A hipocalemia é um distúrbio eletrolítico caracterizado pela queda no valor plasmático de potássio, frequentemente induzida por perdas ou pela alteração na regulação da sua concentração entre o meio intra e extracelular. Vamos revisar a base, o diagnóstico e o tratamento desse desequilíbrio.
O que é hipocalemia?
A hipocalemia é um distúrbio eletrolítico comum na prática médica, ocorrendo com maior frequência do que a hipercalemia. A maioria dos casos é leve, porém sem o controle correto, pode gerar complicações. Por definição, a hipocalemia é o nível de potássio sérico sérico < 3,5 mEq/L. Pode ainda ser classificada como leve (K entre 3 e 3,4 mEq/L), moderada (K entre 2,5 e 2,9 mEq/L) e grave (K < 2,5 mEq/L).
O potássio é o cátion intracelular mais abundante, sendo essencial para a regulação e processos celulares. A porcentagem de potássio no meio extracelular é pequena, tornando os níveis de potássio no plasma ou soro indicadores pouco confiáveis das reservas totais de potássio no organismo. O nível de potássio é regulado pelos rins, trato digestivo, sistema endócrino e células dos músculos esqueléticos.
A captação de K+ para dentro da célula é promovida por alcalemia, aumento de insulina, estimulação β-adrenérgica, aldosterona, entre outros. A deficiência de potássio pode surgir de diversas causas, como má nutrição, distúrbios endócrino-metabólicos, diarréia, uso de medicamentos e cirurgias prévias. Assim, a hipocalemia pode ser uma manifestação de um distúrbio mais grave subjacente.
Fisiopatologia e etiologia
A hipocalemia pode ter diversos mecanismos, que são classificados em três categorias principais: ingestão inadequada, perda excessiva e deslocamento transcelular. Embora a ingestão insuficiente de potássio raramente resulte no distúrbio eletrolítico por si só, uma dieta pobre em potássio pode exacerbar a condição quando combinada com outros fatores. Casos graves de ingestão inadequada podem acontecer secundários a desnutrição na anorexia nervosa e no alcoolismo.
A queda excessiva do potássio é vista em casos de perda renal, que podem ser provocadas por medicamentos, como diuréticos tiazídicos ou de alça, que aumentam a excreção urinária de potássio. É comum observar casos em pacientes hospitalizados fazendo uso desses diuréticos.
Além disso, doenças que aumentam os níveis de mineralocorticóides, como o hiperaldosteronismo primário, síndrome de Cushing e doenças renais como síndrome de Bartter e síndrome de Gitelman, também podem aumentar a perda de K + pela via urinária.
A perda gastrointestinal de potássio acontece em casos de vômitos copiosos ou diarreia severa. Outras condições como infecções intestinais, obstruções e abuso crônico de laxantes também contribuem. Além disso, algumas drogas oncológicas e o uso de medicamentos que aumentam a excreção de potássio nas fezes, podem exacerbar essa condição.
O deslocamento transcelular do potássio é outra causa importante e acontece quando o potássio se passa do espaço extracelular para o intracelular. Isso pode ser induzido por certos medicamentos como agonistas beta-2 adrenérgicos e insulina. Condições clínicas como alcalose metabólica, paralisia periódica hipocalêmica e abuso de insulina no tratamento do diabetes também são causas desse deslocamento.
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Sintomas da hipocalemia
A hipocalemia gera sintomas que se tornam mais evidentes à medida que os níveis de potássio diminuem para menos de 3 mEq/L. Os sinais mais comuns incluem fraqueza muscular, cãibras, espasmos e fadiga. A fraqueza muscular pode evoluir para uma paralisia ascendente, onde a fraqueza começa nos membros inferiores e pode progredir para os músculos respiratórios, levando a uma insuficiência respiratória que pode tornar-se fatal.
Os pacientes também podem apresentar palpitações, que podem ser indicativas de arritmias cardíacas, incluindo alterações no eletrocardiograma, como ondas U proeminentes, achatamento das ondas T e alterações no segmento ST. Em casos mais graves, arritmias cardíacas podem evoluir para uma PCR. Outras manifestações cardiovasculares são a hipotensão postural e sinais de insuficiência cardíaca.
Os sintomas no sistema gastrointestinal são constipação, náusea, vômito, íleo paralítico e distensão abdominal. A lentificação da peristalse pode evoluir para um quadro de hipomotilidade intestinal e resultar em um íleo paralítico, visto por distensão abdominal, dor e ausência de evacuações.
Para mais, a hipocalemia pode impactar o sistema nervoso, resultando em parestesias, reflexos anormais e em alguns casos tetania. Os reflexos tendinosos profundos podem ser diminuídos ou aumentados. O distúrbio eletrolítico também pode exacerbar condições preexistentes, como a paralisia periódica hipocalêmica, um distúrbio neuromuscular raro que gera episódios de fraqueza muscular por alterações abruptas no deslocamento de potássio para dentro das células.
No exame físico, pode-se observar fraqueza muscular, além de reflexos tendinosos alterados. Em casos crônicos, é possível identificar sinais de atrofia muscular. O exame cardiovascular pode mostrar arritmias e sinais de falência cardíaca, enquanto o exame abdominal pode mostrar ruídos hidroaéreos hipoativos e dor à palpação abdominal.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico inicia com a verificação dos eletrólitos séricos (ionograma), incluindo potássio, sódio, cloro, bicarbonato, magnésio, cálcio e fósforo, além de glicemia, ureia e creatinina. Esses laboratórios fornecem informações sobre a gravidade da hipocalemia e podem revelar outros distúrbios eletrolíticos associados, como hipomagnesemia, que é comum ocorre concomitantemente e pode agravar arritmias cardíacas.
O teste de excreção urinária de potássio ajuda a distinguir as perdas renais de potássio de outras causas. Idealmente, a excreção de potássio é medida por coleta de urina em 24 horas, com uma excreção > 30 mEq de K + por dia indicando perda renal aumentada. Outra alternativa é medir a relação potássio-creatinina: uma relação > 13 mEq/mmol de creatinina também indica perda renal exacerbada de potássio.
Além dos testes laboratoriais, o eletrocardiograma (ECG) é imprescindível para descartar arritmias. Alterações no ECG incluem a diminuição da amplitude da onda T, depressão do segmento ST, aparecimento da onda U e prolongamento do intervalo QT. Complicações mais graves, como torsades de pontes e taquicardia ventricular, podem surgir em pacientes idosos, com doenças cardíacas de base ou sob tratamento com digoxina ou antiarrítmicos.
Se houver hipertensão arterial, é preciso medir os níveis de renina, aldosterona e cortisol. Níveis altos de aldosterona e renina, mas com cortisol normal, podem indicar estenose da artéria renal, reninoma ou hipertensão maligna. Se a aldosterona estiver aumentada e a renina baixa, com cortisol normal, pode-se considerar hiperaldosteronismo primário. Já a síndrome de Cushing é suspeitada se os níveis de cortisol forem elevados com baixa renina e aldosterona.
Tratamento para Hipocalemia
O tratamento da hipocalemia tem como principais objetivos prevenir ou tratar complicações potencialmente fatais, corrigir o déficit de potássio e abordar a causa subjacente da condição. A urgência terapêutica varia conforme a gravidade, a presença de comorbidades e a velocidade da queda dos níveis séricos de potássio.
A reposição de potássio é indicada na maioria dos casos, especialmente quando as perdas renais e gastrointestinais são importantes. A hipomagnesemia concomitante deve ser corrigida caso esteja ocorrendo, pois a reposição de potássio isoladamente pode ser ineficaz quando a hipocalemia ocorre junto à hipomagnesemia.
Nos casos leves a moderados, que frequentemente são assintomáticos, a reposição muitas vezes não é urgente. Nesses casos, é tratado com suplementos orais de potássio. No entanto, a suplementação oral pode irritar a mucosa gastrointestinal e causar sangramento ou ulceração. Apesar disso, a reposição oral de potássio apresenta um risco menor de hipercalemia rebote.
O cloreto de potássio é o preparo mais escolhido para a terapia de reposição, pois muitas vezes a hipocalemia está associada à depleção de cloreto e responde melhor ao cloreto de potássio. O aumento do potássio dietético geralmente não é suficiente para tratar o problema, porque a maioria do potássio nos alimentos está ligada ao fosfato. A reposição intravenosa (IV) é administrada se a terapia oral não for tolerada.
Quando a doença é grave ou há sintomas clínicos, a terapia de reposição deve ser feita com urgência. A administração de 40 mEq de cloreto de potássio a cada 3 a 4 horas por três doses é o manejo de escolha. A correção rápida pode ser feita via oral, via IV ou ambas. Apesar disso, infusões IV periféricas com valor superior a 10 mEq/h geralmente causam dor e flebite.
Há um risco de hipercalemia rebote quando as taxas ultrapassam 20 mEq/h. Geralmente, 20 mEq/h de cloreto de potássio aumentam os níveis séricos de potássio em uma média de 0,25 mEq/h. Soluções contendo dextrose não devem ser usadas para reposição de potássio, pois a dextrose estimula a secreção de insulina, exacerbando a hipocalemia.
Os níveis de potássio no sangue devem ser verificados a cada 2 a 4 horas. A reposição de potássio pode ocorrer mais lentamente uma vez que o nível sérico de potássio esteja acima de 3 mEq/L ou que os sintomas clínicos tenham sido resolvidos. Independentemente da gravidade, é necessário monitoramento cuidadoso dos níveis séricos de potássio, pois a hipercalemia é uma complicação comum em pacientes hospitalizados.
Conclusão
A hipocalemia é um distúrbio hidroeletrolítico frequentemente visto na prática que pode ser causado por desordens muito comuns, como pelo uso de diuréticos e por diarréias. É importante sua identificação precoce, visto que a queda intensa nos níveis séricos de potássio podem causar complicações, principalmente no contexto cardiovascular.
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FONTES:
- Hypokalemia - Approach to the Patient - DynaMed. EBSCO Information Services.
- Castro D, Sharma S. Hypokalemia - StatPearls - NCBI Bookshelf