O trauma ocular é uma condição mais comum do que se imagina. Ao contrário do que o senso comum acredita, o manejo inicial do paciente pode ser feito pelo médico generalista, não devendo este ficar a cargo apenas do oftalmologista. Portanto, não perca mais um post do EMR para contribuir com a sua formação!
O que é Trauma Ocular?
O trauma ocular é uma injúria no globo ocular. Pode ser classificado como contuso, quando não há perfuração da região, ou penetrante, quando ocorre a perfuração. Para mais, pode cursar com hipotonia ocular - definida como a diminuição da pressão ocular - e baixa da acuidade visual. E mais, pode cursar ou não com vermelhidão do olho.
Dessa forma, durante a anamnese, é fundamental conhecer a história detalhada do mecanismo do trauma, bem como história de cirurgias e doenças oculares prévias.
Epidemiologia
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), o trauma ocular acomete 55 milhões de indivíduos anualmente. Desses, 23 milhões apresentam pelo menos uma redução significativa da acuidade visual em um olho. Para mais, 70% de todos os traumas oculares, bem como 95% de todos os traumas oculares por causas ocupacionais, afetam o sexo masculino.
A média de idade para o trauma ocular, nos Estados Unidos, é de 29 anos. Assim, as sequelas na visão desses indivíduos, que muitas vezes o acompanham para o resto de suas vidas, comumente atingem essa população em sua idade mais produtiva.
Causas do Trauma Ocular
O trauma ocular pode ocorrer devido a crimes violentos, bem como causas físicas ou por substâncias químicas, por exemplo. Assim, o trauma ocorre por perfuração de objetos metálicos, soldagens e lesão por martelo. Ou ainda, lesão por pregos, unhas, tesouras e galhos. Por fim, também são comuns os traumas oculares por fogos de artifícios e no meio esportivo, por causas acidentais (ex: cotovelo que atinge acidentalmente o olho) ou por bolas.
Anatomia do olho
Para estadiar a severidade da lesão no globo ocular, é fundamental revisar a anatomia do olho. Assim, o olho apresenta três camadas: fibrosa externa (composta por esclera e córnea), que formam a parte externa do olho; a vascular média (composta pela coróide, corpo ciliar e íris); e a pigmentada e nervosa interna, composta pela retina.
A conjuntiva e a córnea são estruturas fundamentais na prevenção de infecções, visto que separam o meio interno do olho do ambiente externo. Além disso, a órbita do olho, para além das três camadas supracitadas, é composta de músculos extraoculares, artéria oftálmica e das veias orbitais superiores e inferiores. Bem como pelo nervo óptico e ossos.
O aumento das veias oftálmicas superior e inferior indicam aumento da pressão no seio cavernoso. Devido às estruturas venosas do olho drenarem para o seio, o aumento da pressão ocular nessas estruturas pode provocar congestão. Além disso, traumas de crânio podem afetar também o seio cavernoso, promovendo a formação de fístulas.
Por fim, quando há algum tipo de trauma ou hemorragia na região orbitária, é possível que ocorra a síndrome compartimental orbitária que, por promover a compressão dos vasos, pode cursar com isquemia de estruturas nobres, como a retina e o nervo óptico.
Apresentação Clínica
A avaliação inicial do trauma ocular deve ser feita após a realização do ABCDE para avaliar o paciente com trauma. Isso porque o olho está localizado próximo a outras estruturas muito importantes, como espaço intracraniano, a medula cervical e as vias aéreas. Assim, a avaliação inicial consiste em dar prioridade para o tratamento de possíveis lesões nessas estruturas, que podem colocar a vida do paciente em risco imediato.
Ao avaliar o olho do paciente com trauma ocular, deve-se investigar primeiramente a acuidade visual. Pode-se avaliá-lo por meio da contagem de dedos (pedir para o paciente contar quantos dedos você tem na mão), movimentos da mão (perguntar se o paciente observa o “vulto” da mão passando) e, por fim, através da percepção luminosa, apontando a lanterna para o olho e perguntando se ele enxerga algo.
A avaliação da acuidade visual tem importante valor prognóstico e, muitas vezes, é a única avaliação que pode ser feita no atendimento inicial do paciente. Além disso, ainda com a lanterna, é possível observar achados como hemorragia subconjuntival volumosa e desvio da pupila (corectopia), ambos achados indicam alta suspeita de perfuração ocular.
Trauma ocular penetrante
O trauma penetrante pode cursar com hemorragia vítrea e falência do corpo ciliar. Bem como descolamento da coróide e da retina, presença de corpo estranho intraocular e infecção ocular (endoftalmite). O paciente pode queixar-se de dor, “olho vermelho” e baixa acuidade visual, podendo variar a depender da extensão da perfuração.
Trauma ocular contuso
Já o trauma contuso pode cursar com achados como o hifema, ciclodiálise e uveíte. E, também, descolamento da coróide e da retina.
O hifema é o sangramento na câmara frontal, localizada entre a córnea e a íris. Assim, o paciente tem a câmara anterior preenchida por sangue, que pode ocupar desde alguns milímetros até a sua totalidade. Além disso, o indivíduo com hifema refere baixa acuidade visual de grau variável e presença de vermelhidão ocular. Nesses pacientes, a pressão ocular pode ser baixa, normal ou aumentada.
Uveíte
O paciente com uveíte queixa-se de dor ocular, visão embaçada e fotofobia. A realização da ectoscopia torna possível observar vermelhidão ocular.
Descolamento de coróide
O paciente com descolamento de coróide pode queixar-se de “visão borrada”, ou mesmo de redução importante da acuidade visual. A vermelhidão ocular pode ou não estar presente. E mais, a depender da extensão do descolamento, o paciente pode apresentar dobras de córnea e reação da câmara posterior.
Descolamento de retina
O indivíduo com descolamento da retina pode ter baixa acuidade visual, ou mesmo perda do campo visual por completo, sendo essa precedida por flashes luminosos e moscas volantes. Para além do trauma, a história clínica de miopia e degeneração retiniana também podem contribuir com o descolamento da retina e, por isso, devem ser questionadas.
Ao exame físico, observa-se defeito pupilar aferente, presença de células pigmentadas em câmara anterior e vítreo anterior. E mais, ao exame de fundo de olho, é possível observar o descolamento, que pode ocorrer ou não em associação com a hemorragia vítrea.
Diagnóstico do Trauma Ocular
Para além da apresentação clínica, exames são fundamentais para a avaliação do paciente com trauma ocular. O paciente com hifema, por exemplo, deve ser avaliado também com um ultrassom (USG) ocular, a fim de descartar possível perfuração ocular oculta e avaliar o segmento posterior do bulbo.
Além disso, a gonioscopia - colocação de lentes de aumento em contato com a córnea do paciente - pode ser muito útil para avaliar condições como a ciclodialise (desinserção das fibras do músculo ciliar). Dessa forma, o médico é capaz de observar em 360º a câmara anterior do olho.
E mais, o exame com lâmpada de fenda é útil para o indivíduo com trauma ocular penetrante. Isso porque o exame promove maior visualização do local, extensão e detalhes da perfuração ocular. E mais, exames de imagem como o USG, tomografia computadorizada ou raio-X simples devem ser utilizados para detectar possível presença de corpo estranho intra-ocular.
Entretanto, esses exames devem ser realizados com muita cautela, visto que, por se tratar de um olho com trauma perfurado, qualquer movimento pode causar extrusão do conteúdo intraocular, agravando ainda mais o prognóstico visual do paciente.
Tratamento do trauma ocular
O tratamento do trauma ocular depende do tipo de lesão sofrida pelo paciente. Assim, em pacientes com hifema, deve-se iniciar o tratamento com uso de colírios corticosteróides e midriáticos, com objetivo de diminuir a inflamação e a dor.
Além disso, deve-se realizar o seguimento do paciente até a completa absorção do hifema. Isso porque, caso a absorção não seja completa é possível que não haja a necessidade de realizar um procedimento cirúrgico para drenagem do sangue.
O indivíduo com uveíte e descolamento de coróide também deve utilizar colírios corticosteróides e midriáticos. Entretanto, nesses últimos, é possível utilizar também corticosteróides sistêmicos, a fim de atuar de maneira mais ativa na inflamação ocular.
Caso não haja reabsorção do descolamento da coróide, a drenagem cirúrgica do descolamento por meio de esclerotomia está indicada. Já no descolamento de retina, o tratamento do trauma ocular sempre é cirúrgico, e o procedimento deve ser realizado o mais brevemente possível.
Por fim, no trauma ocular penetrante, o paciente deve ter seu olho inicialmente ocluído, sem compressão. Deve-se iniciar antibioticoterapia, analgésicos e anti-heméticos sistêmicos. Além disso, o encaminhamento para o procedimento cirúrgico deve ser feito o mais brevemente possível.
Conclusão
O trauma ocular é uma condição muito comum, e que pode comprometer de maneira importante a acuidade visual do paciente. Dessa forma, reconhecer os mecanismos do trauma, saber realizar os testes de acuidade visual, bem como reconhecer os principais achados clínicos são habilidades importantes para o médico generalista!
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FONTES:
- GARDINER, M. F. Overview of eye injuries in the emergency department. UpToDate. 2022.
- Guia de oftalmologia (Guia de medicina ambulatorial e hospitalar da UNIFESP/Escola Paulista de Medicina). Paulo Schor, Wallace Chamon, Rubens Belfort Jr. Barueri, SP : Manole, 2004.