O Suicídio é um tema da psiquiatria que tem ganhado cada vez mais visibilidade e espaço de discussão, principalmente no mês de campanha do Setembro Amarelo. Ele é um dos desfechos em saúde (mortalidade) mais prevalentes na atualidade, abrangendo as mais diversas faixas etárias e integrando os mais diversos fatores etiológicos.
Neste texto vamos abordar o contexto clínico que leva ao suicídio. Esse é um tema de extrema relevância não só para a prática médica, mas também para a levantar a reflexão dentro de nosso cenário social.
O que é suicídio?
O suicídio é tido como "morte por uma lesão autoprovocada em que indivíduo possuía intenções de morrer com essa ação". Dentro dessa definição, podemos especificar também a Ideação Suicida, que é o conjunto de pensamentos passivos ou ativos sobre colocar um fim na própria vida, ambos sem atividade preparatória para o ato.
A Ideação Suicida possui os 5 seguintes tipos:
- 1) Desejo de estar morto;
- 2) Pensamentos suicidas ativos não específicos;
- 3) Ideação ativa com algum método, porém sem planejamento ou intenção;
- 4) Ideação ativa com alguma intenção de agir, mas sem planejamento; e
- 5) Ideação ativa com plano específico e intenção.
É importante que durante o detalhamento de cada quadro, seja identificada a frequência, duração e capacidade de controle da ideação pelo paciente. Para mais, existe a definição de Tentativa de Suicídio, que é um comportamento com potencial para lesão autoprovocada, associada à intenção de morrer através dessa ação. Nesse caso, o indivíduo não obtém o desfecho desejado da morte e a autolesão pode estar presente ou não.
A Tentativa de Suicídio é dividida em 3 tipos:
- 1) Tentativa efetiva;
- 2) Tentativa abortada; e
- 3) Atos ou comportamentos preparatórios.
Fatores associados e Identificação de Risco
O grupo de fatores de risco para o suicídio são classificados em:
- Dinâmicos: variam em duração e intensidade ao longo do tempo, como por exemplo o uso de drogas;
- Estáveis: não variam com o tempo, como o exemplo dos traços de personalidade;
- Estáticos: história clínica, como Tentativas de Suicídio prévias; e
- Futuros: podem ser previstos como futuros agravantes como exposição à um elemento facilitador do suicídio.
Existe outro meio de classificação dos fatores de risco: populacionais, ambientais e individuais. Os fatores populacionais envolvem o desequilíbrio do indivíduo em um contexto social, como isolamento das relações e problemas econômicos. Já os ambientais se referem à fatores de risco como acesso a meios letais, falta de suporte em saúde mental e abordagem incorreta da temática do suicídio nos meios de comunicação.
Ademais, os fatores individuais se subdividem em distais ou predisponentes, mediador ou de desenvolvimento e proximal ou precipitante. Na tabela abaixo estão exemplos da subdivisão dos fatores de risco individuais:
- 1) Distal/predisponente: hereditariedade e traumas no início da vida;
- 2) Mediador/de desenvolvimento: características de personalidade, transtornos psiquiátricos e substância de uso contínuo; e
- 3) Proximal/precipitante: eventos agudos de estresse, uso agudo de substâncias, sentimento de desesperança e ideação suicida.
Dentre todos esses fatores mencionados, devemos nos atentar que os mais os mais influentes são os Transtornos Psiquiátricos (Transtorno de Humor, Transtorno por Uso de Substâncias, Esquizofrenia, entre outros) e a história de Tentativa de Suicídio prévia. Existe uma escala de avaliação chamada de Columbia-Suicide Severity Rating Scale (C-SSRS), desenvolvida para a identificação dos principais fatores que já discutimos:
Formas de tratamento
Antes de falar sobre a Prevenção do Suicídio, falaremos sobre o tratamento a curto prazo durante crises de ideação suicida. O uso de cetamina, antagonista de receptor N-metil-D-aspartato (NMDA), está associado à redução da ideação suicida. Os casos em que há essa redução são aqueles com história prévia de Depressão Unipolar ou Bipolar e ela se mostra mais acentuada dentro do intervalo de quatro horas desde a sua administração.
Similar a esse cenário, a droga Escetamina mostra resultados equivalentes, porém com eficácia de redução de ideação suicida dentro de até vinte e quatro horas após a administração. Além da abordagem farmacológica, os tratamentos psicossociais e comportamentais diretos (aqueles que previnem o ato suicida, diferente dos indiretos, que visam a redução de sintomas associados, como depressão e ansiedade) são efetivos a curto e longo prazo.
As intervenções incluídas nesse tratamento são a Terapia Cognitivo Comportamental (TCC), Terapia Comportamental Dialética (DBT), a busca ativa e resolução de fatores de risco. Por fim, outra proposta de intervenção para tratamento da ideação suicida em pacientes com Transtorno Depressivo Maior e Transtorno Psicótico é a Eletroconvulsoterapia (ECT). Esse método se utiliza de estímulos elétricos transcrânianos que, apesar de não terem o mecanismo elucidado por completo, demonstram funções neuromoduladoras eficazes contra certas condições psiquiátricas.
A partir disso, é importante relembrar que não se deve estigmatizar essa terapia por ter sido popularizada com seu mau uso nas antigas instituições manicomiais, visto que hoje em dia é feito uso de sedativos e o conforto do paciente é integralmente prezado.
Prevenção
Após vermos os inúmeros de fatores de risco para o suicídio, torna-se compreensível a necessidade das intervenções serem as mais abrangentes possíveis, no intuito de combater o máximo elementos com potencial danoso de cada indivíduo. Assim, vamos pontuar abaixo as principais medidas nesse controle de risco de suicídio.
Limite de acesso aos meios
É de suma importância a identificação e restrição dos meios de autolesão que o paciente tem acesso. Os de maior prevalência são os medicamentos, principalmente em grande quantidade e aqueles com maior potencial de overdose, as armas de fogo e os produtos de alto potencial de envenenamento, como pesticidas.
Tratamento dos Transtornos Psiquiátricos
O controle dessas condições por meio de psicoterapia (Terapia Cognitivo-comportamental, por exemplo) e medicamentos psiquiátricos é um ponto chave na prevenção do suicídio. Dentre os fármacos, destacam-se o Lítio no Transtorno Bipolar, Clozapina para a Esquizofrenia e os antidepressivos.
Plano de Segurança
É uma ferramenta de intervenção rápida que ajuda o médico e o paciente a identificar os gatilhos para a ideação e comportamento suicida. Um exemplo é o ED-SAFE, um plano organizado em 6 passos:
- 1) Auxiliar o paciente a identificar e retirar de suas casas meios de autolesão em momentos agudizados de crise;
- 2) Auxiliar o paciente a reconhecer padrões de comportamento de que ele está se encaminhando para uma crise;
- 3) Auxiliar o paciente a aprender a dispersar os pensamentos suicidas em momentos de crise;
- 4) Auxiliar o paciente a fazer uma reflexão e retomar a atenção a suas ''razões para viver";
- 5) Orientar o paciente a registrar contatos de pessoas próximas de confiança que possam dar algum auxílio em momentos de crise;
- 6) Orientar o paciente a registrar o contato de médicos e outros profissionais de saúde para dar suporte em uma emergência.
Posvenção
A partir do âmbito da prevenção citado acima, devemos também nos atentar a outro conceito menos discutido, porém igualmente relevante: a Posvenção. Essa se trata dos cuidados e intervenções aos sobreviventes que passam pelo luto do suicídio de alguma pessoa próxima.O suicídio provoca grande sofrimento nos que permanecem em vida, além de deixá-los com a árdua tarefa de retomarem às suas atividades e dinâmicas habituais mesmo com grande peso e dor psicológica.
As estratégias de acolhimento e cura emocional dessa população, ou seja, posvenção, devem ser operacionalizadas a partir de uma perspectiva da prática clínica e da saúde pública. Entre as estratégias mundias, podemos citar o Plano de Ação de Prevenção ao Suicídio da Nova Zelândia, que inclui informações de posvenção aos sobreviventes, oferecendo as seguintes abordagens:
- Assistência prática imediata;
- Conselhos de autocuidado;
- Informações sobre perda e tristeza;
- Informações sobre requisitos policiais e legais;
- Encaminhamento e conexão com outros serviços de aconselhamento, prestadores de cuidados de saúde primários e outros serviços adequados.
Outro apoio se faz por uma equipe multidisciplinar composta de psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais e enfermeiros treinados na abordagem dessa população passando pelo luto pós-suicídio.
Conclusão
O suicídio é um dos temas de maior ascensão da psiquiatria e vem ganhando grande visibilidade não só para o meio acadêmico, mas para toda a sociedade. Ele é um desfecho de saúde que resulta de diversos predisponentes e fatores de risco que devem ser muito bem identificados pelos profissionais responsáveis. Grande parte de seu manejo vem não só do tratamento imediato, mas de uma prevenção detalhada e planejada. Além disso, é papel do médico e dos profissionais de saúde levantarem a discussão sobre um tema ainda pouco mencionado no contexto do suicídio que é a posvenção.
É nosso trabalho como envolvidos no cuidado do bem-estar dos pacientes que chamemos atenção para a informação sobre suicídio e suas prevenções não só no Setembro Amarelo, mas durante o ano todo!
Leia mais:
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FONTES:
- Nardi, Antonio, E. et al. Tratado de Psiquiatria da Associação Brasileira de Psiquiatria. Disponível em: Minha Biblioteca, Grupo A, 2021.
- Ruckert, Monique Lauermann Tassinari, Frizzo, Rafaela Petrolli, & Rigoli, Marcelo Montagner. (2019). Suicídio: a importância de novos estudos de posvenção no Brasil. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 15(2), 85-91
- Fink, Max MD*; Kellner, Charles H. MD†; McCall, W. Vaughn MD‡. The Role of ECT in Suicide Prevention. The Journal of ECT: March 2014 - Volume 30 - Issue 1 - p 5-9