Câncer de medula óssea pode ser definido como uma proliferação celular descontrolada que se acumula na medula óssea, localizada no interior dos ossos, onde ocorre a hematopoiese (formação de glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e plaquetas).
O histórico familiar, tabagismo, a Síndrome de Down e as síndromes mielodisplásicas são os principais fatores de risco.
Não há rastreio para o câncer de medula óssea, mas é recomendado que o diagnóstico seja feito de maneira precoce, assim que identificar os sintomas e achados laboratoriais.
Para isso, é importante identificar os achados das principais neoplasias da medula óssea: Leucemia Mieloide Aguda, Leucemia Linfocítica Crônica e Mieloma Múltiplo.
Leucemia
Leucemias surgem a partir de mutações em células sanguíneas que provocam uma proliferação descontrolada.
Nas leucemias agudas a maioria das células presentes no sangue são blastos, enquanto nas crônicas há presença de células maduras e funcionantes.
Elas podem ser classificadas também como mieloides ou linfoides, a depender de qual célula hematopoiética sofreu a mutação.
Logo, é importante entender as linhagens mieloide e linfoide da hematopoiese, ilustradas na imagem abaixo.
Leucemia Mieloide Aguda
Definição
A Leucemia Mieloide Aguda (LMA) é um câncer de medula óssea caracterizado pela proliferação descontrolada de blastos mieloides, que são incapazes de continuarem a hematopoiese e amadurecerem.
Seu acúmulo na medula óssea prejudica a formação de outras células normais, gerando pancitopenia.
Esta é a leucemia mais comum no mundo, encontrada principalmente em países orientais. Sua prevalência aumenta com a idade, sendo o tipo mais frequente nos idosos.
Fisiopatologia
A mutação em um blasto leva a sua proliferação descontrolada e incapacidade de maturação. Esse acúmulo de blastos - primeiramente na medula óssea - impede a hematopoiese regular, gerando leucocitose e pancitopenia.
A leucocitose ocorre às custas de blastos sem funções fisiológicas e a pancitopenia gera anemia, maior propensão a infecções, febre neutropênica e possíveis hemorragias, pela plaquetopenia.
Além disso, quando estes blastos alcançam a corrente sanguínea periférica aumentam a viscosidade sanguínea, a infiltração de órgãos e, eventualmente, causam falência orgânica, principalmente do baço, fígado e linfonodos.
Vale salientar que, quando a neoplasia está ainda restrita à medula óssea, o termo utilizado é a leucemia aleucêmica, que representa 5% dos casos diagnosticados.
Quadro Clínico
A tríade clássica deste câncer de medula óssea é astenia, febre e hemorragia (gengivorragia, petéquias e hematomas).
Pode haver leucoestase, gerando cefaleias, dispneia e CIVD (Coagulação Intravascular Disseminada).
Além disso, pode-se evidenciar hepatoesplenomegalia, linfadenopatia e dor óssea. A hiperplasia gengival também é um achado importante, principalmente encontrado na leucemia mielomonocítica (tipo M4).
Classificação e Diagnóstico
A classificação dos subtipos da Leucemia Mieloide Aguda é feita de acordo com o sistema FAB (French, American, British), onde se tem os tipos M0 a M7.
O tipo M0 é o que possui pior prognóstico, por suas células clonais serem a mais indiferenciada (stem cell).
Confira a seguir:
Para a confirmação da leucemia é necessária a presença de menos de 20% de blastos em mielograma ou sangue periférico.
Além do mielograma, é importante solicitar imunofenotipagem e RT-PCR para analisar o tipo de LMA e a mutação envolvida.
Tratamento
O tratamento deste tipo de câncer de medula óssea é realizado com quimioterapia, com fases de indução da remissão e consolidação, sendo o transplante de medula óssea alogênico recomendado em alguns casos específicos.
O tipo M3, leucemia promielocítica aguda - apesar de gerar inicialmente sintomas mais graves no paciente - é o que possui maior chance de cura, pois, atualmente existem medicações específicas (ATRA e ATO) para estes blastos que estimulam sua maturação.
Leucemia Linfocítica Crônica
Definição
A leucemia linfoide crônica (LLC) é o tipo de câncer de medula óssea mais comum no ocidente, ocorrendo principalmente em idosos.
Nela há um acúmulo de linfócitos B maduros, mas que são incapazes de virarem plasmócitos e produzir imunoglobulinas.
Importante saber que esse acúmulo não ocorre devido a uma proliferação descontrolada – ao contrário das outras leucemias – mas sim por conta de uma meia-vida celular muito longa.
Quadro clínico
Geralmente é assintomática no momento do diagnóstico, e, normalmente, é identificada através de exames laboratoriais de rotina, que demonstram alta contagem de leucócitos.
O paciente pode apresentar febre, astenia, perda de peso, sudorese noturna e hepatoesplenomegalia numa minoria dos casos.
A anemia comumente é normocítica normocrômica, mas pode ser hemolítica em alguns pacientes, gerando icterícia.
Complicações deste tipo de leucemia são infecções e transformação de Richter (linfoma Não Hodgkin, geralmente o difuso de grandes células B).
Diagnóstico
O diagnóstico pode ser confirmado quando houver leucocitose de linfócitos B (> 5000/L) e presença de marcadores de LLC na imunofenotipagem (CD5, CD19, CD20...).
Tratamento
O tratamento para este tipo de câncer de medula óssea é um pouco controverso, já que, geralmente, é incurável apenas com quimioterapia e não são todos os pacientes que precisam de terapia no momento do diagnóstico, apenas os sintomáticos.
Inibidores de BTK (zanubrutinibe) costumam oferecer uma sobrevida significativa e revertem a imunodeficiência do paciente. O uso de fludarabina em associação com outras drogas é extensamente utilizado como primeira linha.
Mieloma Múltiplo
Definição
Neste tipo de câncer de medula óssea, de causa desconhecida, a célula clonal é o plasmócito, o que leva a uma produção exacerbada de imunoglobulinas.
Essas proteínas estimulam a liberação de citocinas que irão causar principalmente doenças ósseas e distúrbios de coagulação.
Quadro clínico
Fase assintomática (GMSI ou mieloma indolente)
É a gamopatia monoclonal de significado indeterminado (GMSI), que pode evoluir ou não para o mieloma múltiplo.
Mesmo sem sintomas, nestes pacientes é encontrada uma proteína monoclonal >3 g/dL, mas sem proliferação de plasmócitos malignos.
Fase sintomática
A alta proliferação de plasmócitos e proteínas monoclonais em altas concentrações (maiores que a albumina até), levam a hiperviscosidade sanguínea. Isso irá liberar citocinas que estimulam osteoclastos, levando assim a destruição óssea.
Os sintomas então costumam ser cansaço, dor óssea, sede, náuseas, cefaleias e formação de muitos hematomas. Pode haver também neuropatias periféricas.
Devido ao acúmulo de plasmócitos na medula óssea, há um comprometimento da produção de outras células, o que leva a imunodeficiência e alta propensão a infecções.
Achados laboratoriais:
- Anemia
- Leucopenia
- Aumento de creatina e ureia 🡪 a disfunção renal é causada pelo acúmulo de cilindros (sedimentação de imunoglobulinas nos túbulos renais).
- Presença de hemácias em rouleaux (pilhas de hemácias – alta sedimentação) no hemograma. Não é um sinal patognomônico, mas pode ser indicativo de mieloma múltiplo.
Achados Radiológicos:
- Plasmocitomas (massa que pode comprimir estruturas adjacentes).
- Lesões em sal e pimenta nos ossos (destruição óssea).
Diagnóstico
O diagnóstico de mieloma múltiplo ativo (fase sintomática) é confirmado quando há plasmocitose medular maior do que 10%.
Tratamento
Para a GMSI ou mieloma múltiplo assintomático nenhum tratamento é atualmente recomendado, apenas observação para verificar se irá evoluir para o mieloma múltiplo ativo.
Ainda hoje, o mieloma múltiplo ativo não possui cura, pois, mesmo após sessões de tratamento, sempre há recidivas (geralmente a cada 2 anos). Apesar disso, o tratamento existente melhora a qualidade de vida do paciente significativamente.
A terapia consiste no uso de um imunomodulador (talidomida), inibidor de proteassoma (bortezomib) e dexametasona, seguido de transplante de medula óssea autólogo.
Conclusão
Vários tipos de cânceres resultam em acúmulo de células neoplásicas na medula óssea - fazendo parte do grupo de câncer de medula óssea - possuindo diversas apresentações.
A clínica, diagnóstico e tratamento de cada um é distintiva e deve ser avaliada com cuidado.
Leia mais:
- Manejo da Leucemia Linfóide Aguda no público pediátrico
- Linfoma de Hodgkin no público pediátrico: você domina a conduta?
- Fique sabendo qual o esquema vacinal para pacientes oncológicos
FONTES:
- Manual de Medicina Harrison – 20ª edição, 2020