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Publicado em
18/10/22

Tétano: quadro clínico, transmissão e como tratar

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Tétano: quadro clínico, transmissão e como tratar

O tétano é uma doença infecciosa aguda, relativamente rara, porém altamente letal e evitável com a imunização. Responsável por acometer o sistema nervoso central (SNC), ele gera espasmos musculares. No Brasil, o número de casos anuais varia de 500 a 600 casos, com taxas de 20% de mortalidade.

Neste post iremos abordar o tétano, sua transmissão, quadro clínico e manejo!

O que é o tétano?

O tétano é uma doença infecciosa aguda, não contagiosa, causada pela bactéria anaeróbia Clostridium tetani, que acomete o SNC e, por meio da ação de exotoxinas, gera espasmos musculares.

Opistotóno - Contratura muscular no tétano. Pintura de Sir Charles Bell, 1809. Fonte: Wikipedia https://en.wikipedia.org/wiki/Tetanus
Opistotóno - Contratura muscular no tétano. Pintura de Sir Charles Bell, 1809. Fonte: Wikipedia

Etiologia e fisiopatologia

Fisiopatologia do tétano. Fonte: Lecturio https://www.lecturio.com/pt/concepts/tetano/
Fisiopatologia do tétano. Fonte: Lecturio

O agente causador do tétano, o Clostridium tetani, é um bacilo gram-positivo, esporulado anaeróbio, encontrado no solo. A infecção ocorre pela introdução de esporos em solução de continuidade de pele e mucosas (ferimentos). Após a inoculação, o patógeno se transforma em uma bactéria de haste vegetativa e produz a tetanospasmina metaloprotease (toxina tetânica).

A presença de tecidos desvitalizados, corpos estranhos, isquemia e infecção contribui para diminuir o potencial de oxirredução, tornando o ambiente mais favorável ao bacilo. Depois de atingir a medula espinhal e do tronco cerebral através do transporte axonal retrógrado e se ligar de forma irreversível aos receptores locais, a toxina bloqueia a neurotransmissão.

O efeito da toxina é a desinibição de neurônios que controlam impulsos excitatórios do córtex motor, o que resulta em aumento do tônus muscular, espasmos dolorosos e instabilidade autonômica generalizada. Esses efeitos são de longa duração e a recuperação exige crescimento de novos terminais dos nervos axonais.

A tetanolisina é outra toxina produzida pela bactéria do tétano, principalmente durante a fase inicial. Tem propriedades hemolíticas e provoca danos na membrana de outras células.

Como é feita a transmissão do tétano?

A doença pode ser adquirida acidentalmente - por meio de ferimentos na pele - ou de forma neonatal - através da manipulação do cordão umbilical por instrumentos inapropriados e não esterilizados. 

O período de incubação pode variar aproximadamente entre 8 horas e 2 a 3 meses, sendo que a maioria dos casos ocorre entre o 3º e o 21º dia. O aparecimento de sintomas com menos de 7 dias de exposição é um fator prognóstico ruim.

Sintomas do tétano

O tétano tem seu quadro clínico caracterizado por febre baixa ou ausente, hipertonia muscular mantida, hiperreflexia e espasmos com contraturas paroxísticas. O tétano acidental pode ser dividido em 4 tipos: generalizado, localizado, cefálico e neonatal.

A gravidade e as manifestações clínicas podem variar de caso a caso, a depender da quantidade de toxina tetânica que atinge SNC.

Tétano generalizado

O tétano generalizado é a forma mais comum e grave. Mais de 50% dos casos, apresentam trismo (contração vigorosa do masseter), com dificuldade de abrir a mandíbula. Ele pode progredir para envolvimento da musculatura cervical, com disfagia e contratura de ombros, dorso, musculatura abdominal e região proximal dos membros.

Os espasmos são dolorosos e progressivamente mais frequentes e intensos. Essas contrações são intensas a ponto de causarem fraturas e prejudicarem a ventilação do paciente. Esses espasmos podem ser desencadeados por ruídos altos ou outros estímulos sensoriais.

Riso sardônico – Tétano. Fonte: The Lancet https://www.thelancet.com/article/S0140-6736(19)31137-7/fulltext
Riso sardônico – Tétano. Fonte: The Lancet 

Achados clássicos incluem torcicolo espasmódico, opistótono, riso sardônico (envolvimento da musculatura facial), disfagia, períodos de apneia por obstrução das vias aéreas por contração muscular e abdome em tábua. Inicialmente, a hiperatividade autonômica pode se manifestar com irritabilidade, agitação, sudorese e taquicardia.

Tétano localizado

Ocasionalmente, o tétano pode se expressar de forma localizada, com espasmos tônicos em uma extremidade ou região do corpo. Podendo evoluir para forma generalizada. Por isso, o diagnóstico é mais difícil.

Tétano cefálico

É a forma mais importante do tétano localizado, ocorrendo frequentemente em pacientes com ferimentos em cabeça e pescoço. No tétano cefálico muitas vezes os sintomas podem ser de envolvimento dos nervos cranianos, sendo o nervo facial o mais comumente envolvido.

Tétano neonatal

O tétano neonatal ocorre tipicamente em recém-nascidos de 5 a 7 dias após o nascimento. O início geralmente é mais rápido e pode progredir ao longo de horas, provavelmente porque as fibras axonais são menores.

Apresenta-se inicialmente com recusa alimentar, dificuldade de abrir a boca devido trismo, sorriso sardônico, mãos apertadas, pés dorsiflexionados, tônus muscular aumentado. Para mais, pode evoluir para rigidez e opistótono. 

Diagnóstico do tétano

O diagnóstico do tétano é clínico e deve ser pensado quando o quadro clínico for sugestivo, associado a história de lesão de risco e imunização inadequada

Os exames laboratoriais costumam ser inespecíficos e realizados apenas para monitorização de complicações. A CPK deve ser solicitada para acompanhar a possibilidade de rabdomiólise associada. Além disso, deve-se solicitar hemograma, eletrólitos e função renal. 

Tratamento para o tétano

É recomendado o internamento em UTI de todos os pacientes, com manejo precoce das vias aéreas.

Interrupção da produção de toxinas

Para interrupção da produção de toxinas e neutralização, utiliza-se a imunoglobulina antitetânica ou soro antitetânico para evitar progressão da doença. A preferência é pela imunoglobulina antitetânica por via intramuscular profunda 500 a 5000 UI, de preferência distante da ferida. O soro antitetânico pode ser feito em dose de 20.000 a 30.000 UI intramuscular, em dois grupos musculares diferentes.

Cerca de 1 a 6 horas depois da aplicação pode-se realizar o desbridamento da ferida para erradicar os esporos e o tecido necrosado.

Antibioticoterapia

A terapia recomendada é com metronidazol 500mg EV de 6/6h ou 8/8h, porém pode ser feito também a penicilina G 2-4 milhões UI EV de 4/4h ou 6/h. A duração do tratamento deve ser de 7 a 10 dias.

Manejo das vias aéreas

O manejo de vias aéreas deve ser agressivo, com intubação orotraqueal precoce. A traqueostomia é recomendada precocemente após ventilação mecânica.

Controle dos espasmos musculares

Deve-se buscar controle da luz e do som e o uso de bloqueadores neuromusculares. Os benzodiazepínicos são as drogas de escolha, recomenda-se o Diazepam 30mg EV em 24h (5mg a cada 4h). Pode ainda, associar a eles, rocurônio ou vecurônio. Outra opção aos benzodiazepínicos é o baclofeno ou o propofol.

Manejo da disautonomia

Em pacientes com disfunção autonômica, recomenda-se o uso do sulfato de magnésio, para diminuir a necessidade de ventilação mecânica e a necessidade de outras drogas. A dose inicial é de 40mg/kg em 30 minutos, seguido por infusão contínua de 2g por hora, se o paciente tiver mais de 45kg. 

Fisioterapia

Recomenda-se fisioterapia assim que os espasmos cessem, para evitar sequelas da imobilização prolongada.

Prevenção contra o tétano

Vacinação

O esquema vacinal completo recomendado pelo Ministério da Saúde é de 3 doses no primeiro ano de vida, com reforço aos 15 meses e 4 anos de idade. A partir dessa idade, um reforço a cada 10 anos

Em casos de ferimentos graves ou gestação, deve-se antecipar a dose de reforço caso a última dose tenha sido há mais de 5 anos.

Além disso, o tétano não confere imunidade após a recuperação da doença aguda. Então, todos os pacientes após curados devem receber as 3 doses da vacina dT, com pelo menos 2 semanas de intervalo, em um local diferente da aplicação da imunoglobulina.

Profilaxia após ferimento

A profilaxia do tétano após um ferimento vai depender do tipo de ferimento e do status imunológico do paciente, como pode ser visto a seguir:




Ferimentos superficiais
IMUNIZADO IMUNIZADO ENTRE 5 E 10 ANOS SEM IMUNIZAÇÃO OU STATUS DESCONHECIDO
Sem conduta Sem conduta Vacina dT
Ferimentos profundos Sem conduta Vacina dT Imunoglobulina e vacina dT
Profilaxia do tétano após ferimento. Fonte: Livro de Emergência – Medicina USP

Conclusão

O tétano é uma doença infecciosa rara, porém, potencialmente grave, com altas taxas de mortalidade. É caracterizada por quadro de espasmos musculares, sem alteração nos níveis de consciência, que podem potencialmente evoluir para obstrução das vias aéreas. O diagnóstico é clínico e baseado na história clínica e vacinal.

O tratamento é feito por meio do uso de imunoglobulinas ou soro antitetânico, antibióticos, benzodiazepínicos para controle da contratura muscular, sulfato de magnésio e medidas de suporte.

Leia mais:

FONTE:

  • VELASCO, Irineu; et. al. Medicina de Emergência – Abordagem Prática. 15ª edição. 2022. Medicina USP.