A síndrome de Ménière é uma doença do ouvido interno que afeta predominantemente adultos entre 30 e 60 anos, sendo uma das principais causas de vertigem episódica. Caracterizada por episódios de vertigem, zumbido, perda auditiva e sensação de plenitude auricular, a condição pode causar incapacidade significativa para os pacientes.
Embora a fisiopatologia exata não seja completamente compreendida, acredita-se que a síndrome esteja relacionada ao aumento do volume da endolinfa (hidropsia endolinfática) no labirinto membranoso do ouvido interno. O diagnóstico e manejo dessa doença podem ser desafiadores, exigindo uma abordagem multidisciplinar.
Este texto tem como objetivo fornecer uma visão abrangente sobre a condição, abordando suas causas, sintomas, diagnóstico e tratamento, com base nas evidências mais recentes.
O que é a síndrome de Ménière?
A síndrome de Ménière, descrita pela primeira vez por Prosper Ménière em 1861, é uma condição crônica do ouvido interno caracterizada por episódios recorrentes de vertigem, perda auditiva sensorioneural flutuante, zumbido e sensação de pressão no ouvido afetado.
O ouvido interno é responsável pelo equilíbrio e audição, sendo composto pela cóclea (responsável pela audição) e pelo sistema vestibular (responsável pelo equilíbrio). Na síndrome de Ménière, acredita-se que ocorra um acúmulo de endolinfa no labirinto membranoso do ouvido interno, o que leva à distensão desse compartimento e às manifestações clínicas da doença.
Embora possa ser unilateral em sua apresentação inicial, a condição pode progredir para envolver ambos os ouvidos em até 30% dos casos. É uma condição crônica que pode variar em termos de gravidade e frequência dos sintomas ao longo do tempo, causando impacto significativo na qualidade de vida do paciente.
Causas
A etiologia exata da síndrome de Ménière permanece incerta. No entanto, diversos fatores foram propostos como contribuintes para o desenvolvimento da doença, incluindo predisposição genética, inflamação autoimune, fatores infecciosos, estresse oxidativo e distúrbios vasculares. A seguir, discutimos alguns dos mecanismos mais aceitos:
Hidropsia Endolinfática
O mecanismo fisiopatológico central da síndrome de Ménière envolve a hidropsia endolinfática, que é o acúmulo excessivo de endolinfa no labirinto membranoso do ouvido interno. Essa condição leva à distensão do sistema endolinfático e pode resultar em ruptura da membrana de Reissner, permitindo a mistura de endolinfa rica em potássio com a perilinfa, que é rica em sódio, desencadeando sintomas vestibulares e auditivos.
Fatores Genéticos
Alguns estudos sugerem uma predisposição genética, com relatos de agregação familiar da síndrome. Aproximadamente 10% dos pacientes têm uma história familiar da doença, sugerindo que fatores hereditários podem estar envolvidos.
Disfunção Autoimune
Há evidências de que mecanismos autoimunes podem estar associados à síndrome de Ménière. A presença de anticorpos circulantes e a associação com outras doenças autoimunes, como artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico, suportam essa teoria.
Fatores Infecciosos
Infecções virais, como herpes simplex, foram implicadas na patogênese da condição. Acredita-se que infecções virais latentes no ouvido interno possam causar inflamação crônica e disfunção endolinfática.
Distúrbios Vasculares
A redução do fluxo sanguíneo para o ouvido interno, possivelmente devido a aterosclerose ou outros distúrbios vasculares, também foi proposta como uma possível causa, embora essa hipótese ainda seja controversa.
Sintomas
Os sintomas da síndrome de Ménière são geralmente episódicos e podem variar em intensidade e duração. Os quatro sintomas clássicos da doença incluem:
Vertigem
A vertigem episódica é o sintoma mais debilitante e característico. Os episódios podem durar de 20 minutos a várias horas, frequentemente acompanhados de náuseas, vômitos e desequilíbrio postural. Durante um episódio agudo, o paciente pode sentir uma sensação de rotação violenta, dificultando a locomoção e atividades diárias.
Perda Auditiva
A perda auditiva sensorioneural flutuante é outro sintoma comum. No início da doença, a perda auditiva pode ser intermitente e geralmente afeta sons de baixa frequência. À medida que a doença progride, a perda auditiva pode se tornar mais permanente e envolver todas as frequências.
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Zumbido
O zumbido (tinnitus) é uma percepção de som sem estímulo externo, geralmente descrito como um ruído constante ou pulsátil. Na síndrome de Ménière, o zumbido é mais comum no ouvido afetado e pode preceder ou acompanhar os episódios de vertigem.
Sensação de Plenitude Auricular
A sensação de plenitude ou pressão no ouvido afetado é frequentemente relatada pelos pacientes. Essa sensação pode ser um marcador da proximidade de um episódio de vertigem.
Esses sintomas tendem a ocorrer em crises episódicas, intercaladas por períodos de remissão variável. Alguns pacientes relatam “avisos” de um ataque iminente, como aumento da intensidade do zumbido ou da sensação de plenitude auricular.
Como realizar o diagnóstico da síndrome de Ménière?
O diagnóstico da síndrome de Ménière é essencialmente clínico, baseado no histórico médico detalhado e na avaliação dos sintomas apresentados pelo paciente. É crucial considerar um diagnóstico diferencial, uma vez que outras condições também podem causar vertigem, como neurite vestibular, enxaqueca vestibular, paroxismia vestibular e schwannoma vestibular, o que demanda uma avaliação criteriosa e minuciosa.
Os critérios diagnósticos mais aceitos foram estabelecidos pela American Academy of Otolaryngology-Head and Neck Surgery (AAO-HNS) em 1995 e revisados em 2015. Para o diagnóstico, é necessário que o paciente apresente vertigem espontânea recorrente, com pelo menos dois episódios de vertigem com duração entre 20 minutos e 12 horas. Além disso, deve haver documentação de perda auditiva sensorioneural flutuante por meio de exames audiométricos, e o paciente deve relatar sintomas auditivos flutuantes, como zumbido e/ou sensação de plenitude auricular no ouvido afetado.
Audiometria e eletrococleografia
Para auxiliar na confirmação do diagnóstico, alguns exames complementares são frequentemente utilizados. A audiometria é o principal teste inicial, podendo revelar perda auditiva sensorioneural que, em estágios iniciais, afeta sons de baixa frequência. Em estágios mais avançados, essa perda pode se estender a todas as frequências. A eletrococleografia (ECoG) é outro exame importante, pois mede as respostas elétricas da cóclea e do nervo auditivo, sendo útil na detecção da hidropsia endolinfática, característica fisiopatológica da síndrome de Ménière.
Videonistagmografia
A videonistagmografia (VNG) também é frequentemente utilizada para avaliar a função vestibular. Esse exame pode demonstrar uma hipofunção vestibular no lado afetado pela doença, auxiliando na diferenciação de outras causas de vertigem. Testes vestibulares, como os potenciais miogênicos evocados vestibulares (VEMP), são úteis para avaliar a função do sáculo-colicular, podendo estar alterados em pacientes com a síndrome.
Ressonância magnética com contraste de gadolínio
Por fim, a ressonância magnética (RM) com contraste de gadolínio pode ser empregada para excluir outras causas de vertigem, como schwannomas vestibulares. Em centros especializados, pode-se utilizar técnicas de imagem dedicadas para o ouvido interno, permitindo a visualização da hidropsia endolinfática, contribuindo ainda mais para o diagnóstico preciso da síndrome de Ménière.
Tratamento para a síndrome de Ménière
O tratamento da síndrome de Ménière é multifacetado e visa reduzir a frequência e a gravidade dos sintomas. As opções incluem medidas dietéticas, medicamentos, terapias físicas e, em casos refratários, intervenções cirúrgicas.
Tratamento não-farmacológico
- Restrição de Sal: uma dieta com baixo teor de sal é frequentemente recomendada para reduzir a retenção de líquidos e, potencialmente, o acúmulo de endolinfa. Embora a evidência científica para essa abordagem seja limitada, muitos pacientes relatam melhora dos sintomas.
- Controle do estresse: estresse emocional é frequentemente associado a exacerbações da doença. Técnicas de manejo do estresse, como terapia cognitivo-comportamental, meditação e biofeedback, podem ser úteis.
Tratamento farmacológico
- Diuréticos: diuréticos como a hidroclorotiazida são amplamente utilizados para reduzir o volume da endolinfa, embora a evidência para seu uso seja baseada em consenso de especialistas, e não em ensaios clínicos controlados.
- Betaistina: esse fármaco, utilizado amplamente na Europa, tem ação histamínica que pode melhorar o fluxo sanguíneo no ouvido interno e reduzir a vertigem.
- Supressores Vestibulares: em episódios agudos de vertigem, medicamentos como anti-histamínicos (meclizina), benzodiazepínicos (diazepam) e antieméticos (ondansetrona) podem ser prescritos para aliviar os sintomas.
Intervenções invasivas
- Injeções Intra Timpânicas de Gentamicina: a gentamicina intratimpânica pode ser utilizada para fazer a ablação seletiva da função vestibular, preservando, tanto quanto possível, a audição.
- Injeções Intra Timpânicas de Corticosteroides: injeções de dexametasona podem ser usadas para controlar os sintomas, especialmente em pacientes que preferem evitar gentamicina.
- Descompressão do Saco Endolinfático: essa cirurgia tem como objetivo reduzir a pressão do líquido no ouvido interno, sendo uma opção para casos refratários.
- Labirintectomia: procedimento mais radical que pode ser realizado em casos graves e quando a audição já está severamente comprometida
Conclusão
A síndrome de Ménière é uma condição crônica debilitante que afeta o ouvido interno, causando vertigem, perda auditiva flutuante, zumbido e plenitude auricular. Embora a fisiopatologia exata da doença ainda seja objeto de debate, acredita-se que a hidropsia endolinfática seja o principal mecanismo envolvido.
O diagnóstico é clínico, baseado em critérios bem estabelecidos, e o manejo da doença exige uma abordagem personalizada, que pode incluir desde modificações dietéticas até intervenções cirúrgicas. A compreensão contínua dessa condição e o desenvolvimento de novas abordagens terapêuticas são essenciais para melhorar a qualidade de vida dos pacientes.
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FONTES:
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- Doença de Ménière - Manuais MSD edição para profissionais
- Gürkov R, Pyykö I, Zou J, Kentala E. What Is Menière's Disease? A Contemporary Re-Evaluation of Endolymphatic Hydrops. Journal of Neurology. 2016.
- ANDRADE, Caroline et al. Doença de Ménière e complicações: revisão bibliográfica e relato de um caso. Brazilian Journal of Health Review, Curitiba, p. 20907-20924, sep./oct., 2022.