As valvulopatias são doenças que afetam as valvas cardíacas, cursando com dificuldades na sua abertura e/ou fechamento.
São condições frequentes na população brasileira, uma vez que uma importante etiologia é a febre reumática, doença muito frequente em nosso meio.
Além disso, as valvulopatias são responsáveis por um grande número de internações, acarretando altos custos à saúde pública. Por isso, o seu reconhecimento precoce é fundamental.
Entretanto, o seu manejo adequado requer experiência clínica do médico, a fim de determinar o diagnóstico anatômico e funcional da valva e a escolha do melhor momento para intervenção cirúrgica nesse paciente.
Portanto, não perca mais um post do EMR sobre esse tema tão importante para a sua prática clínica e prova de residência!
Tipos de valvulopatias
Todas as valvas do coração podem ser acometidas. Exemplo clássico é a valva tricúspide de pacientes usuários de drogas injetáveis com endocardite infecciosa.
Entretanto, as que são mais frequentemente afetadas são as valvas mitrais e a aórtica.
Por isso, faremos uma sequência de posts para abordar essas valvulopatias. Neste texto, daremos ênfase para a estenose mitral e a insuficiência mitral.
Epidemiologia e fatores de risco
A estenose mitral é mais prevalente em mulheres, com as sequelas clínicas sendo mais incidentes a partir dos 30 a 40 anos.
Já a insuficiência mitral acomete até 2% da população geral, manifestando-se comumente na 5ª década de vida.
Como dito anteriormente, um importante fator de risco para as valvulopatias é a febre reumática, consequência da infecção pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A, também denominado Streptococcus pyogenes.
Essa doença é frequente não apenas no Brasil, como em vários países em desenvolvimento.
É estimada uma prevalência de febre reumática de 1 a 7 crianças para cada 1.000. Entretanto, este número aumenta em até 10 vezes quando realizado o screening populacional com o ecocardiograma.
Para mais, outro fator de risco associado com as valvulopatias é a idade avançada. Em pacientes idosos, pode haver calcificação do anel das valvas, podendo atingir os folhetos valvares e, consequentemente, restringir sua movimentação.
Qual a Fisiopatologia das valvulopatias mitrais?
Estenose mitral
A estenose mitral é, na grande maioria das vezes, uma sequela da febre reumática, presente em até 90% dos casos.
Entretanto, as causas degenerativas também são importantes, visto que 10% dos idosos apresentam calcificação da valva. Desses, de 1 a 2% desenvolvem a estenose mitral.
Para mais, outras etiologias também podem estar envolvidas. Como a estenose congênita e a endocardite infecciosa.
Assim, na estenose mitral, há espessamento da valva por fusão comissural e calcificação dos folhetos valvares.
Esse processo de “enrijecimento” da valva provoca resistência na passagem do sangue que chega do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo.
Consequentemente, pode haver dilatação e sobrecarga do átrio esquerdo e, posteriormente, evolução para congestão pulmonar e um edema agudo de pulmão.
Insuficiência mitral
A insuficiência mitral, assim como a estenose mitral, pode ser uma sequela da febre reumática.
Além disso, pode ocorrer devido a um prolapso valvar, cardiomiopatia hipertrófica e isquemia do miocárdio. Bem como devido a endocardite infecciosa e cardiomiopatia dilatada.
Aqui, ocorre a regurgitação do sangue do ventrículo esquerdo para o átrio durante a sístole ventricular, devido a incompetência valvar.
Quais os sintomas das valvulopatias mitrais e quais as complicações?
Para avaliação das valvulopatias, uma boa anamnese e exame físico são fundamentais.
Além disso, elas são classificadas em estágios de A a D, com base em sua história natural, anatomia valvar e repercussões funcionais.
E mais, também são classificadas de acordo com a presença de complicações como hipertensão pulmonar, disfunção ventricular ou fibrilação atrial de início recente e/ou sintomas.
Quadro clínico da estenose mitral
Ao exame físico, evidencia-se o sopro diastólico tipo ruflar em formato decrescente na ausculta cardíaca. E ainda, presença de hiperfonese de primeira bulha e estalido de abertura protodiastólico.
Quando o ritmo é sinusal é observado um aumento do sopro no final da diástole: o reforço pré-sistólico.
Nos pacientes com estenose mitral é preciso estar atento ao surgimento de sintomas clínicos, em especial, a dispneia.
Essa pode surgir quando houver aumento da pressão venocapilar pulmonar, por meio do esforço físico, da gestação e fibrilação atrial. Com o tempo, a dispneia pode ocorrer em repouso, com ortopneia associada.
Para mais, outros sintomas que podem estar presentes são palpitações, hemoptise, disfonia, disfagia, tosse e eventos embólicos.
Vale salientar que, outro possível achado da estenose mitral é a facies mitralis, caracterizada pela palidez facial, tom violáceo nos lábios e cianose nas extremidades. Ela é comum em pacientes que apresentam doença vascular obstrutiva pulmonar grave, bem como baixo débito cardíaco.
Quadro clínico da insuficiência mitral
Essa valvulopatia aumenta a sobrecarga de volume do ventrículo esquerdo. Por isso, o ictus torna-se globoso, e ocorre seu desvio da linha hemiclavicular esquerda.
À ausculta, percebe-se sopro sistólico regurgitativo em platô. A primeira bulha é hipofonética e, a segunda, hiperfonética.
Além disso, em casos mais avançados é possível evidenciar sinais clínicos de insuficiência cardíaca direita, como a turgência jugular e edema de membros inferiores.
Ademais, da mesma maneira como na estenose mitral, a dispneia é o sintoma mais importante que o médico deve estar atento.
Como funciona o diagnóstico?
O diagnóstico inicia-se primeiramente com anamnese e exame físico minuciosos.
Para além disso, o eletrocardiograma (ECG) com 12 derivações deve ser sempre solicitado, uma vez que detecta possíveis repercussões atriais e ventriculares nas valvulopatias.
As sobrecargas atriais podem indicar acometimento de valva mitral.
Além disso, deve-se solicitar um raio-X de tórax para análise da silhueta cardíaca.
Achados como o duplo contorno atrial, elevação do brônquio fonte esquerdo (sinal da bailarina) e abaulamento do arco médio (3º arco) indicam aumento do átrio esquerdo, e estão comumente associados a valvulopatias mitrais.
Outros exames também podem ser solicitados, como: cateterismo cardíaco completo com aferição de pressões em câmaras direita e esquerda, biomarcadores, testes ergométricos e ressonância magnética.
Eles podem auxiliar na definição de sintomas, função ventricular e definição do tratamento do paciente.
Tratamento da doença
O manejo do paciente é clínico e intervencionista.
Entretanto, o tratamento farmacológico, apesar de promover alívio dos sintomas, não muda a progressão da doença.
Tratamento da estenose mitral
O tratamento intervencionista de escolha para pacientes com sequelas da febre reumática é a valvuloplastia mitral por cateter-balão (VMCB).
Entretanto, nos pacientes mais sintomáticos ou com complicações que promovam uma anatomia desfavorável à VMCB, a cirurgia da valva é o tratamento de escolha.
Nesses casos, pode-se realizar a comissurotomia mitral ou, em casos de comprometimento significativo, a troca valvar por prótese biológica ou mecânica.
Nos pacientes com lesões degenerativas da valva, o VMCB também não é uma opção terapêutica.
Para mais, devido a maioria desses indivíduos serem idosos e portadores de múltiplas comorbidades, o risco cirúrgico também é mais elevado.
Nesses casos, opta-se pelo tratamento clínico, com controle da frequência cardíaca por betabloqueadores, bloqueadores de canal de cálcio ou ivabradina.
Em caso de sintomas da hipertensão pulmonar, recomenda-se o uso de diuréticos, em especial os de alça, como a furosemida.
Já quando há evento cardio-embólico prévio, recomenda-se anticoagulação plena, independente do ritmo cardíaco.
Tratamento da insuficiência mitral
O padrão-ouro para tratamento do paciente com insuficiência mitral anatomicamente importante, com etiologia definida e sintomático e/ou com complicadores, é a cirurgia plástica mitral.
São complicadores da insuficiência mitral:
- Disfunção sistólica do ventrículo esquerdo (fração de ejeção [FE] < 60%);
- Dilatação do ventrículo esquerdo (diâmetro sistólico do ventrículo esquerdo [DSVE] ≥ 40 mm)
- Hipertensão pulmonar (Pressão sistólica da artéria pulmonar [PSAP] ≥ 50 mmHg em repouso ou ≥ 60 mmHg ao esforço)
- Fibrilação atrial [FA] de início recente
Entretanto, caso a anatomia não seja favorável, ou o procedimento não possa ser realizado por médico experiente e em hospital capacitado, a cirurgia de troca valvar é indicada.
Conclusão
As valvulopatias são um tema complexo na medicina, que exigem muito estudo e recapitulação de conceitos importantes.
São condições prevalentes na população e, por isso, reconhecer seus sinais e sintomas, bem como os métodos diagnósticos, é fundamental na prática do médico generalista.
Por isso, volte para esse texto sempre que precisar relembrar algum conceito, e fique atento para o próximo post sobre valvulopatias aórticas!
Leia mais:
- Quadro clínico da Cardite Reumática
- Qual o tratamento para o paciente com hipertensão arterial?
- Residência em Cirurgia Cardiovascular: Como É e Rotina
FONTES:
- TARASOUTCHI, F., et al. Atualização das Diretrizes Brasileiras de Valvulopatias – 2020. Arq. Bras. Cardiol., v. 115, n. 4, p. 720-775, out 2020.
- MARTINS, M. R. Manual do Residente de Clínica Médica. 2a edição. Barueri: Manole, 2017.