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Publicado em
31/10/22

Esofagite Eosinofílica: diagnóstico diferencial com DRGE e tratamento

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Esofagite Eosinofílica: diagnóstico diferencial com DRGE e tratamento

A esofagite eosinofílica (EE) é uma doença recentemente descoberta, sendo reconhecida como uma “doença alérgica” apenas em 1995. Tem prevalência de 1/1.000 indivíduos, sendo mais observada no sexo masculino (3:1), em pacientes caucasianos e na faixa etária entre 35 e 39 anos

O histórico familiar também é um importante fator de risco, elevando o risco de EE em até 80 vezes em parentes de primeiro grau. Para mais, os eosinófilos, células com importante papel imunológico na manutenção da homeostase, estão presentes em todo o trato gastrointestinal, com exceção do esôfago. Entretanto, essas células são evidenciadas no esôfago de pacientes com a doença. 

A esofagite eosinofílica é identificada em até 23% dos pacientes submetidos à endoscopia digestiva alta (EDA) e em até 50% dos pacientes com impactação alimentar.

O que é Esofagite Eosinofílica?

Corte histológico de esôfago de paciente com EE. Neste corte, há intensa presença de eosinófilos, com > 40 células/cga. Fonte: UpToDate, 2022
Corte histológico de esôfago de paciente com EE. Neste corte, há intensa presença de eosinófilos, com > 40 células/cga. Fonte: UpToDate, 2022

A esofagite eosinofílica é definida pela presença de sintomas sugestivos do trato gastrointestinal superior e/ou esofágico, bem como pela presença de ≥ 15 eosinófilos intraepiteliais por campo de grande aumento na biópsia

Vale salientar que, no exame diagnóstico deve-se excluir outras causas de eosinofilia esofágica, como a doença de Crohn, infecções e a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE).

Fisiopatologia

A principal teoria para o surgimento da esofagite eosinofílica é a imunológica. Assim, acredita-se que a exposição a antígenos alimentares e aéreos provoquem disfunção das junções intercelulares do epitélio esofagiano, “aumentando” o espaço entre as células e, consequentemente, facilitando a apresentação de antígenos a camadas mais profundas do esôfago.

Ilustração da resposta imune na EE. Fonte: Dr. Ricardo Veloso https://dr-ricardoveloso.pt/esofagite-eosinofilica/
Ilustração da resposta imune na EE. Fonte: Dr. Ricardo Veloso 

Assim, a resposta imunológica mais preponderante é a TH2, com provável ativação sistêmica de eosinófilos na medula óssea e degranulação destas células, bem como maior ativação de mastócitos. E ainda, nessa doença, há maior formação de imunocomplexos quando comparado a DRGE. Observe a figura abaixo:

Fonte: Biomedicina Padrão https://www.biomedicinapadrao.com.br/2010/10/linfocitos-th1-e-th2.html
Fonte: Biomedicina Padrão

A figura acima representa dois tipos de respostas imunológicas mediante os linfócitos T-CD4, que tem função de identificação e recrutamento de células fagocitárias para destruição de patógenos. Observe que a resposta Th2 recruta predominantemente eosinófilos e mastócitos, liberando a imunoglobulina E (IgE).

Quais são os sintomas e complicações da esofagite eosinofílica ?

O quadro clínico é bastante variável de acordo com a faixa etária do paciente. Assim, em crianças, são comuns as queixas de diminuição do apetite, aversão à comida e pirose. Bem como regurgitação, náuseas e vômitos. E ainda, intolerância alimentar, emagrecimento e distúrbios do sono. Por isso, a esofagite eosinofílica pode causar retardo do crescimento no público infantil.

Já em pacientes adultos, os sintomas mais comuns são a disfagia (93% a 100%) e a impactação alimentar (62%). Devido a esta sintomatologia, é comum que o paciente evite consumo de alimentos sólidos, fracione a dieta ou mastigue mais demoradamente. Dessa forma, é fundamental esclarecer se houve mudança de hábitos alimentares durante a consulta com o paciente.

Para mais, até 75% dos indivíduos apresentam outras doenças atópicas, como asma, rinite e dermatite. Além disso, cerca de 70% apresentaram IgE aumentado. Por isso, a pesquisa desses antecedentes é fundamental durante a anamnese. 

Mais raramente, a esofagite eosinofílica pode cursar com perfuração espontânea do esôfago, denominada síndrome de Boerhaave. Essa é comumente antecedida por impactação alimentar e vômitos induzidos, sendo a dor torácica um importante sintoma sugestivo.

Dessa forma, as principais complicações do distúrbio são as estenoses - devido a fibrose secundária ao processo inflamatório - a impactação alimentar, a perfuração do esôfago e a desnutrição devido à dificuldade alimentar. 

Diagnóstico

O diagnóstico da esofagite eosinofílica se dá através da clínica sugestiva para a doença, da EDA com biópsia, e após a exclusão de causas secundárias de eosinofilia esofágica. Para além das causas comentadas anteriormente, são também causas secundárias e que, portanto, fazem parte do diagnóstico diferencial, as vasculites, a síndrome hipereosinofílica e a gastroenterocolite eosinofílica. E mais, o pênfigo, a hipersensibilidade a medicações e a acalasia.

Idealmente, o paciente com queixas dispépticas deve receber pelo menos 8 semanas de tratamento com inibidor de bomba de prótons (IBP) antes de realizar a EDA. Entretanto, a biópsia do esôfago deve ser solicitada sempre que houver suspeita clínica de disfagia - a fim de excluir causas mais graves, como a neoplasia de esôfago - ou impactação alimentar de causa obscura

Devendo-se requisitar a contagem de eosinófilos intraepiteliais em campo de grande aumento na requisição da biópsia.

Assim, inicia-se a medicação para excluir possibilidade de DRGE e de esofagite eosinofílica responsiva ao IBP, visto que as queixas dessas doenças são muito parecidas. O paciente pode ter sobreposição das esofagites com o refluxo gastroesofágico, e esta medicação pode auxiliar no alívio dos sintomas de ambas as enfermidades.

Fluxograma para diagnóstico da EE. Fonte: Tratado de Gastroenterologia, 2015
Fluxograma para diagnóstico da EE. Fonte: Tratado de Gastroenterologia, 2015

Para mais, não há achados patognomônicos à endoscopia. Entretanto, existem padrões de lesões associadas a esofagite eosinofílica. Entre essas, estão as estrias longitudinais, os anéis esofágicos fixos (“traqueização” do esôfago), e a perda da vascularização normal do órgão, manifestado pela presença de edema ou palidez da mucosa.

Linhas longitudinais no esôfago em exame de EDA. Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria  https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/20035g-GPA_-_Esofagite_Eosinofilica_final-marco.pdf
Linhas longitudinais no esôfago em exame de EDA. Fonte: Sociedade Brasileira de Pediatria

São também achados frequentes as estenoses - como já dito anteriormente - os exsudatos esbranquiçados (microabscessos eosinofílicos) e o esôfago em “papel crepom”. Neste último achado, a mucosa esofágica encontra-se muito friável, havendo descolamento da mucosa apenas pela passagem do aparelho endoscópico, devido ao importante grau de inflamação.

Imagens de esôfago na EDA. Fonte: IGASTROPED https://www.igastroped.com.br/esofagite-eosinofilica-manejo-dietetico-e-nutricional/
Imagens de esôfago na EDA. Fonte: IGASTROPED

Na imagem à esquerda, observa-se a “traqueização” do esôfago. Esse achado é assim denominado porque o órgão fica semelhante aos anéis observados na traqueia. Já na imagem à direita, observa-se a presença de pequenos pontos esbranquiçados por toda a mucosa: os microabscessos eosinofílicos. O achado se assemelha muito à candidíase esofágica e, por isso, a biópsia é fundamental para realizar o diagnóstico diferencial

Para mais, em crianças, são mais comuns os achados de alterações inflamatórias na EDA (linhas longitudinais, exsudatos esbranquiçados, alterações na vascularização). Já em adultos, são mais comuns os achados de “traqueização” e estenoses.

Tratamento da doença

Os principais objetivos do tratamento da esofagite eosinofílica são a melhora qualidade de vida, através da diminuição dos sintomas de disfagia e impactação alimentar, a redução do risco de injúria esofágica e a prevenção do remodelamento esofágico decorrente do processo inflamatório. Assim, a terapêutica baseia-se nos 3D’s: dieta anti-inflamatória, drogas e dilatação esofágica

Dieta anti-inflamatória para a esofagite eosinofílica

A dieta anti-inflamatória é o tratamento de primeira linha para a esofagite eosinofílica em crianças e adultos. Isso porque os pacientes apresentam alta taxa de alergia alimentar (15% a 43%), o que pode contribuir para o desenvolvimento da esofagite eosinofílica. 

Assim, recomenda-se iniciar dieta elementar, a retirada de alimentos baseada em testes alérgicos (ex: prick test), ou a eliminação empírica de 6 grupos alimentares alergênicos: leite, soja, trigo, ovo, amendoim e peixes/crustáceos. Neste último, após a remissão dos sintomas, cada grupo é reintroduzido individualmente com intervalo de 4 a 6 semanas, observando-se a presença de sintomas e alterações histológicas.

Drogas

No tratamento medicamentoso, o uso dos IBP e dos corticosteróides tópicos também está na primeira linha do esquema terapêutico. No tratamento com inibidores de bomba de prótons, recomenda-se iniciar com dose habitual da droga de escolha, inicialmente por até 8 semanas. Caso não haja melhora dos sintomas em até 4 semanas, recomenda-se dobrar a dose do IBP.

Para mais, a maioria dos pacientes com esofagite eosinofílica responde bem ao uso de corticosteróides tópicos. Dessa forma, recomenda-se o uso da fluticasona ou da budesonida.

Dilatação esofágica

A dilatação esofágica é efetiva no alívio dos sintomas de disfagia, entretanto, não altera o processo inflamatório. Ela é comumente recomendada para pacientes com falha das terapias mais conservadoras, mas pode ser indicada de início para pacientes com estenoses importantes. Observe o vídeo abaixo, que demonstra como é realizada uma dilatação esofágica.

Para mais, é importante recordar que a dilatação esofágica apresenta riscos para o indivíduo, podendo cursar com perfuração esofágica (5 a 7%), sangramentos e dor torácica. Assim, recomenda-se realizar dilatação ≤ 3mm por sessão. Por isso, muitas sessões podem ser necessárias até atingir diâmetro esofágico ideal de 15 a 18mm.

Conclusão

A esofagite eosinofílica é uma doença cada vez mais diagnosticada, tendo importante prevalência na sociedade. Por isso, compreender seus principais sintomas, bem como o fluxograma para diagnóstico e a diferenciação com a DRGE se tornam imprescindíveis. Além disso, compreender o papel dos IBP, corticosteróides tópicos e da dieta anti-inflamatória na evolução da doença é fundamental no manejo do paciente.

Leia mais:

FONTES:

  • ROTHENBERG, M. E. Eosinophilic esophagitis (EoE): Genetics and immunopathogenesis. UpToDate. 2020. 
  • BONIS, P. A. L., GUPTA, S. K. Clinical manifestations and diagnosis of eosinophilic esophagitis (EoE). UpToDate. 2022. 
  • BONIS, P. A. L., GUPTA, S. K. Treatment of eosinophilic esophagitis (EoE). UpToDate. 2022.
  • Gastroenterologia Tratado de Gastroenterologia - Da Graduação à Pós-graduação, Schilioma Zaterka, Jayme Natan Eisig, eds. 2ª ed., São Paulo: Editora Atheneu, 2016.