A Síndrome de Sjogren é uma doença inflamatória, autoimune e reumática extremamente prevalente e de causa desconhecida. Epidemiologicamente, é a segunda doença reumática autoimune mais comum entre todas as populações. Essa síndrome tem predileção por mulheres (10:1) na faixa de idade peri e pós-menopausa, entre 40 e 60 anos de vida, apesar de mais raramente também afetar crianças e idosos. Seu curso é progressivo caso não tenha patogênese controlada pelo tratamento.
Abaixo iremos entender os pontos essenciais da caracterização clínica, diagnóstico e possibilidades de manejo.
O que é Síndrome de Sjogren?
A Síndrome de Sjogren (SS) é uma doença crônica autoimune caracterizada por disfunção de glândulas endócrinas após sua infiltração linfocitária. A tríade característica dessa condição é a xeroftalmia (olhos secos por dano às glândulas lacrimais), xerostomia (boca seca por danos às glândulas salivares e evidências de um processo autoimune mediando esses outros dois sintomas citados. Esse último tem como evidência o aumento de níveis séricos de autoanticorpos circulantes.
A SS pode acontecer de forma isolada, denominando-se primária, ou acompanhando alguma outra doença autoimune sistêmica já identificada, denominando-se secundária. Exemplos dessa doença autoimune sistêmica: Lúpus Eritematoso Sistêmico, Artrite Reumatoide e Esclerose Sistêmica.
Quais os sintomas?
Ao buscar o serviço de saúde, a maioria dos pacientes irá narrar um aparecimento insidioso de mais de um dos seguintes sintomas: Síndrome Sicca (quadro discutido adiante), sintomas inespecíficos de fadiga, problemas de sono, ansiedade e/ou depressão e sintomas específicos de alguns órgãos por manifestação sistêmica no trato gastrointestinal, sistema musculoesquelético e/ou pulmonar.
Síndrome Sicca
É a denominação do quadro clínico de sintomas glandulares que inclui Xeroftalmia, Xerostomia, Xerodermia e Dispareunia, sendo esse último apenas no sexo feminino. Abaixo estão características específicas dos dois elementos principais da Síndrome Sicca:
- Xeroftalmia: é a deficiência na produção de lágrimas que acarretará ressecamento dos olhos. Esse sintoma evolui gradualmente com o tempo e pode causar outros sintomas associados, como prurido ocular, hipersensibilidade, fotossensibilidade, fadiga ocular e redução de acuidade visual.
- Xerostomia: haverá a diminuição da produção de saliva pelas glândulas salivares, gerando a sensação de ressecamento oral. Além disso, pode vir acompanhada de dores de garganta, dificuldade de fala, disfagia, odinofagia e interrupção do sono para hidratação. As úlceras orais podem estar presentes, mas são mais comuns em pacientes com Lúpus Eritematoso Sistêmico
Manifestações Extraglandulares
As manifestações extraglandulares da Síndrome de Sjogren são comuns e geralmente multi-sistêmicas. Na tabela abaixo está um resumo de suas frequências
Durante o exame físico, atentar-se aos sinais físicos da Síndrome de Sjogren. No exame geral, poderá haver febre baixa, caso a febre seja alta, poderá indicar doença maligna. Na pele, a vasculite será visível como púrpuras palpáveis, púrpuras planas ou vasculite urticária. Nos olhos, o exame pode apresentar ceratoconjuntivite, conjuntivite bacteriana e perda visual. No exame oral, há a diminuição ou ausência da saliva visível, candidíase oral, língua hiper lobulada ou sem papilas e múltiplas cáries dentárias.
Diagnóstico
O diagnóstico de Síndrome de Sjogren acontece através da mensuração de secura ocular ou da secura bucal em combinação com achados autoimunes subjacentes. Além disso, autoanticorpos circulantes podem também estar positivos na doença e, apesar de não necessariamente serem patognomônicos,são de grande valor diagnóstico. Os principais deles são os anticorpos: anti-RO, anti-LA, FAN, fator reumatoide (RF) e a hipergamaglobulinemia policlonal.
Exame Oftalmológico
O exame dos olhos deve conter a avaliação da função lacrimal através do teste de Schirmer e da coloração da superfície do globo ocular. O teste de Schirmer se trata da colocação de fitas presas na pálpebra inferior com medidas escritas, que passarão 5 minutos sendo umedecidas e no final indicarão o grau de lacrimejamento ocorrido. Esse esse se divide em momento com anestesia e momento sem anestesia ocular.
Já o teste com cores faz o uso do corante de lissamina verde na conjuntiva e fluoresceína na córnea. Essas substâncias colorem o estroma da córnea e conjuntiva, evidenciando caso haja desvitalização de alguma porção de células secundária ao dano prolongado de atrito e falta de lubrificação.
Exame das Glândulas Salivares
Nessa parte do exame, é mensurado o volume de produção de saliva com e sem estimulação olfativa, chamado de Sialometria. É um teste relativamente simples em que, durante o exame, o paciente expele toda a saliva produzida a cada um minuto durante 5 a 15 minutos em um recipiente. Após o término desse tempo, o conteúdo é pesado e o volume determinado.
Além disso, alguns exames de imagem podem ser empregados para a melhor avaliação das glândulas salivares (parótidas, submandibulares e sublinguais). Esses exames são a Sialografia, em que é injetado contraste e capturado por Raio X, Ressonância magnética e Tomografia Computadorizada. As alterações morfológicas podem ser a dilatação dos ductos terminais (sialectasia) e a perda da ramificação dos ductos dentro da glândula.
Por fim, apesar de não essencial para o diagnóstico, a biópsia de glândulas salivares mostrará um padrão histológico de inflamação crônica e infiltrado de linfócitos B e T, além da alteração das células epiteliais demonstrando mudança de formato e padrão de adesão.
Como funciona o tratamento
Infelizmente, ainda não há uma cura para a Síndrome de Sjogren e seu tratamento se baseia no controle dos sintomas, além da prevenção de complicações.
Na Síndrome Sicca, o tratamento foca no alívio da Xeroftalmia e da Xerostomia. Localmente, a secura ocular vai ser controlada com uso colírio ou gel de lubrificação e, caso não haja melhora significativa, emprega-se uma Solução Oftálmica de Ciclosporina. Sistemicamente, a xeroftalmia tende à melhora com o uso oral de Cevimelina e Pilocarpina de dosagem específica para cada caso.
Já na Xerostomia, a opção de tratamento de primeira linha é a estimulação mecânica, olfativa e gustativa das glândulas salivares. Caso esse não seja suficientemente eficaz, há a opção da Eletroestimulação Intraoral em busca de uma maior secreção dessas glândulas. Lembrando que os medicamentos orais citados anteriormente (Cevimelina e Pilocarpina) também possuem atuação nas glândulas salivares e não só nas lacrimais. Consultas periódicas com o odontologista são imprescindíveis para a saúde dentária e bucal.
Diante das manifestações extraglandulares, outros medicamentos podem ser empregados. Caso haja envolvimento do interstício pulmonar, pode-se utilizar terapias com esteróides e agentes imunossupressores (Ciclofosfamida). Dito isso, é importante a compreensão e o cuidado por parte do médico, visto que algumas literaturas trazem a associação da Ciclofosfamida com o desenvolvimento de linfomas.
Dentro das manifestações extraglandulares, as mais frequentes (90%) são as osteoarticulares, principalmente as artralgias e artrites. Para essas condições, é indicado o uso de AINEs ou Acetaminofeno para o alívio sintomatológico, adicionando Hidroxicloroquina caso os AINEs não sejam suficientes para melhora de Sinovite.
Conclusão
A Síndrome de Sjogren é uma doença reumática, sendo a segunda doença autoimune mais comum dentro da especialidade de Reumatologia. Ela se baseia essencialmente no infiltrado linfocitário nas glândulas exócrinas lacrimais e salivares, podendo acometer secundariamente diversas outras partes do corpo.
O quadro clínico vai se caracterizar principalmente pela hipoatividade das glândulas lacrimais e salivares, causando a xeroftalmia e a xerostomia, além de outros sintomas e sinais advindos dessa falta de lubrificação oral e oftálmica. Ainda não foi descoberta a cura dessa condição, mas o tratamento de alívio da sintomatologia se mostra suficientemente bom para a melhora da qualidade de vida dos pacientes que possuem a Síndrome de Sjogren.
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FONTES:
- DynaMed. Sjogren Syndrome. EBSCO Information Services. Accessed November 2, 2022.
- Hochberg, Marc C. Reumatologia. Disponível em: Minha Biblioteca, (6th edição). Grupo GEN, 2016.
- https://emedicine.medscape.com/article/332125-treatment#d1