A talassemia, também conhecida como anemia do mediterrâneo, é uma doença hereditária, onde a hemoglobina é produzida de forma anômala.
A OMS estima que cerca de 60.000 crianças gravemente afetadas pela talassemia nascem a cada ano.
Causa uma série de impactos, e esse post irá abordar como identificá-los, diagnosticar e tratar!
O que é talassemia?
A doença é um tipo de hemoglobinopatia hereditária, no qual há uma produção prejudicada da hemoglobina, gerando anemia.
É também conhecida como anemia do mediterrâneo por ter surgido em regiões próximas ao mediterrâneo onde a malária é ou era endêmica.
Pode ser classificada em dois tipos: alfa e beta. Na alfa, o erro de produção ocorre nas cadeias alfa da globina, enquanto na beta o erro encontra-se nas cadeias beta.
Fisiopatologia da talassemia
A fisiopatologia do problema se deve à existência de um gene que causa o erro na produção de cadeias de globina alfa ou beta.
Esse erro causa um desequilíbrio na proporção entre as cadeias alfa e beta, já que elas devem estar pareadas.
Essas cadeias não pareadas causam problemas com a maturação dos glóbulos vermelhos e levam a eritropoiese ineficaz, anemia hemolítica, sobrecarga de ferro e complicações decorrentes.
Talassemia alfa
Neste caso, existem quatro genes alfa, dois herdados de cada pai. A alteração em algum deles, causa produção reduzida de alfa e acúmulo de beta.
A gravidade do fenótipo aumenta com a perda de um (talassemia alfa mínima), dois (talassemia alfa menor), três (doença da hemoglobina H) ou quatro (Hb Bart) alelos alfa globina funcionais.
Na Hb Barts, a morte fetal geralmente ocorre entre o final do segundo e o meio do terceiro trimestre ou algumas horas após o nascimento, por hidropsia fetal.
Talassemia beta
Já neste tipo, existem dois genes de globina beta, um herdado do pai e um da mãe. A alteração genética causa produção reduzida de cadeias beta e acúmulo de alfa.
As variantes podem ser com redução parcial da expressão da globina beta ou total. A gravidade correlaciona-se com a quantidade de redução.
Pode ser classificada em talassemia beta dependente de transfusão ou não dependente de transfusão.
Pode também ser classificada em minor (Hb>10 g/dL) , intermediária (Hb entre 8 e 10 g/dL) e major (Hb<8 g/dL), a depender do grau da anemia. O quadro clínico é mais severo com maior gravidade da anemia.
Os indivíduos dependentes de transfusão são aqueles que necessitam de transfusões regulares devido a anemia grave e/ou complicações significativas de hematopoiese extramedular.
Sintomas
As manifestações clínicas variam de assintomático a anormalidades graves, a depender do grau de alterações genéticas e cadeias funcionais.
Inclui anemia grave, hematopoiese extramedular, déficits esqueléticos e sobrecarga de ferro.
Algumas outras alterações incluem:
- Osteoporose (23%);
- Hematopoeiese extramedular (21%);
- Hipogonadismo (17%);
- Colelitíase (17%);
- Trombose (14%).;
- Hipertensão pulmonar (11%);
- Função hepática anormal (10%);
- Úlceras nas pernas (8%);
- Hipotireoidismo (6%);
- Insuficiência cardíaca (4%).
Anemia
A presença e grau da anemia vai depender de diversos fatores, como: número de cadeias funcionantes, genótipo, idade do paciente, comorbidades, fatores ambientais.
A hemoglobina pode chegar a níveis abaixo de 3 a 4 g/dl. Aparece hipocromia, microcitose acentuada, morfologia anormal de hemácias e contagem aumentada de eritrócitos.
Os locais de hematopoiese extramedular se expandem, causando anormalidades esqueléticas, hepatoesplenomegalia e aumento dos rins.
Os pacientes que necessitam de transfusões estão mais susceptíveis a infecções, medicamentos e deficiências nutricionais.
Complicações da hemólise e da hematopoiese extramedular
A hemólise aumentada causa uma série de complicações, que incluem icterícia e cálculos biliares (mais raramente colecistite e colangite) e hepatoesplenomegalia.
Já a hematopoiese extramedular causa alterações esqueléticas, incluindo deformidades faciais (como protuberância frontal), mudança no habitus corporal (alterações na forma do crânio, pelve e coluna), osteopenia e osteoporose, massas ósseas e dor.
Complicações da sobrecarga de ferro
A sobrecarga de ferro é comum na anemia do mediterrâneo, causada pela eritropoiese ineficaz, que aumenta a captação de ferro intestinal.
O excesso de reservas de ferro pode causar toxicidade no fígado, coração e outros órgãos, já que pode haver deposição do mineral nesses órgãos. Essa situação pode ser evitada com quelação de ferro desde a infância.
A sobrecarga ainda pode causar anormalidades endócrinas e metabólicas, como hipogonadismo, hipotireoidismo, resistência à insulina e diabetes, e prejuízo no crescimento.
No coração, pode gerar insuficiência cardíaca e arritmias.
No pulmão, pode gerar hipertensão pulmonar e anormalidades pulmonares, como defeitos restritivos e obstrutivos das pequenas vias aéreas, hiperinsuflação, diminuição do consumo máximo de oxigênio e limiares anaeróbios anormais.
Além disso, os riscos tromboembólicos nesses pacientes são bem maiores, devido um estado de hipercoagulabilidade. Outras alterações comuns são úlceras de perna e risco aumentado de câncer.
Como diagnosticar a talassemia?
O diagnóstico é feito baseado na história pessoal e familiar e nos resultados de exames laboratoriais.
Anamnese e exame físico
Buscar história familiar da disfunção, determinando gravidade, e de outras hemoglobinopatias.
A não presença de história familiar, porém, não exclui diagnóstico já que ambos os pais podem ser assintomáticos.
Buscar idade de início de sintomas (quanto mais antigo, indica maior gravidade), a gravidade dos sintomas e um exame físico sugestivo.
Exames laboratoriais
O teste inicial é um hemograma completo, com revisão do esfregaço sanguíneo e estudos de ferro.
Pode-se fazer também, análise da hemoglobina, testes genéticos e avaliação da medula óssea.
Os achados incluem: anemia microcítica, inclusões de eritrócitos, alta contagem de reticulócitos, sinais de hemólise (LDH e bilirrubina indireta altos, haptoglobina baixa e teste de Coombs negativo) e contagem normal de leucócitos e plaquetas.
Sobre o ferro, normalmente o nível de ferro sérico e a saturação de transferrina encontram-se aumentados, já a ferritina sérica costuma ser normal.
A análise (eletroforese) da hemoglobina e testes genéticos são necessários para confirmar.
Diagnóstico diferencial
O principal diagnóstico diferencial da talassemia é deficiência de ferro, anemia por deficiência crônica, anemia inflamatória, doenças hepáticas e outras anemias hereditárias.
Tratamento
O objetivo do tratamento é corrigir a anemia, reduzir a eritropoiese ineficaz, prevenir excesso de ferro e tratar complicações.
Formas de tratamento
Uma das formas de tratamento, para aqueles que necessitarem é a transfusão sanguínea de forma regular ou em situações específicas.
Para a sobrecarga de ferro, deve-se monitorar estoques de ferro e realizar a quelação do ferro.
Pode-se usar também a droga luspatercept, um agente subcutâneo que melhora a maturação de hemácias, ou considerar esplenectomia ou transplante alogênico de células hematopoiéticas.
Para anemia, recomenda-se suplementação de ácido fólico (1 a 2mg/dia) para aqueles com evidência de hemólise contínua.
Ademais, deve-se tratar as comorbidades de forma individualizada.
Conclusão
A talassemia é uma doença desafiadora, devido às suas numerosas complicações. Pode impactar gravemente a vida de uma pessoa portadora.
Para isso, faz-se necessário entender seus sintomas, como diagnosticar e o manejo. O dia 05/08 é o dia internacional da anemia do mediterrâneo, importante para a divulgação desta doença que deve ser bem conhecida por todos os profissionais de saúde.
Leia mais:
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- Anemia falciforme: o que é, quais as causas e tratamento
- Entenda como se dá o metabolismo do ferro
FONTES:
- BENZ, Edward; ANGELUCCI, Emanuele. Diagnosis of talassemia (adults and children). UpToDate, 2022.
- BENZ, Edward; ANGELUCCI, Emanuele. Management of talassemia. UpToDate, 2022.
- BENZ, Edward. Pathophysiology of talassemia. UpToDate, 2022.