A anamnese é um instrumento para realizar decisões diagnósticas e terapêuticas corretas acerca das queixas da paciente.
Após o término dessa, deve-se realizar o exame físico de maneira sistematizada.
Durante o exame, a paciente pode sentir-se ansiosa pela exposição frente ao médico, ou apreensiva por receio de sentir dor. Ou ainda, assustada frente ao que o médico pode encontrar.
Por isso, manter a paciente informada do que se pretende fazer durante o exame físico é a melhor estratégia para ter sua cooperação.
As habilidades necessárias para a realização do exame físico são a inspeção, palpação, percussão e a ausculta.
Exame físico geral
Ao exame físico geral, deve-se ter atenção ao estado geral da paciente, bem como ao seu aspecto físico, muscular e do tecido adiposo, e ao seu trofismo em geral.
Além disso, devem ser anotados nessa sessão a pressão arterial (PA) da paciente, bem como seu peso, estatura e frequência cardíaca.
E, se necessário, a temperatura corporal. E mais, deve ser calculado seu índice de massa corporal (IMC).
As fácies, mucosas oculares e da boca também devem ser analisadas e deve ser realizado o exame da tireóide e presença ou não de linfonodos cervicais.
Além disso, é nesse momento que a ausculta pulmonar e cardíaca são realizadas. Observe a tabela abaixo para descrição da ausculta, quando essa se encontra normal.
ACV: RCR em 2T, BNF S/S (Aparelho cardiovascular: ritmo cardíaco regular em dois tempos, bulhas normofonéticas sem sopros).
AR: MV + AHT (Aparelho respiratório: murmúrios vesiculares presentes em ambos hemitórax).
Para mais, no exame físico geral, deve-se realizar o exame do abdome.
Exame do abdome
O exame do abdome deve ser realizado com a paciente em decúbito dorsal, com abdome totalmente despido, e deve ser iniciado com a inspeção estática.
Inspeção estática
Na inspeção estática, deve-se avaliar o tipo de abdome (globoso, plano, escavado...), bem como a presença de possíveis cicatrizes, abaulamentos e distensões. E mais, possíveis retrações e equimoses.
Inspeção dinâmica
Posteriormente, deve ser feita a inspeção dinâmica, pedindo-se para a paciente realizar a manobra de Valsalva.
Ausculta
Após a inspeção, deve-se iniciar a ausculta dos ruídos hidroaéreos. Recomenda-se iniciar pelo mesogástrio, auscultando posteriormente todos os quadrantes.
Os ruídos hidroaéreos, quando normais, comumente manifestam-se a cada 10 segundos, e sua ausência após 2 minutos de ausculta está associada ao íleo paralítico ou a irritação peritoneal difusa.
Percussão
Após a ausculta, inicia-se a percussão. Nesse momento, deve-se procurar identificar distensões gasosas, visceromegalias, massas sólidas ou líquido na cavidade abdominal.
Como na ausculta, a percussão deve ser feita em todos os quadrantes.
Palpação
Posteriormente à percussão, realiza-se a palpação. São avaliadas a mobilidade ou não de possíveis massas abdominais e pélvicas, bem como sua consistência - se sólida, cística.
Além disso, percebe-se se há sensibilidade álgica da paciente e/ou visceromegalias.
Observe abaixo como devem ser descritos o exame do abdome normal.
ABD*:Abdome globoso, com ausência de cicatrizes, abaulamentos, distensões, retrações ou equimoses. Ausência de abaulamentos à manobra de Valsalva. RHA +** em todos os quadrantes. Timpânico à percussão de todos os quadrantes. Indolor à palpação superficial e profunda, com ausência de massas e VMG***.
*Abdome
**Ruídos hidroaéreos presentes
***Visceromegalias
Após o exame do abdome, examinam-se os membros inferiores, a procura de varizes ou edema, e a coluna vertebral. Posteriormente, inicia-se o exame ginecológico.
Exame ginecológico
O exame ginecológico é composto pelo exame das mamas, exame pélvico e exame de órgãos genitais externos e internos.
Por fim, realiza-se o toque vaginal e, quando necessário, o toque retal.
Exame das mamas
Para examinar as mamas, devem ser feitas sua inspeção estática e dinâmica, bem como a palpação das mesmas e de linfonodos regionais.
Inspeção estática
Para realizar a inspeção estática, a paciente deve estar sentada, e o examinador deve se posicionar à sua frente.
Observa-se as mamas quanto a sua simetria, volume e mobilidade, bem como possíveis retrações e abaulamentos.
Por fim, é importante a avaliação dos mamilos, descrevendo possíveis desvios, secreções ou áreas descamativas.
Inspeção dinâmica
Na inspeção dinâmica, pede-se que a paciente contraia a musculatura peitoral, a fim de evidenciar abaulamentos e retrações mamárias não visualizadas na inspeção estática.
Observe as imagens abaixo para compreender como devem ser realizadas essas manobras.
Palpação
Nesse momento, realiza-se a palpação dos linfonodos regionais e das mamas.
Palpação dos linfonodos
Para o exame dos linfonodos, é importante avaliar primeiramente se são palpáveis. Posteriormente, devem ser descritos seu tamanho, consistência e mobilidade.
Assim, deve-se palpar as axilas e fossas supra e infraclaviculares, a fim de evidenciar um aumento dos linfonodos dessas regiões.
Para mais, é importante lembrar que, caso se deseje realizar a palpação dos linfonodos axilares direitos, o braço direito da paciente deve estar apoiado no braço direito do examinador. A mão esquerda do médico realiza a palpação da axila esquerda.
Ao avaliar os linfonodos axilares esquerdos, a mesma ordem deve ser seguida. Observe a imagem e as explicações abaixo.
Na imagem acima, na figura A é possível ver a paciente sentada em frente ao examinador, que usa a mão direita para levantar o braço direito da paciente.
Com a mão esquerda espalmada, faz-se a palpação deslizante do oco axilar e nas proximidades.
Já para a palpação da a axila esquerda, mostrada na figura B, o braço esquerdo é levantado com a mão esquerda e palpa-se a axila com a mão direita.
Palpação das mamas
Após isso, com a paciente em decúbito dorsal e com os braços estendidos posicionando as mãos atrás da nuca, examina-se o tecido mamário pressionando a mama contra o gradiente costal, observando-se se há presença ou não de nódulos.
Para a palpação das mamas, podem ser utilizadas as técnicas de Velpeaux ou Bloodgood.
Quando presente, o nódulo também deve ser descrito quanto a sua localização, características, tamanho e mobilidade.
Finaliza-se o exame das mamas procurando a expressão papilar, em busca de presença de secreções serosas, lácteas ou sanguinolentas.
Caso a descarga papilar seja positiva, deve-se realizar a coleta para análise laboratorial.
Observe abaixo como o exame normal das mamas pode ser preenchido no prontuário.
Inspeção estática: pele íntegra, mamas pendulares e grandes, simétricas, mamilos normais, ausência de abaulamentos ou retrações.
Inspeção dinâmica: ausência de retrações ou assimetrias.
Palpação: sem nódulos ou linfonodos palpáveis, parênquima homogêneo.
Expressão papilar: ausência de descarga papilar.
Exame pélvico
Esse exame deve ser feito com a paciente em decúbito dorsal, com a pelve despida e a bexiga vazia. A paciente pode adotar a posição de litotomia ou a posição de Sims.
A partir disso, serão realizados os exames dos genitais externos e internos.
Além disso, nesse momento, é preciso observar a região anal da paciente, a fim de evidenciar possíveis alterações.
Observe como pode ser descrito no prontuário o e exame da região anal e do reto.
Região anal e reto: ausência de hemorroidas, verrugas, fístulas, fissuras, plicomas ou tumorações.
Exame dos genitais externos
No exame dos genitais externos, deve-se avaliar todas as partes anatômicas da genitália externa.
Assim, observa-se os grandes e pequenos lábios, o clítoris e a uretra. Além disso, verifica-se se há procidência das paredes vaginais, que pode ser anterior ou posterior.
Para mais, solicita-se que a paciente realize a manobra de Valsalva novamente. Essa manobra acentuará possível procidência, ou poderá facilitar a visualização da presença de ruptura perineal.
E mais, também deve-se avaliar linfonodomegalias através da inspeção e palpação do monte de Vênus e da cadeia ganglionar bilateral.
Além disso, avalia-se também as glândulas de Skene e de Bartholin que, quando acometidos por infecções, podem tornar-se aumentadas e com sensibilidade dolorosa.
Observe abaixo como pode ser descrito o exame dos genitais externos no prontuário.
INSPEÇÃO VULVAR:
Pilificação: distribuição de pelos adequada para a idade
Grandes lábios: conformação normal, eutrófico, sem lesões ou edemas, simétricos
Pequenos lábios: conformação normal, eutrófico, sem lesões ou edemas, simétricos
Clítoris: pequeno, eutrófico, sem sinais de inflamação
Uretra: sem sinais de irritação
Glândulas de Bartholin: não palpáveis, sem sinais de inflamação
Hímen: roto
Perda urinária: ausente
Procidência: procidências vaginais anterior e posterior ausentes.
Exame dos genitais internos
Para avaliação dos genitais internos, realiza-se o exame especular, a fim de expor o colo uterino. Durante esse exame, realiza-se o teste das aminas e o teste de Schiller.
Esse, quando evidenciado pela paciente a rotura himenal, deve ser feito com o espéculo de Collins.
Entretanto, caso o exame precise ser feito na paciente virgem, utiliza-se o espéculo de Pederson, que apresenta válvulas com diâmetro mais fino.
Assim, com a exposição do útero, realiza-se a coleta da citologia cervicovaginal, também denominado exame preventivo ou exame de Papanicolau.
E mais, o colo uterino comumente será puntiforme em nulíparas, e transverso em multíparas.
Além disso, é fundamental a visualização de possíveis nódulos, eversões da endocérvice ou irregularidades, como as lesões vegetantes. E ainda, possíveis secreções de aspecto não fisiológico.
Em caso de presença de secreção vaginal anormal, essa deve ser colhida a fim de identificar o agente causador.
Teste das aminas (Teste de Whiff)
Além de colher a amostra, a adição de uma gota de hidróxido de sódio (KOH) a uma gaze contendo essa secreção é um teste muito útil para identificar possível vaginose bacteriana.
A vaginose bacteriana ocorre pelo desbalanço das bactérias normais da flora vaginal, cursando com a proliferação da Gardnerella vaginallis.
Essa bactéria, ao entrar em contato com o KOH, irá realizar liberação de aminas com odor característico.
Assim, quando esse odor é presenciado, o teste das aminas é dito positivo, favorecendo a suspeita de vaginose bacteriana.
Teste de Schiller
O exame especular pode ser finalizado com o teste de Schiller. Primeiramente, deve-se realizar a limpeza do colo uterino com solução salina. Após isso, realiza-se a coloração do colo uterino com solução saturada de iodo.
O vacúolo de glicogênio no citoplasma das células normais da exocérvice será corado ao entrar em contato com a solução de iodo, conferindo uma coloração marrom-escura. Nesse caso, o teste será iodo positivo e Schiller negativo.
Todavia, em outras células, como células endocervicais ou neoplásicas, esses vacúolos não estão presentes.
Assim, a coloração dessas células com a solução de iodo irá conferir uma coloração iodo-clara, e o teste será iodo negativo e Schiller positivo.
Entretanto, quando a paciente apresente alergia ao iodo, é possível realizar a coloração do colo com ácido acético. Esse atua desidratando as células do colo de forma homogênea, e desidrata mais intensamente na presença de células atípicas.
Observe abaixo como o exame especular pode ser descrito no prontuário.
EXAME ESPECULAR:
Vagina: normocorada, ausência de lesões ou abaulamentos, muco cervical de aspecto fisiológico, pregueamento preservado.
Colo uterino: OCE* transverso, Schiller negativo, Iodo positivo, zona de transformação não visualizada.
Presença de secreção vaginal patológica? Ausência de secreção patológica, Whiff negativo.
*OCE: Orifício Cervical Externo
Toque vaginal
O exame do toque vaginal pode ser unidigital (dedo indicador) ou bidigital (dedo indicador e médio).
Nesse momento, observa-se as paredes vaginais, bem como sua elasticidade e rugosidade. E mais, sua consistência, posição, e o direcionamento do colo uterino.
A consistência do colo é cartilaginosa. Entretanto, na gestação, o colo torna-se amolecido devido às alterações hormonais.
Posteriormente, realiza-se o toque bimanual com a mão apoiada sobre o hipogástrio, a fim determinar o posicionamento do útero. Para isso, é fundamental que a bexiga esteja vazia.
A localização mais comum do útero é a anteversoflexão (AVF), sendo seu formato piriforme e sua consistência, enrijecida. Entretanto, o útero também pode encontrar-se em retroversoflexão (RVF) e medioversoflexão (MVF).
Ademais, ainda no exame bimanual, deve-se avaliar as dimensões das tubas e ovários, a fim de identificar a presença de massas tumorais, que podem ser císticos, sólidos ou sólido-císticos.
Entretanto, é importante saber que os anexos, na ausência de alterações, não são palpáveis..
Por fim, é também importante a palpação do fundo de saco de Douglas, que pode apresentar nodulações ou tumorações.
Em caso de dor à mobilização do colo uterino, associada à dor à palpação dos anexos, deve-se levantar suspeita de doença inflamatória pélvica aguda (DIPA).
Observe abaixo como pode ser descrito o toque vaginal no prontuário.
TOQUE VAGINAL
Vagina: Normoelástica, normoaquecida, ausência de massas ou abaulamentos, sem ressecamentos.
Colo do útero: colo ginecológico, centralizado, móvel, fechado
Corpo do útero: AVF, consistência normal, e superfície lisa
Anexo D*: não palpáveis
Anexo E*: não palpáveis
Paramétrios: livres
Toque retal
O toque retal não é essencial durante a realização do exame ginecológico.
O exame pode ser realizado em mulheres com queixas específicas, como dores pélvicas, sintomas retais e suspeitas de útero retrovertido e fixo, por levantar suspeitas para uma possível endometriose pélvica.
É importante lembrar que luvas devem ser trocadas após o exame do toque vaginal, para evitar contaminação do reto com agentes da flora vaginal.
Conclusão
O exame físico ginecológico pode ser desafiador na prática médica, e saber o seu passo a passo, bem como interpretar seus achados, é imprescindível.
Leia esse texto mais de uma vez, consulte livros de ginecologia e assista a vídeos que auxiliem no entendimento de como realizar esse exame!
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