A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é reconhecida como uma das disfunções de maior prevalência do aparelho digestivo, segundo dados da Organização Mundial de Gastroenterologia. Apesar de seguir um padrão de apresentação clínica, ele tende a variações. Por essa característica, é um importante diagnóstico diferencial dentro das patologias do trato gastrointestinal.
Definição
A Síndrome do Intestino Irritável (SII) é uma doença funcional - quando não existe ou não se reconhece substrato orgânico causador da condição - do sistema digestivo que baseia-se na sua sintomatologia de dores abdominais e alterações de hábitos intestinais. Sua subclassificação acontece de acordo com o hábito intestinal predominante: SII com predominância de constipação, SII com predominância de diarreia, SII com hábitos intestinais mistos e SII não-classificada.
Fisiopatologia
Apesar de não ser um mecanismo completamente elucidado, supõe-se que advém de uma anormalidade no eixo cerebral-entérico envolvendo liberação indevida de componentes neuroendócrinos que geram o comando de dismotilidade, distúrbio de sensibilidade e secreção. Essa desordem neurológica altera a percepção dolorosa do paciente, que pode apresentar hipersensibilidade à dor (hiperalgesia visceral) em outros órgãos da cavidade abdominal.
A problemática afeta similarmente a questão da motilidade por estímulo nervoso indevido, podendo gerar tanto constipação quanto diarreia. Além disso, outro componente importante é a inflamação colônica associada ao prejuízo da função imunológica e disbiose.
Por fim, o quesito emocional também entra na fisiopatologia da Síndrome do Intestino irritável, já que o Hormônio liberador de Corticotropina (CRH), que é secretado em situações de estresse, tem impacto na motilidade e sensibilidade entérica. Também existem condições psiquiátricas que podem estar associadas, são elas: Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno Depressivo Maior e Transtorno de Somatização.
Apresentação Clínica
A sintomatologia é a essência da Síndrome do Intestino Irritável, levando especialistas a desenvolver um critério de abrangência global para maior eficiência do diagnóstico clínico. Esse critério chama-se de Roma IV:
Diagnóstico do subtipo de SII
Para diagnosticar os subtipos devemos considerar os seguintes parâmetros:
Após a classificação inicial da SII devemos nos atentar aos sinais de alerta para doenças orgânicas subjacentes que necessitam de uma avaliação mais detalhada:
Considera-se suspeito também o indivíduo que inicia os sintomas depois dos 50 anos. O exame físico tende à normalidade no geral. No exame abdominal, não há visceromegalia aparente e nem outras massas palpáveis. Pode haver percussão timpânica e dor difusa à palpação profunda. O toque anal e retal também não apresenta alterações.
Diagnóstico
Pela inexistência de alterações físicas, o diagnóstico da síndrome do intestino irritável é basicamente clínico. Dessa forma, achados laboratoriais, endoscópicos e radiológicos são de pouco valor, ficando restritos para casos em que ainda seja preciso realizar algum diagnóstico diferencial. Dentre os diagnósticos diferenciais, é importante descartar:
- Intolerância à lactose e doença celíaca - suspeitar delas a partir da coleta de queixas na anamnese e da piora de sintomas associados à ingestão desses alimentos.
- Parasitoses intestinais - atentar-se à áreas de maior prevalência dessas infecções.
- Disfunção tireoidiana - principalmente hipotireoidismo e hipertireoidismo.
- Tumores de cólon - é importante a associação com histórico familiar dessa neoplasia e fatores de risco do paciente.
Tratamento
O manejo da Síndrome do Intestino Irritável é baseado em 3 pilares: o esclarecimento da condição para o paciente, a mudança de hábitos e o tratamento medicamentoso.
Durante a explicação da patologia para o indivíduo, algumas dúvidas são características. É importante a elucidação da falta de necessidade de exames, a não-relação com tumores intestinais, a possibilidade de recorrências dos sintomas mesmo após o período de remissão e a inexistência de tratamento definitivo. Para mais, tentar levar ao paciente um entendimento do mecanismo da Síndrome do Intestino Irritável de uma maneira palpável e de acordo com o nível de compreensão do indivíduo.
Mudanças de hábitos
No que diz respeito aos hábitos e estilo de vida, as mudanças implementadas vão ser escolhidas baseadas na individualidade de cada um. Isso ocorre pois os alimentos a serem evitados vão ser restringidos a partir do relato de desconforto trazido ao consultório. Geralmente, esses são: alimentos gordurosos (propensos a gerar diarreia) e alguns cereais, leguminosas, frutas, verduras e líquidos gaseificados (intensificam o surgimento de gases e grande queixa de meteorismo).
+Ainda dentro do aspecto alimentar, especialistas utilizam o acrônimo FODMAP (fermentable oligosacharides, disacharides, monosacharides and polyols) para fácil identificação dos alimentos que potencialmente causam os sintomas.
Tratamento medicamentoso
O tratamento por meio de medicamentos ficará restrito aos momentos de exacerbação dos sintomas e poderá ser suspenso nos momentos de remissão. Essa etapa do manejo foca em controlar a alteração de motilidade intestinal e hipersensibilidade visceral. Para o alívio da dor da Síndrome do Intestino Irritável são recomendados os BCC (Bloqueadores de Canal de Cálcio) e Anticolinérgicos/espasmódicos. Ambos promovem relaxamento do músculo liso e atuam de modo diferente quanto ao modelo de SII: promovem diminuição da motricidade nos casos de diarreia e diminuem a espasticidade nos casos de constipação.
Outras classes medicamentosas podem ser empregadas:
Por fim, a 2ª Edição do Tratado de Gastroenterologia traz uma nova proposição do uso de antimicrobianos nos casos com meteorismo, que por vezes é a queixa que mais gera incomodo ao paciente. O esquema geralmente é feito com Metronidazol ou Ciprofloxacina por um período de 10 dias. Os probióticos também estão ganhando espaço na reconstituição da flora intestinal que é um potencial influenciador de meteorismo.
Conclusão
A Síndrome do Intestino Irritável é uma doença sem causa aparente, que gera alterações de hábito intestinal, variando entre diarreia e constipação, além de causar fortes dores abdominais. Seu diagnóstico é clínico e seu tratamento consiste em alívio dos sintomas. Com um bom controle alimentar e uso dos medicamentos indicados, o paciente consegue um bom controle da condição e a recuperação de sua qualidade de vida!
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FONTES:
- ZATERKA, Schilioma. Tratado de Gastroenterologia: da graduação à pós-graduação. 2ª Edição. Editora Atheneu.
- Martins, Mílton De Arruda, et al. Clínica Médica, Volume 4: Doenças do Aparelho Digestivo, Nutrição e Doenças Nutricionais. Editora Manole, 2016.