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Publicado em
22/8/23

Insuficiência Cardíaca: Definição, Diagnóstico e Tratamento da ICFEr

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Insuficiência Cardíaca: Definição, Diagnóstico e Tratamento da ICFEr

A insuficiência cardíaca (IC) é uma doença grave, que afeta mais de 23 milhões de pessoas no mundo. A sobrevida 5 anos após o diagnóstico pode ser apenas de 35%. Além disso, o perfil clínico da IC crônica é de pacientes idosos portadores de diversas etiologias, sendo a etiologia isquêmica a causa mais comum de IC. Observe o esquema abaixo.

Para mais, o Brasil apresenta controle inadequado de fatores de risco importantes para a IC. Entre eles, o controle da hipertensão arterial e a persistência de doenças negligenciadas, como a doença de Chagas e a febre reumática. Assim, os índices dessas causas de IC são maiores em nosso país do que em outros países no mundo.

O apresentador Fausto Silva, o Faustão, faz parte desses 23 milhões de pacientes atingidos pelo problema. Internado desde o último dia 05 de agosto de 2023, ele está no Hospital Israelita Albert Einstein para fazer o tratamento de compensação da insuficiência cardíaca. Por ter o quadro de saúde agravado, no último domingo, dia 20, o boletim médico do hospital informou que o apresentador vai precisar de um transplante cardíaco. Enquanto isso, ele segue fazendo diálise e tomando medicamentos para ajudar a bombear o sangue do coração.

Acompanhe a seguir mais detalhes como classificação e sintomas desta doença.

O que é a Insuficiência Cardíaca?

De acordo com a American Heart Association (AHA), a IC é definida como uma síndrome clínica complexa, que cursa com alterações na função cardíaca, resultando no surgimento de sinais e sintomas de baixo débito cardíaco e/ou congestão pulmonar ou sistêmica. Podendo esses sintomas surgirem no repouso ou nos esforços

Apesar da maioria dos casos de IC cursarem com baixo débito, algumas condições clínicas podem gerar IC com alto débito. São elas a tireotoxicose, a anemia e as fístulas arteriovenosas. Por fim, o beribéri também pode provocar IC de alto débito. Para mais, a IC pode ser classificada de acordo com a fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE), classificação funcional, e conforme os estágios que se encontra. 

Assim, na classificação da IC segundo a FEVE, o paciente pode ser enquadrado na insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (ICFEp), quando apresenta FEVE ≥ 50%; insuficiência cardíaca com fração de ejeção intermediária (ICFEi), com FEVE 40-49%; ou insuficiência cardíaca com fração de ejeção reduzida (ICFEr), quando a FEVE < 40%.

Já na classificação funcional, o paciente é classificado em classes de I a IV de acordo com a gravidade dos sintomas. Baseia-se no grau de tolerância ao exercício, variando desde ausência de sintomas até a presença de sintomas mesmo ao repouso. Observe a tabela abaixo.

Classificação

Classes

CLASSE DEFINIÇÃO DESCRIÇÃO GERAL
I Ausência de sintomas Assintomático
II Atividades físicas habituais causam sintomas. Limitação leve. Sintomas leves
III Atividades físicas menos intensas que as habituais causam sintomas. Limitação importante, porém confortável no repouso. Sintomas moderados
IV Incapacidade para realizar qualquer atividade sem apresentar desconforto. Sintomas no repouso. Sintomas graves
Fonte: Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda, 2018.

Estágios

Já a classificação conforme os estágios enfatiza o desenvolvimento e a progressão da doença. Engloba desde o paciente com maior risco de desenvolver IC, até o paciente com estágio avançado da doença, que pode necessitar da realização do transplante cardíaco. Observe a tabela abaixo.

ESTÁGIO DESCRIÇÃO
A Risco de desenvolver IC. Sem doença estrutural ou sintomas IC.
B Doença estrutural cardíaca presente. Sem sintomas de IC.
C Doença estrutural cardíaca presente. Sintomas prévios ou atuais de IC.
D IC refratária ao tratamento clínico. Requer intervenção especializada.
Fonte: Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda, 2018.

Por fim, a IC pode ser classificada em insuficiência cardíaca crônica ou em insuficiência cardíaca aguda.

O que é insuficiência cardíaca crônica?

A insuficiência cardíaca crônica apresenta natureza progressiva e persistente. Assim, refere-se à cronicidade da doença. Neste texto, daremos ênfase à IC crônica, suas repercussões clínicas, formas de diagnóstico e tratamento.

O que é insuficiência cardíaca aguda

Já o termo IC aguda refere-se a alterações rápidas ou graduais de sinais e sintomas, resultando na necessidade de terapia urgente. É classificada de acordo com três aspectos: síndrome clínica de apresentação (insuficiência ventricular esquerda, IC congestiva, choque cardiogênico e edema agudo de pulmão); tempo de evolução da doença (IC aguda nova ou IC crônica agudizada) e pelo modelo clínico hemodinâmico.

O modelo clínico hemodinâmico enquadra o paciente em 4 categorias: quente-congesto (ausência de baixo débito e congestão); quente-seco (ausência de baixo débito e de quadro congestivo); frio-congesto (presença de baixo débito e quadro congestivo); e frio-seco (presença de baixo débito sem sinais de congestão).

Apresentação clínica

SINTOMAS TÍPICOS SINAIS MAIS ESPECÍFICOS
Falta de ar/dispneia Pressão venosa jugular elevada
Ortopneia Refluxo hepatojugular
Dispneia paroxística noturna Terceira bulha cardíaca
Fadiga/cansaço Impulso apical desviado para a esquerda
Intolerância ao exercício
SINTOMAS MENOS TÍPICOS SINAIS MENOS ESPECÍFICOS
Tosse noturna Crepitações pulmonares
Ganho de peso Taquicardia
Dor abdominal Hepatomegalia e ascite
Perda de apetite e perda de peso Extremidades frias
Noctúria e oligúria Edema periférico
Fonte: Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda, 2018.

Os principais sintomas da IC são a dispneia e a fadiga, sendo essa última comumente atribuída ao baixo débito cardíaco. Já a dispneia na IC é comumente multifatorial, tendo como seu mais importante mecanismo a congestão pulmonar com acúmulo de líquido no interstício ou dentro dos alvéolos. A consequência disso é a presença de respiração rápida e superficial característica.

E mais, o paciente também pode apresentar ortopneia (dispneia em posição deitada), sendo essa uma manifestação mais tardia da IC, e ocorre devido ao aumento da pressão capilar pulmonar

Além disso, o paciente pode apresentar dispnéia paroxística noturna, definida pela presença de episódios agudos de tosse e dispneia que ocorrem à noite, comumente de 1 a 3 horas antes do paciente deitar-se. Manifesta-se através de tosse e sibilos, e provavelmente ocorre devido ao aumento da pressão nas artérias brônquicas, cursando com compressão das vias aéreas e edema intersticial pulmonar.

Para mais, a respiração de Cheyne-Stokes está presente em 40% dos pacientes com IC avançada. Está associada ao baixo débito cardíaco, e ocorre devido a redução da sensibilidade do centro respiratório à pressão parcial arterial do dióxido de carbono (PCO2) e a um tempo circulatório prolongado.

Assim, com a queda da pressão de oxigênio (PO2), e aumento da PCO2, há estimulação do centro respiratório, causando uma resposta de hiperventilação e hipocapnia, seguidas de apneia recorrente. Observe a imagem abaixo e assista ao vídeo exemplificando a presença deste tipo respiratório.

Padrão respiratório da respiração de Cheyne-Stokes. Fonte: ABC da Enfermagem link: https://www.abcdaenfermagem.com.br/respiracao-de-cheyne-stokes/
Padrão respiratório da respiração de Cheyne-Stokes. Fonte: ABC da Enfermagem 

Para mais, sintomas como anorexia, náuseas e saciedade precoce também podem estar presentes. E ainda, dor abdominal e plenitude gastrointestinal, uma vez que a IC pode estar associada ao edema de parede intestinal e a congestão hepática. Por fim, a noctúria é comum no paciente com IC, e pode contribuir para a insônia.

Exame físico na IC

O paciente com quadros mais graves de IC pode ter dificuldades em permanecer em decúbito, e até mesmo de concluir frases. Já a pressão arterial sistólica pode estar normal ou elevada na IC inicial, mas geralmente encontra-se reduzida em casos avançados com disfunção grave de VE. Para mais, a pressão de pulso pode estar reduzida, devido à diminuição do volume sistólico.

Além disso, avaliar as veias jugulares é fundamental para estimar o valor da pressão atrial direita. Sendo essa mais bem avaliada com o paciente deitado e inclinado em 45º. E mais, a presença de ruídos adventícios (estertores/crepitações) resultam da transudação de líquido do espaço intravascular para os alvéolos.

Por fim, o paciente com IC pode apresentar a 3ª bulha cardíaca. Sendo essa bulha um ruído protodiastólico de baixa frequência, que ocorre devido à distensão ventricular súbita, causado pela entrada da corrente sanguínea durante o enchimento ventricular rápido.

Diagnóstico

A suspeita clínica é fundamental para o diagnóstico da IC. A partir dela, deve-se solicitar exames laboratoriais e de imagem, como o eletrocardiograma (ECG). O ECG deve ser solicitado com 12 derivações, objetivando-se avaliar o ritmo cardíaco, possível presença de hipertrofia do ventrículo esquerdo ou infarto agudo do miocárdio (IAM) prévio, bem como determinar a largura do QRS

Para mais, deve-se realizar a radiografia de tórax. Esse exame fornece informações úteis sobre a dimensão e formato do coração, bem como o estado da vasculatura pulmonar. E mais, tem maior valor no contexto da IC aguda, visto que as alterações de congestão pulmonar são mais intensas.

Ainda, o ecocardiograma com doppler é essencial para o diagnóstico, avaliação e condução dos casos de IC. Isso porque fornece avaliação da dimensão e função do VE, bem como avalia possível presença de anormalidades valvares e/ou mobilidade da parede, devido a IAM prévio, por exemplo. O indicador mais utilizado para avaliar a função do VE é a fração de ejeção (FE), que é determinada pelo volume de ejeção sistólico dividido pelo volume diastólico final.

Por fim, os biomarcadores também apresentam importante função no diagnóstico da IC. São eles o peptídeo natriurético do tipo B (BNP) e o fragmento N-terminal do precursor do peptídeo natriurético cerebral (NT-pro-BNP). Valores desses peptídeos abaixo do referencial praticamente excluem possibilidade de IC. 

Observe o fluxograma abaixo sobre como dar seguimento no diagnóstico da IC.

Fluxograma para diagnóstico da IC. Fonte: Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda, 2018.
Fluxograma para diagnóstico da IC. Fonte: Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda, 2018

Tratamento

Para o tratamento da IC crônica, ambas as terapias não farmacológicas e farmacológicas apresentam papel importante na determinação do prognóstico, internações e mortalidade.

Tratamento não farmacológico

Para o paciente com IC, recomenda-se uma dieta com restrição do sódio, evitando-se o consumo > 7g/dia. Para mais, o paciente deve cessar o tabagismo e o etilismo, e iniciar programas de exercício físico para reabilitação cardiopulmonar. E ainda, realizar a vacinação da influenza de forma anual, bem como a vacinação contra o pneumococo.

Tratamento farmacológico da ICFEr

Esquema terapêutico para tratamento da ICFEr. Acrescenta-se o uso de iSGLT2 para o tratamento base da ICFEr, de acordo com as novas diretrizes de 2022. Fonte: Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda, 2018.
Esquema terapêutico para tratamento da ICFEr. Acrescenta-se o uso de iSGLT2 para o tratamento base da ICFEr, de acordo com as novas diretrizes de 2022. Fonte: Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda, 2018

Os pilares para o tratamento da ICFEr consistem no uso de inibidores da enzima conversora de angiotensina II (IECA) ou de bloqueadores de receptores de angiotensina II (BRA). E mais, no uso de betabloqueadores (carvedilol, succinato de metoprolol ou bisoprolol), espironolactona e inibidores do SGLT2.

IECA/BRA

Como mencionado anteriormente, o IECA/BRA são medicações que devem ser usadas por todos os pacientes com ICFEr. Nunca deve ser feita a associação dos dois medicamentos, sendo o BRA indicado em pacientes intolerantes a IECA ou com alergia documentada.

São contraindicações desses medicamentos a creatinina sérica > 2.5 mg/dL e o potássio sérico > 5,5 mEq/L. E mais, são importantes efeitos colaterais do IECA (que podem causar intolerância ao medicamento) a tosse seca (10-20%) e o angioedema (<1%).

Betabloqueadores (BB)

Os betabloqueadores são fundamentais no tratamento da ICFEr. Entretanto, apenas três são utilizados para o tratamento da doença: o carvedilol, o succinato de metoprolol e o bisoprolol. Para mais, outras indicações são a disfunção do ventrículo esquerdo assintomática, controle da frequência ventricular em pacientes com ICFEr e na fibrilação atrial crônica.

Por fim, para pacientes pneumopatas, deve-se optar por betabloqueadores com maior seletividade para os receptores B1, como o bisoprolol e o nebivolol.

Antagonista dos receptores de mineralocorticoides (espironolactona)

A espironolactona está indicada para todos os pacientes com classe funcional de II a IV, em associação com o IECA/BRA e o BB. Apresenta a ginecomastia como importante efeito colateral, visto que a aldosterona (hormônio mineralocorticóide) tem estrutura química parecida com hormônios sexuais e, dessa forma, a espironolactona pode inibir também a produção de hormônios sexuais.

Inibidores do SGLT2

São representantes dos inibidores do SGLT2 (iSGLT2) a empaglifozina e a dapagliflozina. Esses medicamentos são utilizados no tratamento da diabetes mellitus tipo II (DM II), e poderiam ser associados no tratamento da IC no paciente com indicação. Entretanto, nas novas Diretrizes Americanas de Insuficiência Cardíaca (2022), os iSGLT2 são recomendados para todos os pacientes com ICFEr, independente da presença de DM II.

Por fim, outros medicamentos podem ser utilizados no manejo da IC. Entre eles, a ivabradina, para controle da frequência cardíaca, a digoxina, para redução dos sintomas e hospitalizações, e a associação do nitrato com a hidralazina como estratégia vasodilatadora.

Conclusão

A IC é uma condição extremamente comum, que apresenta altas taxas de mortalidade. Reconhecer seus principais sinais e sintomas, bem como os exames mais importantes a serem solicitados e os pilares para o seu tratamento são fundamentais para a sua formação médica!

Leia Mais:

FONTES:

  • FAUCI, Jameson. et al. Medicina Interna de Harrison. Porto Alegre: AMGH, 2020.
  • Rohde LEP, Montera MW, Bocchi EA, Clausell NO, Albuquerque DC, Rassi S, Colafranceschi AS, et al. Diretriz Brasileira de Insuficiência Cardíaca Crônica e Aguda. Arq. Bras. Cardiol. 2018;111(3):436-59.
  • PORTO, C. C. Semiologia Médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017.