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25/11/22

Fibrilação atrial: o que é, diagnóstico, quando anticoagular

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Fibrilação atrial: o que é, diagnóstico, quando anticoagular

A fibrilação atrial (FA) é a arritmia cardíaca sustentada mais comum, e representa um grave problema de saúde pública devido às complicações associadas a essa condição. Entretanto, estimar a prevalência da FA é um desafio, porque a maioria dos pacientes são assintomáticos. Assim, o diagnóstico, comumente, é acidental.

Todavia, sabe-se que sua prevalência aumenta com a idade, uma vez que 95% dos pacientes portadores de fibrilação atrial estão numa faixa etária superior a 60 anos e 10% têm mais de 80 anos. Além disso, essa arritmia é mais comum em homens do que em mulheres, bem como em pacientes brancos do que em negros.

O que é Fibrilação Atrial?

Ilustração da diferença entre a condução elétrica em um coração normal versus na fibrilação atrial. Fonte: Dr Rafael Otsuzi; Link da fonte: https://medicina.ribeirao.br/2019/05/11/fibrilacao-atrial/
Ilustração da diferença entre a condução elétrica em um coração normal versus na fibrilação atrial. Fonte: Dr Rafael Otsuzi

A fibrilação atrial é caracterizada por uma ativação atrial rápida, desorganizada e irregular. Nessa arritmia, há perda da contração atrial e, devido à condução nodal atrioventricular (AV) inadequada, a frequência ventricular torna-se irregular

Quando o tratamento não é instituído, a frequência cardíaca tende a ser acelerada e variável, podendo atingir picos de 120 a 160 bpm. Exceção disso são os pacientes com tônus vagal elevado ou deficiências de condução nodal AV, que podem apresentar-se bradicárdicos.

Causas da Fibrilação Atrial e fatores de risco

A FA pode ser desencadeada de forma aguda por outras doenças subjacentes, como o hipertireoidismo, a intoxicação alcoólica aguda e pelo uso de drogas estimulantes. Sendo essas causas comuns em jovens. E ainda, a arritmia pode ser causada pelo infarto agudo do miocárdio (IAM) e em até 30% dos pacientes que realizaram cirurgia cardíaca, associado a uma pericardite inflamatória.

Fatores de risco para a fibrilação atrial. Fonte: Cardiopapers; Link da fonte: https://cardiopapers.com.br/cancer-aumenta-o-risco-de-ocorrencia-de-fibrilacao-atrial/fa-fatores-de-risco/
Fatores de risco para a fibrilação atrial. Fonte: Cardiopapers 

São fatores de risco para a fibrilação atrial a doença cardíaca subjacente, a hipertensão arterial sistêmica (HAS) e a diabetes mellitus (DM). E mais, a obesidade, a síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) e a embolia pulmonar. O paciente também tem risco aumentado de desenvolver insuficiência cardíaca (IC), e vice-versa: o paciente com IC também apresenta risco aumentado de desenvolver FA.

Por fim, outro importante fator de risco é a estenose mitral. Isso porque, a condição é capaz de causar aumento importante de pressão no átrio esquerdo, contribuindo para o ritmo de contração irregular. Esse dado é ainda mais relevante no contexto brasileiro, visto que há um considerável número de casos de estenose mitral devido à alta incidência de febre reumática.

Fisiopatologia

Fisiopatologia da fibrilação atrial. Fonte: FAUCI, Jameson, 2020
Fisiopatologia da fibrilação atrial. Fonte: FAUCI, Jameson, 2020

No ritmo cardíaco sinusal, o nó sinoatrial gera o estímulo, enviado para o nó atrioventricular e, posteriormente, para os ventrículos através do Feixe de His. Por isso, o nó sinoatrial é o marcapasso do coração. 

Já na FA, há uma desorganização elétrica dos átrios devido a focos de macro reentradas, comumente na região das veias pulmonares e no átrio esquerdo, que formam outras áreas de transmissão de impulsos elétricos. 

Assim, esses são transmitidos de forma desregulada, gerando o ritmo irregular e uma contração desincronizada dos átrios com os ventrículos. Observe a animação abaixo para compreender como se dá esse processo.

Classificação da fibrilação atrial

Para mais, a fibrilação atrial pode ser classificada em paroxística, persistente, persistente de longa duração ou permanente

Fibrilação atrial paroxística

A FA paroxística é definida pela presença de episódios que começam espontaneamente ou por intervenção farmacêutica, e cessam em até 7 dias após seu início. Frequentemente, tem início em focos reentrantes, que são disparados rapidamente nas bainhas musculares atriais, estendendo-se até as veias pulmonares.

Fibrilação atrial persistente

A FA persistente tem duração > 7 dias. O paciente com FA paroxística pode desenvolvê-la, uma vez que esta última está associada a um remodelamento estrutural e eletrofisiológico do átrio. A fibrilação atrial tende a persistir, até que ocorra a cardioversão, que consiste no choque transtorácico a fim de interromper as taquiarritmias de reentrada. 

Fibrilação atrial persistente de longa duração

A fibrilação atrial de longa duração tem duração > 1 ano. Na maioria das vezes está associada a uma fibrose significativa, o que dificulta restaurar e manter o ritmo sinusal. Há um remodelamento eletrofisiológico decorrente da taquicardia atrial crônica. Por isso, a FA tende a promover a FA.

Fibrilação atrial permanente

Na FA permanente, o médico, em conjunto com o paciente, decide que não será mais realizada a tentativa de cardioversão.

Quais os sintomas?

Como mencionado anteriormente, normalmente, a FA é assintomática. Entretanto, sempre que for auscultado um ritmo irregular, deve-se considerar a possibilidade da disfunção.

Para mais, o indivíduo pode relatar queixas de intolerância aos esforços e dispneia. Isso porque a arritmia prejudica a contração efetiva dos átrios e, por isso, ao final da diástole, o átrio não expele completamente os 20% de sangue restantes que formarão o volume sanguíneo. E mais, ele também pode referir palpitações.

Para mais, os primeiros sintomas podem se manifestar devido a complicações como a taquicardiomiopatia que, a longo prazo, cursa com dilatação cardíaca. O paciente pode evoluir com sinais clássicos de IC direita (turgência de jugular, edema de membros inferiores) e/ou esquerdo (dispnéia, crepitações, dispneia paroxística noturno, ortopneia).

O tromboembolismo pulmonar (TEP) e o acidente vascular cerebral (AVC) também pode fazer parte do quadro clínico. Isso porque, devido a não contração efetiva dos átrios, uma região do átrio esquerdo, denominada apêndice atrial, pode ser alvo de formação de trombos. Para além da TEP e do AVC, os êmbolos originários dos trombos podem incluir artérias nos membros, bem como cursar com isquemia mesentérica.

Representação da formação de trombos no coração em fibrilação atrial. A principal fonte de formação de trombos é o apêndice atrial esquerdo, onde o fluxo é relativamente estagnado. Fonte: Dr. Gilberto Nunes; Link da fonte: https://gilbertonunes.com.br/portfolio/fechamento-do-apendice-atrial-esquerdo/
Representação da formação de trombos no coração em fibrilação atrial. A principal fonte de formação de trombos é o apêndice atrial esquerdo, onde o fluxo é relativamente estagnado. Fonte: Dr. Gilberto Nunes 

Diagnóstico

Por ser geralmente assintomática, o diagnóstico dessa arritmia muitas vezes é um achado de exames de rotina. Assim, ele pode se dar pelo eletrocardiograma (ECG), que demonstra ausência de onda P, ritmo irregularmente regular e taquicardia. Assista o vídeo abaixo com um médico analisando o ECG de um paciente com FA.

Como funciona o tratamento para a fibrilação atrial?

O tratamento da fibrilação atrial baseia-se no controle das complicações - como o risco de AVC - e sintomas, bem como no controle dos efeitos hemodinâmicos, da duração da arritmia, e da cardiopatia subjacente ao quadro.

Manejo do paciente instável

Assim, a FA de início recente, e que cursa com hipotensão grave, edema de pulmão ou angina, deve ser tratada com cardioversão elétrica, inicialmente com choque de 200 J sincrônico com o QRS. 

Manejo do paciente estável

No paciente estável, inicia-se o tratamento realizando o controle da frequência cardíaca (FC), a fim de aliviar ou prevenir os sintomas. Assim, utilizam-se os betabloqueadores e/ou bloqueadores de canal de cálcio (verapamil ou diltiazem), objetivando manter a FC < 100bpm.

Após isso, é preciso determinar a duração da fibrilação atrial, caso dure ≤ 48hrs, opta-se por iniciar o tratamento com a cardioversão. Entretanto, na FA > 48hrs ou com duração desconhecida, é necessário iniciar anticoagulantes, como a heparina ou outros anticoagulantes orais, antes de realizar a cardioversão (quando não houver contraindicações). Isso porque a conversão da FA para um ritmo sinusal apresenta alto risco para tromboembolismo.

Representação do risco aumentado de AVC em pacientes com FA. Fonte: MD Saúde; link da fonte: https://www.google.com/search?q=fibrila%C3%A7%C3%A3o+atrial+AVC&tbm=isch&ved=2ahUKEwj1lqCxxIP7AhXjA7kGHZwzBG4Q2-cCegQIABAA&oq=fibrila%C3%A7%C3%A3o+atrial+AVC&gs_lcp=CgNpbWcQAzIGCAAQCBAeOgQIIxAnOgUIABCABDoGCAAQBxAeOgQIABAeOgsIABCABBCxAxCDAToICAAQgAQQsQM6CAgAELEDEIMBOgQIABBDOgcIABCABBAYUN-BG1iHoBtg7KAbaARwAHgAgAHBAYgBtx6SAQQwLjIzmAEAoAEBqgELZ3dzLXdpei1pbWfAAQE&sclient=img&ei=xxxcY7WXMuOH5OUPnOeQ8AY&bih=649&biw=1366#imgrc=YE7O8n4DlApFtM
Representação do risco aumentado de AVC em pacientes com FA. Fonte: MD Saúde 

Dessa forma, antes de realizar a cardioversão, o médico pode optar por:

  • 1) Realizar a anticoagulação 3 semanas antes da cardioversão, e realizar a manutenção dos anticoagulantes por mais 4 semanas após o procedimento, ou;
  • 2) Realizar uma ultrassonografia transesofágica para avaliar a presença de trombos no apêndice atrial esquerdo, sendo essa a via de escolha devido a aproximação anatômica do esôfago com o átrio esquerdo. Quando não houver presença de trombo, realiza-se a cardioversão e, posteriormente, anticoagulação por 4 semanas.

Entretanto, a cardioversão da fibrilação atrial está associada com alto risco de recorrência, podendo essa ser assintomática. Dessa forma, a maioria dos pacientes apresenta indicação para anticoagulação crônica. Assim, essa está indicada para pacientes com estenose mitral, miocardiopatia hipertrófica e com história prévia de AVC

Além disso, o escore de CHA2DS2-VASc pode ser usado para estimar o risco de AVC no paciente com FA. A anticoagulação crônica está indicada para pacientes que apresentam escore ≥ 2, mas pode também ser considerado também para indivíduos com escore de 1.

Escore CHA2DS2-VASc
Descrição Pontos
C Insuficiência cardíaca 1
H Hipertensão 1
A2 Idade (≥ 75 anos) 2
D Diabetes Mellitus 1
S2 AIT e AVC prévio 2
V Doença Vascular (IAM prévio, Dca arterial periférica ou placa aórtica) 1
A Idade (65-74 anos) 1
Sc Sexo (se feminino) 1
Tabela do escore CHA2DS2-VASc. Para cada critério que o paciente preencher, soma-se 1 ou 2 pontos. Fonte: Cardiopapers

Cuidados para prescrição

Os principais medicamentos anticoagulantes para o distúrbio são a dabigatrana, os inibidores do fator Xa rivaroxabana, apixabana e edoxaban, bem como o antagonista da vitamina K varfarina

Em pacientes em uso de varfarina, deve-se realizar o controle do tempo de protrombina através do INR, a fim de avaliar as vias extrínsecas de coagulação, bem como avaliar se esse marcador se encontra dentro da faixa terapêutica.

Já os novos medicamentos anticoagulantes (dabigatrana, rivaroxabana, apixabana, edoxaban) são contraindicados para pacientes com estenose mitral ou prótese metálica. Entretanto, apresentam a vantagem de não necessitarem de controle com exame de sangue, bem como apresentam menos interações medicamentosas que a varfarina.

Conclusão

A fibrilação atrial é a arritmia cardíaca sustentada mais comum. Assim, conhecer a fundo os critérios diagnósticos, bem como o seu manejo em pacientes estáveis e instáveis, é imprescindível. 

Da mesma forma, reconhecer quais pacientes necessitam de anticoagulação crônica, e como realizar tais prescrições é fundamental para todo médico.

Leia mais:

FONTE:

  • FAUCI, Jameson. et al. Medicina Interna de Harrison. Porto Alegre: AMGH, 2020.