A incontinência urinária (IU) é uma preocupação a nível mundial. Isso porque seu impacto na qualidade de vida do paciente é extenso, uma vez que pode afetar consideravelmente a socialização do indivíduo. Além disso, é uma condição muito comum, acometendo mais frequentemente mulheres (2:1) e pacientes com mais de 50 anos.
Observe a tabela acima, extraída de artigo de Kessler (2018). Essa representa a distribuição proporcional de incapacidade funcional, depressão, déficit cognitivo e autopercepção de saúde péssima/ruim em idosos com e sem incontinência urinária, conforme o sexo.
O que é a incontinência urinária?
A incontinência urinária é uma das disfunções do assoalho pélvico, em conjunto com a incontinência fecal e o prolapso de órgãos da pelve. É caracterizada pela perda involuntária de urina, que cursa com problemas de higiene e/ou de ordem social.
Para mais, são fatores de risco para a IU o histórico de cirurgias prévias, tabagismo e tosse frequente. E mais, obesidade, antecedentes neurológicos (ex: trauma raquimedular) e determinadas medicações.
Além disso, existem quatro tipos de incontinência urinária: IU de urgência, de esforço, de transbordamento e a mista. A IU de esforço é definida pela contração involuntária do músculo detrusor ou à alterações neurológicas, como doenças neurodegenerativas, e é caracterizada pela queixa de extravasamento urinário acompanhada ou precedida por urgência miccional.
Já a IU de esforço ocorre devido ao aumento da pressão abdominal, ou devido a falha no mecanismo esfincteriano para reter a urina. E mais, a IU por transbordamento é caracterizada por uma obstrução na via de saída do trato urinário, cursando com acúmulo da urina.
Assim, a pressão aumentada dentro da urina vence a obstrução, ocorrendo a escapa. Esse tipo de IU é comum em pacientes com hiperplasia prostática benigna.
Por sua vez, a IU mista é a junção, em sua maioria, da incontinência urinária de urgência com a de esforço. Neste caso, o paciente queixa-se de extravasamento urinário involuntário associado à urgência e ao esforço, espirro ou tosse.
Quais os sintomas?
Ao investigar o paciente com incontinência urinária, é imprescindível definir qual o tipo de incontinência, quantificar as perdas urinárias e identificar os fatores de risco. Além disso, realizar a exclusão de outros diagnósticos e identificar se o paciente faz uso de absorventes ou forro, esse último a fim de avaliar o grau de importância da IU na vida do paciente.
E mais, deve-se avaliar condições neurológicas que podem causar impacto sobre o trato urinário inferior, como a doença de Parkinson, esclerose múltipla, derrames e lesões da medula espinhal. Além disso, condições clínicas como a diabetes mellitus e as demências. E ainda, histórico ginecológico e obstétrico, incluindo-se gestação, parto e estado hormonal.
Por fim, deve-se avaliar a história de cirurgia pélvica prévia, como cirurgias anti-incontinência, para reparo de prolapso de órgãos pélvicos e histerectomia. Além disso, em homens, é fundamental avaliar possível história prévia de cirurgia prostática, visto que essa pode levar a queixas relacionadas com a micção e extravasamento em homens.
Além disso, determinados medicamentos podem provocar a incontinência urinária. As principais classes estão listadas abaixo.
Por fim, em homens, deve-se avaliar a presença da hiperplasia prostática benigna, que pode causar urgência secundária e incontinência de urgência. Esses sintomas comumente estão associados a outros sintomas obstrutivos típicos, como a diminuição do jato urinário, a hesitação e a intermitência, bem como o esvaziamento vesical incompleto.
Diário miccional
No diário miccional, o paciente deve anotar sua rotina urinária (ex: quanto de urina perde, onde estava quando ocorreu a perda urinária). Essa ferramenta é útil para determinar a conduta no tratamento da IU, bem como para avaliar o tipo de incontinência urinária e seu impacto na vida do paciente.
Exame físico
No exame físico, é fundamental avaliar o trofismo local, identificar possível prolapso genital e identificar anormalidades anatômicas. Além disso, avaliar o paciente através da manobra de Valsalva, visualizando possível perda urinária com esse teste.
Além disso, um exame que pode ser realizado é o teste do cotonete (Q-tip). Esse é realizado inserindo um cotonete na uretra, com o paciente na posição de litotomia, direcionando-o para a bexiga. Após isso, mensura-se o ângulo formado quando a extremidade do dispositivo se move na posição horizontal até sua posição final na manobra de Valsalva.
Assim, a hipermobilidade do músculo detrusor pode ser identificada caso o ângulo do cotonete seja superior a 30ª a partir da linha horizontal. Observe a imagem abaixo.
Diagnóstico da incontinência urinária
Antes de realizar o diagnóstico de incontinência urinária, é imprescindível identificar possíveis causas de incontinência transitória, a fim de não realizar tratamento definitivo de forma indesejada.
Exemplo desses são o delirium, infecções do trato urinário e a vaginite/uretrite atrófica. E mais, causas psicológicas, como a depressão grave, a neurose, medicamentos e produção excessiva de urina. E ainda, restrição de movimentos e impactação das fezes.
Além disso, é preciso identificar possível presença de prolapso de órgãos pélvicos. Assim, o prolapso de compartimento anterior (cistocele) envolve a descida da bexiga em direção ao lúmen vaginal.
Já o prolapso posterior, denominado retocele, envolve a compressão do reto sobre a parede vaginal posterior. Por fim, o prolapso apical está relacionado à descida do útero (procidência uterina) e/ou da alça intestinal (enterocele) no ápice da vagina.
Assim, inicia-se a investigação com exames de urina tipo I e urocultura. Além disso, solicitam-se exames de imagem para avaliação das vias urinárias, sendo a ultrassonografia de rins e vias urinárias, uma boa opção.
Posteriormente, é possível realizar testes funcionais. Exemplos desses é a urodinâmica, que faz a análise gráfica da micção. Através desse, analisa-se o armazenamento da micção, o que permite avaliar a complacência vesical, bem como se há sinais de hiperatividade da musculatura detrusora e se há perdas urinárias aos esforços.
Pode-se considerar realizar esse exame quando for cogitada possibilidade de cirurgia invasiva, em pacientes em que a reconstrução do assoalho pélvico tenha falhado, ou que apresentem incontinência mista, urgência urinária ou sintomas obstrutivos.
Como funciona o tratamento
A abordagem do tratamento da incontinência urinária requer o entendimento da causa e da fisiopatologia subjacente aos sintomas do paciente. Assim, o tratamento da IU pode ser dividido em opções cirúrgicas e não cirúrgicas.
Opções não cirúrgicas
As opções não cirúrgicas, que compõem a terapia comportamental através do manejo dos fluidos, modificações da dieta e treinamento da bexiga, são consideradas a opção de primeira linha para o tratamento da incontinência urinária.
Modificação de estilo de vida
As modificações do estilo de vida consistem na cessação do tabagismo, na perda de peso e manejo da ingesta hídrica, evitando-se grandes ingestas em curto espaço de tempo.
Além disso, orienta-se que o paciente evite o uso de bebidas alcoólicas, devido a estes serem diuréticos, e realize o tratamento adequado de outras condições associadas, como a insuficiência cardíaca descompensada e comorbidades neurológicas.
Fisioterapia
O tratamento com fisioterapia consiste na reabilitação do assoalho pélvico, de preferência com a técnica de biofeedback.
Medicamentos
Para o tratamento da incontinência urinária, pode-se utilizar anticolinérgicos e beta-3-agonistas. E ainda, a toxina botulínica intravesical, sendo esse método preferencial para casos refratários a outros tipos de tratamento. Além disso, para os casos de perda do trofismo vaginal feminino, é importante realizar o tratamento com estrogênio tópico.
Opções cirúrgicas
Para a incontinência urinária de esforço simples, recomenda-se a cirurgia de sling de uretra média. Observe o vídeo abaixo para compreender como essa cirurgia é realizada.
Cuidados com a prescrição
Por fim, ao prescrever medicamentos para o tratamento da incontinência urinária, é importante ter em mente que, para pacientes idosos com déficit cognitivo e indivíduos com glaucoma, os anticolinérgicos estão contra indicados.
Conclusão
A incontinência urinária é uma queixa muito comum, e reconhecer seus principais tipos, exames diagnósticos e formas de tratamento é fundamental para a rotina de todo médico generalista!
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FONTES:
- Kessler, Marciane et al. Prevalence of urinary incontinence among the elderly and relationship with physical and mental health indicators. Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia [online]. 2018, v. 21, n. 04
- Campbell-Walsh Urologia / Alan J. Wein ... [et al.] ; revisão científica e tradução Wilson F. S. Busato Jr. ... [et al.] - 11. ed. - Rio de Janeiro : Elsevier, 2019.