palpação
Sangramento de mucosas (gengivorragia, metrorragia etc.)
Aumento progressivo do hematócrito
Vômitos persistentes Hipotensão postural ou lipotimia
Hepatomegalia > 2 cm
Hemorragias importantes (melena, hematêmese)

Acúmulo de líquidos (ascite, derrame pleural, derrame pericárdico)
Letargia ou irritabilidade
Sinais de alarme da dengue

Diagnóstico

O diagnóstico etiológico pode ser confirmado com RT-PCR, sorologias ou detecção de antígeno (NS1) e deve-se solicitar exames laboratoriais, onde haverá estes achados:

  • Hematócrito (Ht) elevado
  • Leucopenia
  • Plaquetopenia 
  • CPK elevado
  • Pequena elevação de transaminases
  • Aumento da bilirrubina total (achado mais raro)

Em serviços de saúde que não há realização de exames laboratoriais, pode-se fazer a prova do laço, que ajuda a definir o nível de gravidade do paciente, indicando um nível de plaquetas < 100.000 (não é um achado patognomônico da dengue). 

Classificação de risco dengue

  • Grupo A: assintomáticos ou com febre ou outros sintomas leves. A maioria dos indivíduos pertence a este grupo.
  • Grupo B: pacientes com fatores de risco (gestantes, idosos, lactentes, doenças crônicas, obesos, com diabetes ou doenças cardiovasculares) OU prova do laço positiva.
  • Grupo C: qualquer paciente que apresente pelo menos um dos sinais de alarme.
  • Grupo D: qualquer paciente que apresente sinais de choque hemodinâmico.

Tratamento

A conduta é realizada de acordo com a classificação do paciente, dependendo do seu grupo de risco, mas de modo geral é feito com suporte clínico, pois não há antivirais específicos. 

Grupo A

O tratamento é ambulatorial, feito com hidratação oral (60ml/kg/d, sendo 1/3 com solução salina) e com orientação ao paciente sobre os sinais de alarme e a retornar ao sistema de saúde se apresentar algum.  

Grupo B

Neste grupo deve-se manter o paciente em observação e realizar exames. As recomendações sobre a hidratação e as medicações são semelhantes às do grupo A.

Grupo C

Internar e iniciar hidratação venosa (10 ml/kg na 1ª hora) e reavaliar Ht. Ademais, se o paciente não tiver resposta favorável o médico deve conduzir o quadro como se ele fosse do grupo D.

Já se tiver boa resposta, é preciso internar por mais 48h, hidratando 25ml/kg em 6h e em seguida em 8h (fase de expansão). 

Grupo D 

Encaminhar o indivíduo para UTI, prescrever hidratação venosa (20ml/kg em 20 min) -  repetir processo até 3x se necessário - e solicitar exames como hemograma, transaminases e albumina sérica para reavaliação. 

Tão logo seja observada a melhora do paciente, deve-se efetuar a fase de expansão do grupo C.

Chikungunya

O período de incubação pode ir de 1 até 12 dias, embora a média normal seja de 1 a 4 dias. Os sintomas mais comuns são febre e dor nas articulações. Pode haver também náusea e exantema, podendo confundir com outras arboviroses.

A Chikungunya tem fases aguda, subaguda e crônica. Na maioria dos casos há apenas a primeira fase, enquanto alguns (geralmente mulheres, maiores de 45 anos que tiveram intensa fase aguda) evoluem com as outras fases, que não são virêmicas (PCR negativo).

Poliartrite distal, síndrome do túnel do carpo, síndrome vascular periférica, depressão e cansaço são afecções comuns em pacientes que desenvolveram sua forma crônica.

O diagnóstico deve ser confirmado com sorologias ou RT-PCR.

Tratamento

  • Fase aguda: dipirona ou analgésicos um pouco mais fortes, como tramadol e codeína.
  • Fase subaguda: gabapentina, antidepressivos tricíclicos, corticoide.
  • Fase crônica: hidroxicloroquina, antidepressivos tricíclicos, sulfassalazina, metotrexato.

Zika

Trata-se de uma doença que surgiu no Brasil em meados de 2015, com amplo espectro de sinais e sintomas, no entanto, é autolimitada e mais de 80% dos infectados são assintomáticos.

Sinais e sintomas

  • Febre;
  • Mal-estar;
  • Cefaleia;
  • Conjuntivite não purulenta;
  • Poliartralgia;
  • Edema articular;
  • Rash maculopapular pruriginoso no período da febre (enquanto na dengue esse rash ocorre no período de defervescência), presente em 90% dos sintomáticos.

Apesar de raro, pode ocorrer algumas complicações referentes ao neurotropismo do vírus, como a microcefalia em fetos e a síndrome de Guillain-Barré

O diagnóstico deve ser confirmado com sorologias ou RT-PCR.

Tratamento

O tratamento também é por suporte clínico, com hidratação, antitérmicos e analgésicos.

Febre Amarela

A febre amarela é uma doença febril aguda, de curta duração, de amplo espectro clínico e gravidade variável.

Sua forma urbana já foi erradicada há cerca de 7 décadas, portanto hoje ela é considerada uma arbovirose silvestre

Ainda há risco de reurbanização, porém, especialmente em cidades inseridas em ambientes silvestres tropicais.

A doença é transmitida, em ambientes silvestres, pela picada do mosquito Haemagogus e Sabethes. São seus hospedeiros tanto humanos quanto outros primatas

Em ambiente urbano, antes da erradicação, o Aedes aegypti era o vetor.

Entre 2017 e 2019 houve uma epidemia de febre amarela em várias regiões do país, mas especialmente no sudeste e os casos relatados estavam a uma distância compatível com o alcance do mosquito Haemagogus.

Ciclo de vida do vírus da febre amarela
Ciclo de vida do vírus da febre amarela

Sinais e sintomas

A maioria das infecções – cerca de 90% – é assintomática ou oligossintomática. Dos sintomáticos, de 1% a 60% podem evoluir da forma leve/moderada para a grave ou maligna, esta última apresentando alta taxa de mortalidade, por danos hepáticos.

Abaixo, trouxemos um quadro com as principais diferenças do quadro sintomatológico entre elas:

FORMA SINAIS E SINTOMAS ALTERAÇÕES LABORATORIAIS
Leve/moderada Febre, cefaleia, mialgia, náuseas, icterícia ausente ou leve. Sinal de Faget Plaquetopenia, elevação moderada de transaminases, bilirrubina normal ou discretamente elevada (domínio de direta)
Grave Todos os anteriores, icterícia intensa, manifestações hemorrágicas (melena, hematêmese, entre outras), oligúria, diminuição de consciência Plaquetopenia intensa, aumento de creatinina, elevação importante para transaminases
Maligna Todos os sintomas clássicos da forma grave intensificados, com insuficiência renal aguda e choque Todos os anteriores, coagulação intravascular disseminada

Observa-se então, aumento de ureia, creatinina, bilirrubina, transaminases (às vezes 3x o valor normal) e distúrbios de coagulação. O indivíduo pode desenvolver também encefalopatia hepática.

O diagnóstico deve ser confirmado com sorologias ou RT-PCR.

Tratamento

Assim como as outras arboviroses, não há antiviral para a febre amarela e o tratamento é feito com suporte clínico

Nos casos graves deve-se internar paciente na UTI, podendo fazer hemodiálise, correção hidroeletrolítica e transfusão de plasma ou plaquetas.

Pode-se prevenir a febre amarela com a vacina, que após o surto de 2017, houve disponibilidade para todo território nacional, não apenas nos locais de risco. 

Aos 9 meses recebe-se uma dose, precisando de reforço aos 4 anos. Adultos não precisam de dose de reforço, mas é necessário para as crianças com 5 anos de idade ou mais que receberam a primeira dose antes de completarem essa idade.

Se por acaso um indivíduo nunca tomou a vacina e irá realizar viagens para locais de risco, deverá tomar uma dose pelo menos 10 dias antes da viagem, que é o tempo de efeito da vacina.

Diagnóstico diferencial das Arboviroses

A diferenciação mais importante é entre as três arboviroses mais comuns em ambientes urbanos, cujos sintomas são muito semelhantes. 

Veja abaixo uma tabela que traz as principais diferenças entre os quadros clínicos de dengue, Zika e Chikungunya.

SINAIS E SINTOMAS DENGUE ZIKA CHIKUNGUNYA
Febre

Duração
< 38°C

4 a 7 dias
Sem febre ou subfebril (≤38°C)

1 - 2 dias subfebril
febre alta > 38°C

2 - 3 dias
Rash

Frequência
Surge a partir do quarto dia

30% a 50% dos casos
Surge no primeiro ou no segundo dia

90% a 100% dos casos
Surge 2 - 5 dias

50% dos casos
Mialgia (frequência) +++ ++ +
Artralgia (frequência) + ++ +++
Intensidade da dor articular Leve Leve/ moderada Moderada/ intensa
Edema da articulação Raro Frequente e leve intensidade Frequente e de moderada a intenso
Conjuntivite Raro 50% a 90% dos casos 30%
Cefaleia +++ ++ ++
Hipertrofia ganglionar + +++ ++
Discrasia hemorrágica ++ Ausente +
Risco de morte +++ + ++
Acometimento neurológico + +++ ++
Leucopenia +++ +++ +++
Linfopenia Incomum Incomum Frequente
Trombocitopenia +++ Ausente (raro) ++

Conclusão

As arboviroses são doenças de altíssima incidência, prevalência e grandes causadoras de epidemias – especialmente em países tropicais e épocas de chuva. Portanto, afetam nossa saúde pública como um todo.

Com a presença de fatores como a urbanização, a destruição progressiva de biomas, o uso do subsolo para extração de riquezas minerais e o aquecimento global, é esperado que essas epidemias aconteçam com mais frequência e ainda que surjam outros sorotipos dos arbovírus em questão.

Portanto, a chave aqui é a prevenção. Já possuímos uma vacina eficaz contra a febre amarela, e esforços vêm sendo empregados com algum sucesso no desenvolvimento de uma contra a dengue. As outras arboviroses permanecem sem vacina, por ora.

Medidas de prevenção como a educação a respeito dessas doenças, suas formas de transmissão e a eliminação de seus vetores (os mosquitos) por meio da limpeza de ambientes que contenham lixo e água parada são essenciais.

Leia mais:

FONTES:

  • Dengue: diagnóstico e manejo clínico do Ministério da Saúde
  • Protocolo clínico e diretrizes terapêuticas para febre amarela, Ministério da Saúde
  • Normatizações brasileiras da infecção por Chikungunya
  • Protocolo de vigilância à infecção pelo zika vírus, Ministério da Saúde