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Publicado em
14/4/25

Diagnóstico e conduta na TGA: guia para médicos e estudantes

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Diagnóstico e conduta na TGA: guia para médicos e estudantes

A Transposição de Grandes Artérias (TGA) é uma cardiopatia congênita cianótica grave, caracterizada pela inversão da origem das grandes artérias em relação aos ventrículos. Nessa condição, a aorta emerge do ventrículo direito e a artéria pulmonar do ventrículo esquerdo, resultando em dois circuitos sanguíneos paralelos que impedem a oxigenação sistêmica adequada. Sem tratamento, essa anomalia é fatal nos primeiros dias ou semanas de vida, tornando-se uma das emergências cardíacas neonatais mais críticas.

Transposição de grandes artérias: o que médicos precisam saber?

A TGA representa aproximadamente 5% a 7% das cardiopatias congênitas e ocorre com maior frequência em recém-nascidos do sexo masculino. A etiologia exata permanece incerta, mas fatores genéticos e ambientais, como mutações genéticas, histórico familiar de cardiopatias congênitas e exposição a agentes teratogênicos durante a gestação, podem estar envolvidos. 

A principal consequência dessa anomalia é a separação dos fluxos sanguíneos arterial e venoso, impedindo a oxigenação periférica. Para que a sobrevida seja possível no período neonatal, são necessárias comunicações extracardíacas, como a persistência do canal arterial, forame oval patente ou comunicação interatrial e interventricular, permitindo a mistura parcial do sangue oxigenado e não oxigenado.

Comparação entre um coração normal e um com TGA. Fonte: Clínica Anvily 
Comparação entre um coração normal e um com TGA. Fonte: Clínica Anvily 

O que acontece no coração? Fisiopatologia completa

A TGA resulta em um sistema circulatório desorganizado, no qual a separação dos fluxos sanguíneos arterial e venoso impede a oxigenação sistêmica adequada. No circuito sistêmico, o sangue venoso desoxigenado retorna ao átrio direito, passa para o ventrículo direito e é bombeado diretamente para a aorta, sendo distribuído aos tecidos sem a passagem pelos pulmões. 

Paralelamente, no circuito pulmonar, o sangue oxigenado dos pulmões retorna ao átrio esquerdo, segue para o ventrículo esquerdo e é novamente direcionado para os pulmões, sem alcançar a circulação sistêmica.

A incompatibilidade hemodinâmica torna a vida extrauterina inviável sem algum mecanismo de mistura sanguínea. A sobrecarga de volume e pressão imposta ao ventrículo direito leva à hipertrofia progressiva dessa câmara, enquanto o ventrículo esquerdo, desadaptado a pressões elevadas, pode evoluir com hipoplasia secundária se a correção cirúrgica não for realizada em tempo hábil.

A adaptação neonatal inicial depende da presença e do tamanho de comunicações extracardíacas. Essas estruturas permitem a mistura de sangue e podem atenuar temporariamente os efeitos da separação circulatória. No entanto, se a comunicação entre os circuitos for insuficiente, a hipoxemia grave se instala rapidamente, levando a cianose intensa, acidose metabólica, instabilidade hemodinâmica e evolução para choque circulatório e óbito, caso a intervenção médica não seja imediata.

Transposição de grandes artérias: como identificar os sintomas?

Os sintomas da TGA manifestam-se logo após o nascimento, sendo a cianose intensa o achado mais característico e de rápida instalação, muitas vezes resistente à oxigenoterapia devido à circulação paralela dos fluxos sanguíneos. A cianose pode ser generalizada, afetando pele e mucosas, e se torna mais evidente quando há fechamento progressivo do canal arterial. A taquipneia está frequentemente presente, mas sem retrações torácicas significativas, o que ajuda a diferenciá-la de outras doenças respiratórias neonatais.

Outros sinais clínicos incluem acidose metabólica progressiva, resultado da hipoxemia prolongada e da incapacidade do organismo de tamponar o excesso de ácido lático gerado pelo metabolismo anaeróbico. O recém-nascido pode apresentar sinais de baixo débito cardíaco, como letargia, dificuldade alimentar, irritabilidade e sudorese ao esforço, especialmente durante a sucção. Além disso, a hipotonia pode ser um achado associado em casos mais graves.

A ausculta cardíaca pode revelar uma B2 hiperfonética, devido à posição anterior da aorta, e, quando há defeitos septais associados, podem ser audíveis sopros cardíacos variáveis. O fenômeno da hipoxemia persistente, mesmo com administração de oxigênio a 100%, é um achado sugestivo da circulação paralela e deve alertar imediatamente para a TGA. O quadro clínico pode se deteriorar rapidamente à medida que as comunicações extracardíacas começam a se fechar, tornando a intervenção precoce fundamental para a sobrevida do recém-nascido.

Como diagnosticar a TGA? Exames essenciais e critérios clínicos

Diagnóstico intrauterino da TGA

O diagnóstico intrauterino da TGA é possível por meio da ecocardiografia fetal, geralmente realizada entre a 18ª e 24ª semanas de gestação, especialmente em casos de rastreamento de cardiopatias congênitas ou quando há fatores de risco maternos ou familiares. O exame permite a avaliação anatômica detalhada do coração fetal, sendo capaz de identificar a disposição paralela da aorta e da artéria pulmonar, achado característico da transposição das grandes artérias.

A visualização dos planos das vias de saída dos ventrículos, associada à análise do arco aórtico e do ducto arterioso, é fundamental para o diagnóstico. A ausência da habitual cruzamento das grandes artérias, bem como a origem da aorta do ventrículo direito e da artéria pulmonar do ventrículo esquerdo, são indicativos claros da TGA.

O reconhecimento pré-natal da TGA é essencial para o adequado planejamento do parto em centros especializados, garantindo a intervenção precoce e otimizando o prognóstico neonatal.

Diagnóstico pós parto da TGA

Caso não seja detectado durante o pré-natal, o diagnóstico da TGA é baseado em uma avaliação clínica minuciosa associada a exames complementares que confirmam a anomalia estrutural. A oximetria de pulso frequentemente revela saturações persistentemente reduzidas (<85%), mesmo com administração de oxigênio a 100%, o que sugere a presença de circulação paralela sem mistura sanguínea adequada. 

A gasometria arterial pode evidenciar hipoxemia grave e acidose metabólica progressiva, reflexo do metabolismo anaeróbico induzido pela insuficiência de oxigenação tecidual. Além disso, pode haver hipercapnia leve a moderada, indicando comprometimento respiratório secundário.

Ecocardiograma de um paciente com TGA. Fonte: Blog residência pediátrica
Ecocardiograma de um paciente com TGA. Fonte: Blog residência pediátrica

A radiografia de tórax pode revelar a configuração clássica do "coração em ovo", caracterizada por um formato globoso do coração devido à posição anômala das grandes artérias e um mediastino superior estreito, resultante da ausência da sombra normal do arco aórtico. Além disso, a vascularização pulmonar pode estar aumentada nos casos com comunicação interatrial ou interventricular significativa, ou reduzida naqueles com mínima mistura sanguínea.

Radiografia do tórax de recém-nascido com TGA simples (imagem da esquerda), e com CIV (imagem da direita). Evidenciando-se na primeira a forma ovoide da silhueta cardíaca e a vascularização pulmonar normal, na segunda existe cardiomegalia, ainda com silhueta ovoide e aumento da vascularização pulmonar. Fonte: Tratado de Clínica Pediátrica
Radiografia do tórax de recém-nascido com TGA simples (imagem da esquerda), e com CIV (imagem da direita). Evidenciando-se na primeira a forma ovoide da silhueta cardíaca e a vascularização pulmonar normal, na segunda existe cardiomegalia, ainda com silhueta ovoide e aumento da vascularização pulmonar. Fonte: Tratado de Clínica Pediátrica

O ecocardiograma transtorácico com Doppler é o exame padrão-ouro para o diagnóstico da TGA. Ele permite a visualização detalhada da inversão das grandes artérias, a avaliação do padrão de fluxo sanguíneo e a identificação de defeitos septais associados, como CIA e CIV, além da PCA. 

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O estudo com Doppler colorido auxilia na avaliação da direção e do grau de mistura sanguínea, sendo essencial para estimar a gravidade do quadro. Além disso, a ecocardiografia tridimensional pode ser útil para avaliar a relação espacial das grandes artérias e suas conexões com os ventrículos.

Para uma avaliação mais detalhada da anatomia cardiovascular, especialmente em casos com suspeita de anomalias coronarianas ou para planejamento cirúrgico, pode-se recorrer à angiotomografia cardíaca ou à ressonância magnética. 

A angiotomografia permite a reconstrução tridimensional da vasculatura, fornecendo informações essenciais sobre a origem e o trajeto das artérias coronárias antes da cirurgia corretiva definitiva. Já a ressonância magnética é útil na análise funcional dos ventrículos, permitindo uma avaliação hemodinâmica mais precisa da sobrecarga ventricular e da perfusão miocárdica.

Tratamento: o que fazer após o diagnóstico?

O tratamento da TGA é emergencial e envolve medidas imediatas para garantir a oxigenação mínima necessária até a correção definitiva. A administração de prostaglandina E1 (alprostadil) por via intravenosa é essencial para manter o canal arterial patente, permitindo a mistura de sangue entre as circulações pulmonar e sistêmica, reduzindo a hipoxemia. 

A dose inicial geralmente varia entre 0,01 a 0,1 mcg/kg/min, com ajustes conforme a resposta clínica. Os efeitos colaterais podem incluir apneia, hipotensão e febre, exigindo monitoramento rigoroso em unidade de terapia intensiva neonatal.

Em neonatos gravemente hipoxêmicos, a realização de septostomia atrial com balão (procedimento de Rashkind) pode ser necessária para criar uma comunicação interatrial artificial, aumentando a mistura sanguínea entre as circulações e melhorando a oxigenação. O procedimento é realizado por cateterismo cardíaco com introdução de um balão inflável através do forame oval, sendo especialmente indicado em casos onde há um septo interatrial íntegro ou restritivo.

Esquematização de uma atriosseptostomia (Procedimento de Rashkind). Fonte: Medmovie 
Esquematização de uma atriosseptostomia (Procedimento de Rashkind). Fonte: Medmovie 

A cirurgia corretiva definitiva, chamada de troca arterial ou cirurgia de Jatene, deve ser realizada idealmente entre a primeira e a terceira semana de vida, período em que o ventrículo esquerdo ainda mantém força contrátil suficiente para suportar a circulação sistêmica.

O procedimento envolve a reposição anatômica correta da aorta e da artéria pulmonar, além da transposição das artérias coronárias para garantir a perfusão miocárdica adequada. Técnicas avançadas, como o uso de suturas finas e preservação da integridade coronariana, são fundamentais para reduzir complicações no pós-operatório imediato.

Esquematização da cirurgia de Jatene. Fonte: José Alencar
Esquematização da cirurgia de Jatene. Fonte: José Alencar

O prognóstico pós-operatório é geralmente favorável, com taxas de sobrevida superiores a 90%, mas o acompanhamento a longo prazo é essencial para monitoramento de possíveis complicações, como disfunção ventricular, estenose de vasos pulmonares, insuficiência coronariana ou dilatação aneurismática da raiz da aorta. Avaliações periódicas com ecocardiograma, teste ergométrico e ressonância magnética cardíaca são recomendadas para detecção precoce de anormalidades hemodinâmicas.

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