As taquiarritmias são alterações comuns na emergência, caracterizadas por frequência cardíaca (FC) acima de 100 bpm. Seu reconhecimento precoce e manejo correto é de extrema importância para evitar desfechos fatais. Muitas vezes, são episódios fugazes e o paciente chega ao pronto-socorro em ritmo sinusal.
Neste post iremos abordar as arritmias, sua fisiopatologia, como identificá-las e o manejo precoce!
O que é taquiarritmia?
As taquiarritmias são definidas como alterações do ritmo cardíaco com frequência cardíaca acima dos 100 bpm, sendo o ritmo regular ou irregular. Podem ser classificadas em taquicardias de QRS longo (> 120 ms), que são em geral as supraventriculares, e de QRS curto (< 120 ms), em geral ventriculares.
Fisiopatologia
Os principais mecanismos de taquiarritmia são o automatismo aumentado, circuito de reentrada e atividade deflagrada.
Automatismo
No automatismo, um conjunto de células do miocárdio despolariza com limiar menor que as demais células. Assim, a despolarização ocorre em frequência aumentada, de forma a assumir controle do ritmo cardíaco.
Alguns fatores que podem contribuir para isso são alterações estruturais do tecido miocárdico, autonômicas, distúrbios hidroeletrolíticos e medicações. Geralmente, o automatismo é precipitado por estimulação adrenérgica. São exemplos de taquiarritmias causadas por automatismo: taquicardia atrial focal e taquicardia juncional.
Reentrada
Na reentrada, ocorre alteração na via de condução. Em condições normais, o estímulo elétrico é conduzido principalmente pela via rápida, em detrimento da via lenta. No mecanismo de entrada, porém, ocorre um estímulo precoce, como uma extrassístole, porém a via rápida encontra-se em período refratário, sendo o estímulo então conduzido pela via lenta.
A via rápida é estimulada então no sentido retrógrado e o ciclo se completa quando a via lenta é reestimulada, criando um ciclo repetitivo de despolarização celular. São exemplos: flutter atrial, taquicardia por reentrada nodal e taquicardia por reentrada atrioventricular.
Atividade deflagrada
Na atividade deflagrada, o potencial de ação deflagra despolarização anormais adicionais. São exemplos de atividade deflagrada: arritmias com QT longo, como torsades de pontes e arritmias por digoxina.
Manifestações clínicas da taquiarritmia
O quadro clínico dos pacientes com taquiarritmia pode ser muito variável, sendo as principais manifestações dor torácica, dispneia, palpitações, tontura, alterações do nível de consciência e palpitações.
Esses indivíduos, muitas vezes, nos antecedentes pessoais, podem ter história prévia de arritmia, cardiopatias (principalmente infarto prévio e insuficiência cardíaca), doenças respiratórios, endocrinológicas e fatores de risco para distúrbio hidroeletrolítico, como doença renal crônica, diarreia e vômitos. É importante também buscar o uso de drogas nesses pacientes.
No exame físico, o pulso pode ter irregularidade em relação a frequência cardíaca, pulsação visível em fúrcula (frogging), presença de B3 ou B4, atrito pericárdico e abafamento de bulhas. A medição da PA deve ser feita em posição ortostática e em decúbito dorsal, assim como em todos os membros.
Alguns pacientes podem se apresentar com instabilidade, necessitando de tratamento imediato com cardioversão elétrica. São eles: hipotensão, choque, rebaixamento de nível de consciência, dor precordial e dispneia (insuficiência cardíaca/edema agudo de pulmão).
Diagnóstico
O eletrocardiograma é um exame fundamental para o diagnóstico das taquiarritmias, em especial se realizado durante sintomas. A depender dos diagnósticos diferenciais, outros exames podem ser solicitados, como eletrólitos, função renal, marcadores de necrose miocárdica e dosagem de substâncias.
Diante de uma taquicardia (FC > 100 bpm), é importante se fazer 3 perguntas:
- 1. O QRS é longo ou estreito?
- 2. O ritmo é regular ou irregular?
- 3. Existe onda P? Se sim, qual a relação com QRS?
Tipos de taquiarritmia
QRS estreito
As taquicardias de QRS estreito (<120ms) são supraventriculares, ou seja, têm origem acima do nó atrioventricular (AV), por isso, deve ser analisado se o RR é regular ou irregular.
As principais taquicardias de QRS estreito e RR regular são: taquicardia juncional, taquicardia atrial, taquicardia por reentrada nodal, flutter atrial, fibrilação atrial e taquicardia sinusal. A principal taquicardia de QRS estreito e RR irregular é a fibrilação atrial.
QRS longo
As taquicardias de QRS longo (>120ms), na maioria das vezes, são ritmos ventriculares e frequentemente geram instabilidade hemodinâmica, por isso é importante o manejo precoce, que normalmente é de cardioversão elétrica. Também são divididas em RR regular e irregular.
As principais taquiarritmias de QRS longo e de RR regular são taquicardia ventricular, taquicardia supraventricular com condução aberrante e alterações tóxico-metabólicas. As de RR irregular são taquicardia ventricular polimórfica, torsades de pointes e fibrilação atrial com aberrância.
Principais taquiarritmias e manejo
Taquicardia sinusal
A taquicardia sinusal é aquela taquiarritmia de QRS estreito, com onda P precedendo cada complexo de QRS e com orientação normal. É a mais comum e pode ser causada por: hipoxemia, anemia, febre, hipertireoidismo, hipovolemia, choque, TEP, ansiedade, atividade física, medicamentos e abstinência. Não é necessário tratar com cardioversão, devendo ser tratada a causa base. Deve-se suspeitar de flutter atrial quando acima de 150 bpm.
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Taquicardia por reentrada nodal (TRN)
A TRN é a causa mais comum de palpitações em pacientes sem alterações cardíacas estruturais. Pode ocorrer espontaneamente ou pode ser provocada por exercícios físicos, café, chá e álcool. É uma taquiarritmia de QRS estreito, RR regular e ausência de onda P.
Se o paciente se encontrar estável, pode ser feita manobras vagais, como crioterapia em face (não fazer compressão do globo ocular). Se não houver melhora ou o paciente continuar instável, indica-se o uso de adenosina para o tratamento. Se não houver reversão com essas estratégias, deve-se usar drogas para controle da FC, como metoprolol, verapamil ou amiodarona.
Fibrilação e flutter atrial
A fibrilação atrial é a arritmia sustentada mais comum na emergência. É caracterizada por hiperautomatismo de várias regiões do átrio ao mesmo tempo, gerando impulsos precoces. No ECG, é visto ausência de onda P, presença de ondas irregulares (ondas f), QRS estreito e RR irregular.
O flutter atrial é uma arritmia supraventricular causada por um circuito de macro reentrada no átrio direito. O ECG é caracterizado por taquicardia de QRS estreito, com ondas F em “dente de serra”.
O tratamento de ambas busca controlar a frequência cardíaca e evitar formação de coágulos. A depender do paciente, pode ser feito cardioversão elétrica ou medicamentos antiarrítmicos.
Nos pacientes instáveis, com fibrilação atrial de início recente, deve ser feita a cardioversão elétrica com 200J. No paciente estável, faz-se tratamento farmacológico com betabloqueadores e/ou bloqueadores de canal de cálcio. Se a fibrilação tiver mais de 48h deve ser iniciado a profilaxia com anticoagulantes.
Taquicardia ventricular (TV)
São menos frequentes que as taquicardias supraventriculares, porém de maior gravidade. Comumente associadas a cardiomiopatias, podem ser classificadas em monomórficas e polimórficas. As monomórficas são aquelas com FC > 130 bpm, QRS alargado e regular, com a mesma morfologia, dissociação entre onda P e complexo QRS.
Também são classificadas em sustentadas e não sustentadas. As não sustentadas são aquelas que duram menos de 30 segundos e não geram instabilidade hemodinâmica. As taquicardias ventriculares não sustentadas devem ser tratadas por meio da busca e tratamento da causa base, que pode ser hipomagnesemia, hipocalemia, isquemia, hipóxia etc. Não necessita do uso de antiarrítmico.
Nos pacientes com taquicardia ventricular sustentada monomórfica, o ritmo deve ser monitorizado pelo risco de evoluir para ritmo de parada cardiorrespiratória. Para o tratamento, existe a opção da cardioversão elétrica sincronizada com 100-200 J ou uso de drogas antiarrítmicas como amiodarona. Na polimórfica, a cardioversão não é indicada, sendo mais indicada a desfibrilação.
Alterações tóxico-metabólicas
A hipercalemia muitas vezes se apresenta com taquicardia de QRS largo, sem onda P. Em geral, se apresenta com frequência cardíaca de 120 a 130 bpm e QRS muito alargados, podendo muitas vezes ser maior que 200ms.
A intoxicação por bloqueadores de canal de sódio, os antidepressivos tricíclicos como amitriptilina, pode se apresentar com taquicardia sinusal, com prolongamento de PR e QT. Clinicamente, o paciente vai se apresentar com rebaixamento de nível de consciência, convulsões, hipotensão e síndrome anticolinérgica. Como tratamento, deve ser feito bicarbonato de sódio de 1 a 2 meq/kg.
Torsades de pointes
A torsades de pointes é quando ocorre associação entre taquicardia ventricular polimórfica e QT longo (normalmente > 500ms). O QRS tem alternância de polaridade e amplitude, formando traçados em fusos. Geralmente, dura poucos segundos, mas pode gerar instabilidade hemodinâmica e gerar fibrilação ventricular.
Pode ser de causa adquirida, como distúrbio eletrolítico (hipomagnesemia, hipocalemia e hipocalcemia), medicamentos que prolongam intervalo QT (como haloperidol, azitromicina e drogas como cocaína) ou congênita, como na síndrome do QT longo.
A maioria dos casos é autolimitado. Mas, se não reverter espontaneamente, é tratado com cardioversão elétrica 200J. Todos devem receber magnésio com dose de ataque, que depois deve ser utilizado continuamente, visando manter o magnésio entre 3,5 a 5 mg/dl. Em último caso, pode-se fazer adrenalina ou dobutamina.
Conclusão
As taquiarritmias são alterações comuns na emergência, caracterizadas por frequência cardíaca (FC) acima de 100 bpm. Podem ser divididas em QRS estreito, que normalmente são supraventriculares, e QRS alargado, que costumam ser ventriculares e causar mais instabilidade hemodinâmica. Se o paciente estiver instável, recomenda-se a cardioversão elétrica com 100 a 200J. Se o paciente estiver estável, é possível manejo farmacológico a depender do tipo de taquiarritmia.
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FONTE:
- VELASCO, Irineu; et. al. Medicina de Emergência – Abordagem Prática. 15ª edição. 2022. Medicina USP.