A Síndrome de Mirizzi é uma condição rara e frequentemente subdiagnosticada que afeta o sistema biliar. Ela representa um desafio diagnóstico e terapêutico para cirurgiões e gastroenterologistas devido à sua apresentação clínica inespecífica e sua associação com complicações graves, como fístulas biliares e colangiocarcinoma. O reconhecimento precoce e a abordagem terapêutica adequada são fundamentais para evitar complicações e garantir melhores desfechos para os pacientes.
O que é a Síndrome de Mirizzi?
A Síndrome de Mirizzi é uma obstrução biliar extrínseca causada por cálculos impactados no ducto cístico ou na vesícula biliar, principalmente na região do infundíbulo, que exercem compressão sobre o ducto hepático comum. Essa condição foi descrita inicialmente por Pablo Luis Mirizzi, em 1948, e representa uma complicação avançada da colelitíase. A inflamação crônica gerada pelo cálculo pode levar à formação de fístulas colecisto biliares ou colecistoduodenal, além de estreitamentos do ducto biliar.
Fatores de risco para a Síndrome de Mirizzi
Os principais fatores de risco para o desenvolvimento da Síndrome de Mirizzi incluem colelitíase crônica, idade avançada, anatomia biliar anômala, histórico de doença inflamatória biliar e maior prevalência no sexo feminino. A presença prolongada de cálculos biliares aumenta o risco de impactação e inflamação, enquanto variações anatômicas podem predispor à impactação dos cálculos. Além disso, pacientes acima dos 60 anos e aqueles com histórico de colecistite crônica ou colangite têm maior predisposição ao desenvolvimento dessa síndrome.
Classificação da Síndrome de Mirizzi
A classificação da Síndrome de Mirizzi é baseada na modificação proposta por Csendes, sendo dividida em cinco tipos:
- O Tipo I refere-se à compressão extrínseca do ducto hepático comum sem fístula.
- O Tipo II envolve uma fístula colecistobiliar que afeta menos de 1/3 do diâmetro do ducto hepático comum.
- O Tipo III caracteriza-se por uma fístula que envolve entre 1/3 e 2/3 do diâmetro do ducto hepático comum.
- O Tipo IV apresenta uma fístula abrangendo mais de 2/3 do diâmetro do ducto hepático comum.
- O Tipo V está associado à presença de fístula colecistoduodenal.
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Quais são os sintomas?Os sintomas da Síndrome de Mirizzi incluem:
- Icterícia obstrutiva;
- Dor abdominal no quadrante superior direito
- Febre;
- Calafrios;
- Prurido cutâneo;
- Náuseas;
- Vômitos.
A icterícia ocorre devido à compressão do ducto biliar, impedindo o fluxo normal da bile para o intestino delgado, o que resulta no acúmulo de bilirrubina. A dor abdominal é intensa e contínua, localizada no hipocôndrio direito, podendo irradiar para as costas ou região interescapular. Essa dor é frequentemente exacerbada após a ingestão de alimentos gordurosos. O prurido cutâneo surge como consequência do acúmulo de sais biliares na circulação, enquanto a presença de náuseas e vômitos pode estar relacionada à estase biliar e à disfunção digestiva. Em casos mais graves, pode ocorrer febre associada a calafrios, sugerindo a presença de colangite secundária, uma complicação infecciosa que pode levar a sepse se não tratada adequadamente. Além disso, pacientes podem relatar fadiga e anorexia devido à má absorção de gorduras e vitaminas lipossolúveis, agravando o estado nutricional.
Como realizar o diagnóstico?
O diagnóstico da Síndrome de Mirizzi pode ser desafiador e frequentemente realizado intraoperatoriamente devido à dificuldade de visualização anatômica prévia. No entanto, exames de imagem são essenciais para a suspeição pré-operatória e para evitar surpresas durante a abordagem cirúrgica.
A ultrassonografia abdominal é frequentemente o primeiro exame solicitado e pode detectar cálculos impactados, dilatação biliar proximal e sinais de inflamação vesicular, porém sua sensibilidade é limitada. A colangiopancreatografia por ressonância magnética (CPRM) é considerada o exame de escolha, pois fornece uma avaliação detalhada da anatomia biliar, possibilitando a identificação de estreitamentos e fístulas colecistesas biliares.
A tomografia computadorizada pode ser útil para avaliar complicações associadas, como abscessos e invasão de estruturas adjacentes. Já a colangiopancreatografia retrógrada endoscópica (CPRE) tem um papel duplo, podendo ser tanto diagnóstica quanto terapêutica. Ela permite a visualização direta do ducto biliar, a realização de esfincterotomia e a colocação de stents biliares para descompressão biliar pré-operatória em casos selecionados.
Qual o tratamento para a Síndrome de Mirizzi?
O tratamento da Síndrome de Mirizzi é predominantemente cirúrgico, mas a estratégia depende do estágio da doença e da presença de complicações. Em casos de compressão extrínseca sem fístula extensa (Tipo I), a colecistectomia laparoscópica pode ser tentada, mas a conversão para cirurgia aberta é comum devido à inflamação local e à dificuldade de dissecção, associado a coledocotomia mais a colocação de um dreno de Kehr.
Nos casos mais avançados, em que há fístula colecistobiliar significativa (Tipos II a V), a colecistectomia subtotal pode ser necessária, e a reconstrução biliar pode envolver anastomose hepaticojejunostomia em Y de Roux para restaurar a drenagem biliar adequada.
A drenagem biliar pré-operatória com CPRE e colocação de stents pode ser indicada para aliviar a icterícia e reduzir a inflamação antes da cirurgia definitiva. Em alguns casos, técnicas híbridas, como a abordagem percutânea guiada por imagem, podem ser utilizadas para facilitar o procedimento. A escolha da abordagem deve ser individualizada, considerando a experiência da equipe cirúrgica e a condição clínica do paciente.
Conclusão
A Síndrome de Mirizzi é uma condição complexa e desafiadora, exigindo um alto índice de suspeição para diagnóstico precoce. A correta avaliação anatômica é essencial para planejar a abordagem terapêutica mais adequada e minimizar complicações. O manejo cirúrgico continua sendo a principal forma de tratamento, variando conforme a gravidade da doença. A abordagem multidisciplinar é crucial para garantir melhores desfechos clínicos.
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FONTES:
- SABISTON: TEXTBOOK OF SURGERY: THE BIOLOGICAL BASIS OF MODERN SURGICAL PRACTICE,. 21. ed. [S. l.]: Elsevier, 2022.