A febre reumática é a doença inflamatória mais comum entre as crianças e os adolescentes, sendo causada pelo estreptococo beta-hemolítico do grupo A (EBGA).
Ela pode atingir várias partes do corpo como as articulações, o coração, o sistema nervoso central e a pele.
De acordo com o estudo “Febre Reumática: uma doença sem cor”, anualmente, o Brasil tem cerca de 30.00 casos da enfermidade.
Além disso, como ela pode acometer também o coração, 1/3 das cirurgias vasculares no país são realizadas por causa de sequelas advindas da doença reumática cardíaca (DRC), que, segundo o estudo, é um importante problema de saúde pública.
Diante disso, fique sabendo aqui o que é afebre reumática, quais os sinais e sintomas, como realizar o diagnóstico e o tratamento da doença.
O que é febre reumática?
A Febre Reumática é a doença reumática mais frequente em crianças e adolescentes entre 5 e 18 anos.
Ela é considerada uma complicação da faringoamigdalite causada pelo EBGA - responsável também por desencadear o impetigo – e ocorre por causa da resposta imune tardia à infecção.
Assim, a infecção de garganta pode ocorrer, geralmente, em crianças maiores de 3 anos, sendo caracterizada clinicamente pelos gânglios aumentados, dor de garganta, febre e pontos vermelhos ou placas de pus.
Ela começa normalmente, mas depois de duas ou três semanas o paciente pode evoluir e começar a manifestar os sintomas da febre reumática. Por isso a faringoamigdalite é um sinal de alerta importante
Ainda não se sabe o motivo pelo qual as pessoas desenvolvem essa complicação, contudo, é sabido que elas já nascem com uma predisposição genética.
Ademais, existe um processo autoimune no desenvolvimento da doença inflamatória. Dessa maneira, os anticorpos e linfócitos T que são direcionados para combater os antígenos do EBGA acabam reconhecendo as estruturas do próprio organismo como invasoras.
Isso fica ainda mais evidente com o desenvolvimento da temível cardite reumática, sobre a qual falaremos a seguir.
Quais os sinais e sintomas da Febre Reumática?
As manifestações clínicas desta doença inflamatória são divididas em critérios maiores e menores. Os maiores envolvem a cardite, artrite, Coreia de Sydenham e eritema marginado.
Já os menores são: febre, artralgia, intervalo PR prolongado no eletrocardiograma (ECG) e reagentes de fase aguda elevados.
Critérios maiores
Cardite
É a mais temível manifestação da febre reumática, sendo considerada a mais grave, já que pode deixar sequelas crônicas, que podem ser incapacitantes e resultar em óbito.
Ela é conhecida por aparecer precocemente, dentro das primeiras 3 semanas da fase aguda, caracterizando-se pela pancardite.
Assim, existem 4 tipos de cardite: subclínica, leve, moderada e grave. Cada uma delas com seu quadro clínico específico.
Cardite subclínica
Aqui o exame cardiovascular, o raio-x e o ECG são normais, exceto o intervalo PR. No ecocardiograma é possível identificar a regurgitação mitral e/ou aórtica leves com características patológicas.
Para saber quais os critérios ecocardiográficos para o diagnóstico da valvite subclínica observe a tabela abaixo:
Adaptado de Veasy LG (1995) *Espessamento dos folhetos valvares aumenta a especificidade dos achados. Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria
Cardite leve
O paciente apresenta o seguinte quadro: taquicardia desproporcional à febre, sopro sistólico mitral, abafamento da 1ª bulha e área cardíaca normal.
E, tal qual a cardite subclínica, raio-x e ECG normais, exceto o intervalo PR. No ecocardiograma os achados são: regurgitações leves ou de leves a moderadas, com ventrículo esquerdo de dimensões normais.
Cardite moderada
Aqui as apresentações clínicas são mais extensas. Dessa maneira, o paciente pode apresentar taquicardia persistente e sopro de regurgitação mitral mais intenso, sem frêmito, associado ou não ao sopro aórtico diastólico.
Ele apresenta também sinais de insuficiência cardíaca, aumento leve da área cardíaca e congestão pulmonar discreta.
No ecocardiograma, a regurgitação mitral vai de leve a moderada, e pode estar isolada ou associada à regurgitação aórtica de grau leve a moderado e com aumento das câmaras esquerdas, em grau leve a moderado.
Para mais, o sopro de Carey Coombs, extrassístoles, alterações de ST-T, baixa voltagem e prolongamentos dos intervalos do PR e QTc podem estar presentes.
Cardite grave
Aqui os indivíduos apresentam os sinais e sintomas de insuficiência cardíaca, arritmia, pericardite e os sopros mais importante de regurgitação mitral e/ou aórtica podem ocorrer.
Quando se observa o raio-x são identificados a cardiomegalia e sinais de congestão pulmonar significativos. Já no ECG fica clara a sobrecarga ventricular esquerda, e por vezes, direita.
No ecocardiograma visualiza-se uma regurgitação mitral e/ou aórtica de grau moderado a importante, e as câmaras esquerdas estão, no mínimo, com um aumento moderado.
Artrite
A inflamação das articulações é a manifestação mais comum, ocorrendo em 75% dos casos. Ela é caracterizada por ser autolimitada, assimétrica, migratória, e por não deixar sequelas.
As articulações mais acometidas são os joelhos, cotovelos, pulsos e os tornozelos. O indivíduo sofre com dores intensas, que dificultam a deambulação, e com um inchaço e calor discretos.
Por ser migratória, é comum que as alterações passem de um local para outro, permanecendo de 2 a 3 dias em cada um.
Vale salientar que, apenas a presença de dor nas articulações ou pernas não é suficiente para desconfiar desta doença reumática.
Coreia de Sydenham (SC)
Esta manifestação é mais comum em crianças e adolescentes do sexo feminino e acomete em torno de 5 a 36% dos pacientes.
É uma desordem neurológica, pela qual o doente faz movimentos rápidos e incoordenados, que desaparecem durante o sono, e aumentam com o esforço e em momentos de estresse.
Além disso, também é caracterizada pela fraqueza nos braços e pernas, e pela sensibilidade emocional (a criança fica mais chorosa e irritada). A média de duração do surto é de 2 a 3 meses, no entanto, pode chegar a 1 ano.
É importante deixar claro que seu aparecimento costuma ser tardio, ocorrendo meses após a infecção estreptocócica, e que ela pode ser uma manifestação isolada.
Nódulos Subcutâneos
Fonte: PortalPed
Considerados sinais raros, ocorrem em cerca de 2 a 5% dos pacientes e normalmente estão associados a cardite grave.
Os nódulos subcutâneos não têm características inflamatórias, são duros, arredondados, móveis e indolores.
Além disso, variam entre 0,5 e 2 centímetros e costumam se localizar sobre proeminências e tendões extensores.
Assim com a Coreia de Sydenham, o seu aparecimento é tardio, acontecendo entre 1 e 2 semanas após outras apresentações clínicas.
Com o tratamento eles regridem rapidamente e raramente se fazem presentes por mais de 1 mês.
Eritema Marginado
Fonte: PortalPed
Essa também é considerada uma ocorrência rara, que se manifesta em menos de 3% dos pacientes e geralmente acomete membros e tronco, não atingindo a face.
O eritema é caracterizado por ter as bordas nítidas, contornos arredondados ou irregulares e por ter o centro claro.
Para mais, as lesões são múltiplas, indolores e não provocam coceira (não pruriginosas). E mais, elas podem se fundir, resultando em aspecto serpiginoso.
Critérios menores
Artralgia
É uma dor que acomete grandes articulações, mas não provoca incapacidade funcional e não vem acompanhada de sinais inflamatórios agudos.
Febre
Ela ocorre em quase todos os surtos de artrite e sua manifestação é frequente no início do surto agudo, sendo caracterizada por uma temperatura ≥ 38,5ºC.
Reagentes de fase aguda elevados
Eles não são específicos da infecção, mas auxiliam no monitoramento do processo inflamatório e na remissão. São eles:
- Velocidade de hemossedimentação (VHS): elevada nas primeiras semanas;
- Proteína C reativa (PCR): fica elevado no início da fase aguda e diminui no final da segunda ou terceira semana. É considerado melhor do que o VHS para fazer o monitoramento;
- Alfa 1 glicoproteína ácida: utilizada para monitorar a atividade da doença, fica elevada na fase aguda;
- Alfa 2 globulina: também utilizada para fazer o monitoramento da doença, os títulos ficam elevados na fase aguda.
Intervalo PR prolongado no eletrocardiograma
Em crianças quando ele é > 0,18 segundos, e nos adolescentes e adultos quando é > 0,20 segundos, considera-se o intervalo PR prolongado. É possível que o intervalo esteja aumentado mesmo que não haja cardite.
Como diagnosticar a febre reumática no paciente?
O diagnóstico da febre reumática é majoritariamente clínico. Assim, são observadas as apresentações clínicas: como dor e inchaço nas articulações associados a alterações nos exames de sangue (VHS, PCR, alfa glicoproteína).
Além disso, a presença de infecção orofaringe antes das manifestações clínicas da febre reumática são muito importantes para o raciocínio diagnóstico.
Ela pode ser comprovada da dosagem da anti-estreptolisina (ASLO), anticorpo produzido pelo organismo durante ou logo após a faringoamigdalite para combater o estreptococo.
É preciso alertar que somente a ASLO elevada não é necessária para fechar o diagnóstico da doença reumática.
O que são os critérios de jones?
Para estabelecer o diagnóstico da enfermidade, os critérios de Jones são considerados padrão-ouro.
Eles são utilizados não só para diagnosticar o surto inicial, como também para diagnosticar as recorrências.
Assim, para definir se é um episódio inicial ou recorrente, leva-se em consideração se o paciente já teve ou não manifestações da doença inflamatória, e o quantitativo de critérios maiores e menores já citados e detalhados anteriormente.
Confira na tabela a seguir:
*Pacientes podem apresentar apenas poliartrite ou monoartrite; † Endocardite infecciosa deve ser excluída; ‡ Alguns pacientes com recidivas não preenchem esses critérios. Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria
Ademais, para diagnosticar a cardite subclínica em regiões endêmicas, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que seja feito um ecocardiograma.
O raio-x de tórax pode ser utilizado para identificar a cardiomegalia e sinais de congestão pulmonar e o eletrocardiograma é utilizado para investigar sinais de taquicardia sinusal, distúrbios de condução e alterações de ST-T.
E mais, também serve para observar se há baixa voltagem do complexo QRS e da onda T. No entanto, mesmo que o exame seja normal, não é possível excluir o envolvimento cardíaco.
Além do mais, o diagnóstico de cardite não pode ser pautado apenas em anormalidades apontadas no eletrocardiograma.
Diagnóstico diferencial
Baseado nas manifestações características da enfermidade, os diagnósticos diferenciais possíveis são:
- Artrite: rubéola, anemia falciforme, endocardite bacteriana, caxumba e vasculites;
- Cardite: pericardites, perimiocardites, artrite idiopática juvenil e lúpus eritematoso sistêmico. Estes dois últimos também sendo utilizados como diagnóstico diferencial para os nódulos subcutâneos;
- Coreia: encefalites virais, Síndrome anti-fosfolípide e coreia familiar benigna;
- Eritema marginado: Septicemias.
Quais os possíveis tratamentos?
A partir do momento no qual houver a suspeita desta doença é preciso tratar a infecção da orofaringe com uma dose única de penicilina benzatina (600.000 a 1.200.000 unidades) intra-muscular.
A aplicação deve ser realizada a fim de erradicar o estreptococo do organismo. Em crianças com menos de 20kg a dose é 600.000 unidades, já para aquelas a partir dos 20kg a dose é de 1.200.000 unidades.
A penicilina via oral também é uma opção para prevenção da doença inflamatória, assim como a amoxicilina.
A aplicação da penicilina benzatina deve ser aplicada a cada 21 dias (3 semanas), para evitar que ao ter contato com o patógeno novamente, a criança tenha uma recaída. Procedimento chamado de profilaxia secundária.
Você deve estar se perguntando “por quanto tempo é preciso prescrever esse tipo de penicilina?”, aqui está a resposta:
- Paciente já teve febre reumática aguda sem cardite: até 5 anos depois do último surto ou até os 21 anos (o que for mais longo);
- Paciente já teve febre reumática aguda com cardite, mas sem sequelas: até 10 anos depois do último surto ou até os 21 anos (o que for mais longo);
- Paciente já teve febre reumática aguda com cardite e com valvopatia persistente: até 10 anos depois do último surto ou até os 40 anos (o que for mais longo), e, também pode ser considerada por toda vida;
O repouso também faz parte da terapêutica. Assim, o médico deve orientar os pais a manter a criança em casa de repouso relativo (evitar brincar na rua) por pelo menos 15 dias, a fim de acompanhar a evolução das manifestações.
Dessa maneira, se não houver comprometimento cardíaco moderado ou grave ela pode retornar à escola após os 15 dias, mas deve evitar brincar na rua e deve evitar esforço por 2 ou 3 meses.
Do contrário, o paciente precisa ser hospitalizado por cerca de 2 ou 3 semanas, com o objetivo de avaliar melhor as apresentações clínicas e os exames laboratoriais.
Em casos de artrite incapacitante e coréia grave é preciso recorrer a hospitalização. Diante disso, também se faz necessário tratar as complicações com os medicamentos adequados. Confira a seguir.
Cardite
Para controlar o processo inflamatório, em casos de cardite moderada e grave, deve-se utilizar corticoesteroides.
Sendo assim, o tratamento deve ser feito com prednisona (1 a 2mg/Kg/dia), via oral, com a dose máxima diária de 80mg.
Não sendo possível a administração oral, ela pode ser feita via endovenosa, utilizando as mesmas doses.
O tempo total do corticoesteroide deve ser de 12 semanas. Deve ser feita a administração da dose plena por 2 ou 3 semanas, e juntamente, é preciso fazer o monitoramento da doença com a solicitação de exames laboratoriais (PCR e VHS) e clínicos.
Para a cardite leve não existe um consenso quanto ao tratamento podem ou não serem usados os AINES ou podem ser usados os corticoesteroides, mas em doses e com uma duração menor (4 a 8 semanas).
Artrite
A artrite responde muito bem ao tratamento com anti-inflamatórios não esteroides (AINES), desaparecendo entre 24 e 48 horas.
O ácido acetilsalicílico (AAS) é a primeira opção, caso o paciente não possa tomar, o naproxeno passa a ser uma opção.
Em alguns casos, como nas artrites reativas pós-estreptocócicas, o paciente pode não responder muito bem ao tratamento com os medicamentos supracitados, então é indicado o uso da indometacina.
Vale salientar que os corticoides são contraindicados para a artrite isolada.
Coreia
Nos casos leves e moderados é indicado que o paciente evite estímulos externos, sendo assim deve repousar e permanecer em ambiente calmo.
Quando falamos do tratamento medicamentoso indica-se o uso benzodiazepínicos e fenobarbital. Ele é recomendado para os casos graves. Com isso, utiliza-se os seguintes remédios:
- Haloperidol: 1 mg/dia, aumentando 0,5 mg a cada 3 dias, até chegar a 5 mg ao dia;
- Ácido valpróico: 10mg/kg/dia, aumentando 10mg/kg a cada semana até 30mg/Kg/dia;
- Carbamazepina: 7 a 20 mg/Kg/dia.
Para saber se o plano terapêutico está sendo eficaz, é necessário observar o desaparecimento da febre e das principais manifestações clínicas.
Também é preciso ficar atento a normalização do PCR e/ou VHS, e das provas inflamatórias, exames que devem ser solicitados a cada 15 dias.
Além disso, nos pacientes diagnosticados com cardite é recomendado fazer o ecocardiograma, o raio-x de tórax e o ECG 4 semanas após o início do quadro clínico.
Quais os tratamentos para pacientes com alergia à penicilina?
A alergia a penicilina é muito rara, no entanto, caso o paciente seja alérgico, para a prevenção da febre reumática aguda deve-se optar pela claritromicina, azitromicina, clindamicina e cefalosporinas de primeira geração.
Já para a profilaxia secundária a outra opção seria a sulfadiazina. Se o paciente for alérgico aos dois medicamentos é possível recorrer ao uso de um macrolídeo.
Conclusão
A febre reumática é uma complicação da faringoamigdalite que pode gerar sequelas incapacitantes e levar o paciente a óbito, por isso conhecer os sinais e sintomas da inflamação da garganta e da própria doença reumatológica é muito importante.
Isso porque, iniciar o tratamento precocemente pode mudar o prognóstico do paciente, impedindo que ele manifeste sintomas mais graves.
Além disso, a profilaxia secundária com a penicilina benzatina é imprescindível para impedir as recidivas da doença, mantendo o paciente estável.
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