A hipercalcemia é um distúrbio hidroeletrolítico caracterizado por aumento dos níveis séricos de cálcio. O cálcio é um cátion importante para realização de diversas funções no corpo, como transmissão neural, atividade enzimática, função miocárdica e coagulação. A prevalência na população é de 1% a 2%, sendo a maioria causada por hiperparatireoidismo primário.
Neste post iremos abordar a hipercalcemia, suas etiologias e como manejar!
O que é a hipercalcemia?
A hipercalcemia é caracterizada por aumento na concentração sérica de cálcio, acima dos 10,8 mg/dl. O cálcio sérico normal varia de 8,8 mg/dL a 10,8 mg/dL. O papel do cálcio no corpo é fundamental na transmissão neural, atividade enzimática, função miocárdica, coagulação e outras funções celulares. É encontrado em alimentos como leite e queijos, grão de bico e espinafre.
A maior parte do cálcio é encontrada nos ossos, como fosfato de cálcio, enquanto uma pequena porcentagem é encontrada nas células e nos fluidos extracelulares. No soro, cerca de 45% do cálcio está ligado às proteínas, 45% existe como cálcio livre ou ionizado(forma ativa), enquanto 10% está ligado aos ânions.
Fisiologia do cálcio
A ingestão diária normal do cálcio é de 1000mg por dia, mas apenas 35% (350 mg) é absorvido pelos intestinos e enviado à corrente sanguínea. Sendo essa absorção facilitada pela vitamina D. Além disso, aproximadamente 250mg são excretadas pelas fezes diariamente, por meio de sulcos gastrointestinais e células epiteliais descamadas. Assim, cerca de 90% do cálcio consumido é excretado pelas fezes. E mais, 10% do cálcio ingerido é filtrado nos rins. Todavia, 99% dele é reabsorvido pelos túbulos renais, através da ação do PTH.
Assim, quando a quantidade de cálcio iônico sérico está baixa, há aumento da reabsorção desse mineral. Da mesma forma, o aumento de cálcio sérico provoca diminuição da reabsorção. Com isso, é possível ver que o PTH controla a quantidade sérica de cálcio. Dessa forma, se há hipercalcemia, ocorre a diminuição na produção do paratormônio pelas glândulas. Inversamente, se há hipocalcemia, as glândulas paratireoides atuam secretando mais PTH.
Quais as causas da hipercalcemia?
A principal causa da hipercalcemia é o excesso de hormônio da paratireoide (PTH). As causas mediadas pelo PTH incluem adenoma/hiperplasia da glândula, hipercalcemia hipocalciúrica familiar e síndromes de neoplasia endócrina múltipla. O hiperparatireoidismo primário e a malignidade são responsáveis por 90% dos casos de aumento na concentração sérica do cálcio.
Entre as malignidades, câncer de mama, câncer de pulmão, carcinomas renais, leucemias, linfomas e rabdomiossarcoma podem estar associados a níveis elevados de cálcio mediados pela ação de peptídeos relacionados ao PTH. Causas endócrinas como tireotoxicose (devido à estimulação da função dos osteoclastos pelo hormônio tireoidiano), hipoadrenalismo e também feocromocitomas podem estar associadas à hipercalcemia.
Outras causas diversas incluem síndrome de Williams, síndrome de Murk Jansen, hipofosfatemia, hipervitaminose A, insuficiência renal aguda/crônica, uso de diuréticos tiazídicos ou lítio e imobilização prolongada.
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Sintomas da hipercalcemia
Os sintomas de hipercalcemia geralmente são observados quando os níveis séricos de cálcio são superiores a 12 mg/dl. Sintomas gerais como cansaço e mal-estar e sintomas gastrointestinais como dor, náusea, vômito e prisão de ventre são observados. O distúrbio pode causar úlcera péptica e pancreatite. Além disso, complicações relacionadas aos ossos, como dor óssea, osteoporose, osteomalácia, artrite e fraturas patológicas.
A hipercalcemia grave inibe a despolarização neuromuscular e miocárdica, levando à fraqueza muscular e arritmias. Os efeitos cardiovasculares incluem intervalo PR prolongado, intervalo QT curto, complexo QRS alargado e bradicardia. O aumento da sede com polidipsia e poliúria é observado inicialmente, progredindo para nefrolitíase e nefrocalcinose em casos crônicos.
As características neurológicas incluem concentração prejudicada, depressão, perda de memória, estado mental alterado, variando de confusão a irritabilidade. Níveis superiores a 14 mg/dL podem causar encefalopatia e níveis acima de 15 mg/dL são uma emergência médica.
Como é realizado o diagnóstico?
O diagnóstico da hipercalcemia é por meio da dosagem sérica do cálcio. Pode ser classificada em leve se de 10.5 a 11.9, moderada se de 12 a 14 e crise hipercalcêmica acima de 14 mg/dl. A investigação da etiologia inclui a obtenção de PTH sérico, calcitonina, vitamina D, cálcio ionizado, fósforo, magnésio, níveis de fosfatase alcalina, funções renais e relação cálcio-creatinina urinária.
O hiperparatireoidismo, por exemplo, é caracterizado por níveis elevados de cálcio, altos níveis de PTH e baixos níveis de fósforo. No eletrocardiograma, o distúrbio pode causar: achatamento ou inversão da onda T, prolongamento leve dos intervalos QRS e PR, elevação ST e presença de onda J no final do complexo QRS.
Tratamento para a hipercalcemia
O tratamento da hipercalcemia é necessário se o paciente for sintomático ou se o nível de cálcio for superior a 15 mg/dL. A terapia imediata é hidratação para restaurar o volume intravascular e promover a excreção de cálcio na urina, com uma infusão de solução salina a 0,9% com o dobro da taxa de manutenção até que qualquer déficit hídrico seja reposto e ocorra a diurese (débito urinário ≥ 200 mL/h a 300 mL/h).
A hemodiálise é o tratamento de escolha para diminuir rapidamente o cálcio sérico em pacientes com insuficiência cardíaca ou insuficiência renal. A causa específica do problema precisa ser identificada e o tratamento direcionado de acordo. Pacientes com hiperparatireoidismo necessitam de exploração cirúrgica e remoção da fonte de secreção aumentada de PTH.
Bifosfonatos como etidronato, pamidronato e alendronato são os medicamentos de escolha para a hipercalcemia maligna, pois inibem a atividade osteoclástica. A hipercalcemia associada ao excesso de vitamina D pode ser tratada com esteróides, pois inibem a atividade da alfa-hidroxilase, ou com cetoconazol, pois inibe a atividade da 1-alfa-hidroxilase. A hipercalcemia de imobilização pode ser prevenida incentivando a atividade conforme tolerada e hidratação adequada.
Conclusão
A hipercalcemia é caracterizada por níveis elevados de cálcio, um cátion importante para realização de diversas funções no corpo. Em excesso, pode gerar sintomas como cansaço e mal-estar e sintomas gastrointestinais como dor, náusea, vômito e prisão de ventre, além de sintomas ósseos como dor óssea. Porém, a principal preocupação é o alongamento do intervalo QT e as arritmias. A terapia imediata é hidratação para restaurar o volume intravascular. Além disso, pode ser realizada hemodiálise e usado medicações como bifosfonatos.
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FONTES:
- SADIQ, Nazia; et. al. Hypercalcemia - StatPearls - NCBI Bookshelf . 2022. National Library of Medicine.
- Abordagem clínico-laboratorial no diagnóstico diferencial de hipercalcemia Revisões • Arq Bras Endocrinol Metab 43 (6) • Dez 1999