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Publicado em
28/4/25

Guia médico de herpes: o que saber na residência médica

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Guia médico de herpes: o que saber na residência médica

O Herpes Simples é uma infecção viral comum, crônica e recorrente, causada pelo Herpes Simplex Virus (HSV), classificado em dois sorotipos principais: HSV-1 e HSV-2. Tradicionalmente, o HSV-1 está associado a infecções orais, enquanto o HSV-2 está mais relacionado às infecções genitais. No entanto, esta divisão tem se tornado menos rígida devido à prática sexual oral-genital, resultando em apresentações atípicas de ambos os tipos virais.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que aproximadamente 67% da população mundial esteja infectada com HSV-1, evidenciando sua ampla disseminação. O conhecimento aprofundado sobre sua fisiopatologia, manifestações clínicas e conduta terapêutica é essencial na formação médica, especialmente durante a residência, uma vez que a infecção é recorrente, transmissível e, em alguns casos, associada a complicações neurológicas e neonatais.

Herpes: o que médicos e estudantes de residência devem saber

Durante a prática clínica, é fundamental reconhecer os sinais precoces da infecção herpética, uma vez que o diagnóstico precoce e o início oportuno da terapia antiviral reduzem a gravidade do quadro e a taxa de transmissão. O Herpes Simples é caracterizado por sua capacidade de causar infecção latente, permanecendo nos gânglios nervosos (trigêmeo no caso do HSV-1 e sacral no caso do HSV-2), podendo reativar-se periodicamente, sobretudo em situações de imunossupressão, estresse ou trauma local.

Na residência médica, além do reconhecimento clínico, é essencial compreender os mecanismos de disseminação viral, indicar exames complementares com critério e saber instituir a terapia adequada segundo protocolos atualizados. Residentes devem ainda estar atentos às manifestações atípicas e formas complicadas, como herpes neonatal, encefalite herpética e infecção disseminada em imunossuprimidos.

Causas, vírus envolvidos e modo de transmissão

A infecção causada pelo HSV 1 e HSV 2 inicia-se com a replicação viral nas células epiteliais do local de entrada — geralmente pele ou mucosas orais, genitais ou anorretais — desencadeando um processo inflamatório local. 

Logo após essa fase, o vírus invade as terminações nervosas sensoriais periféricas e migra por transporte axonal retrógrado até os gânglios nervosos sensoriais regionais (gânglio do trigêmeo no caso de infecção orolabial ou gânglio sacral nas infecções genitais). Ali, estabelece um estado de latência viral, no qual o DNA viral permanece em forma episomal, inativo, mas potencialmente reativável sob estímulos como febre, exposição solar, estresse emocional, trauma físico ou imunossupressão.

A transmissão do HSV ocorre principalmente por meio de contato direto com secreções corporais infectadas, podendo acontecer mesmo na ausência de lesões clínicas aparentes, relevante sobretudo na infecção genital. As principais vias de contágio são: o contato oral-oral, predominante nas infecções por HSV-1; o contato oral-genital ou genital-genital, que pode envolver tanto HSV-1 quanto HSV-2; e o contato com pele ou mucosa lesionada, onde haja soluções de continuidade que favoreçam a entrada do vírus.

O período de incubação costuma variar entre quatro a cinco dias, podendo ser mais curto ou mais longo, dependendo do status imunológico do hospedeiro e da carga viral envolvida na exposição inicial. Após esse período, o paciente pode apresentar manifestações clínicas típicas da primo-infecção ou, nos casos de reativação, formas mais brandas e localizadas.

Sintomas iniciais de herpes: sinais de alerta para diagnóstico rápido

Os sintomas iniciais da infecção pelo vírus Herpes Simplex (HSV) apresentam um padrão clínico relativamente específico que, quando reconhecido precocemente, possibilita a instituição de medidas terapêuticas eficazes. 

O quadro clássico se caracteriza pelo surgimento de vesículas agrupadas, com morfologia típica em “cacho de uva”, dispostas sobre base eritematosa, frequentemente localizadas em regiões orolabial, genitais e perianais, dependendo da via de infecção. Essas lesões vesiculosas são geralmente antecedidas por pródromos neurossensoriais, como ardência, parestesia, prurido e dor local, refletindo a reativação do vírus a partir dos gânglios sensoriais.

Lesões orais herpéticas típicas (HSV-1). Fonte: Wikipedia

Na fase ativa, as vesículas evoluem para úlceras dolorosas de fundo limpo e bordas bem delimitadas, podendo confluir em lesões maiores. Em até cinco dias, há formação de crostas, com resolução espontânea do quadro em aproximadamente 10 a 14 dias, na ausência de tratamento antiviral. 

Lesões pelo herpes simples na região das nádegas e genital. Fonte: Drª. Keilla Freitas 
Lesões pelo herpes simples na região das nádegas e genital. Fonte: Drª. Keilla Freitas 

A primo-infecção herpética, sobretudo em pacientes soronegativos para herpes  simples, tende a ser mais exuberante e prolongada, podendo cursar com febre, cefaleia, prostração, mialgias, e linfadenopatia regional dolorosa (submandibular ou inguinal, a depender da topografia das lesões). Em tais casos, a duração dos sintomas pode exceder duas semanas.

Nos episódios de reativação viral, a apresentação clínica é geralmente mais branda, com menor extensão e intensidade do quadro cutâneo-mucoso, e ausência de manifestações sistêmicas. No entanto, sinais clínicos precoces são essenciais para diagnóstico oportuno. 

Entre os principais sinais de alerta clínico para suspeição de herpes simples estão: dor ou sensação de queimação localizada antecedendo o surgimento das lesões; adenomegalia regional dolorosa (em especial inguinal ou submandibular); e presença de lesões ulceradas de aparecimento abrupto em regiões orais ou genitais

A detecção desses sinais no contexto clínico adequado deve motivar a consideração de infecção herpética como hipótese diagnóstica prioritária, sobretudo em pacientes com história prévia de lesões semelhantes ou fatores de risco para exposição viral.

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Como diagnosticar? Exames laboratoriais e clínicos

O diagnóstico da infecção pelo HSV é predominantemente clínico, sustentado pela anamnese dirigida e pelos achados semiológicos característicos. Em muitos casos, especialmente em indivíduos imunocompetentes com lesões recorrentes, o diagnóstico pode ser firmado apenas pela avaliação clínica. No entanto, nas apresentações atípicas, em pacientes imunossuprimidos ou em situações de dúvida diagnóstica, é indicada a realização de exames laboratoriais complementares para confirmação etiológica e tipagem viral.

Entre os métodos diagnósticos disponíveis, destaca-se o teste de Tzanck, que consiste na coleta do material da base da vesícula através de raspado com lâmina ou bisturi, seguido de coloração por Giemsa ou Wright. O achado de células epiteliais gigantes multinucleadas é sugestivo de infecção por vírus herpes, porém esse teste não permite diferenciar HSV-1 de HSV-2, tampouco distinguir da infecção por vírus varicela-zóster (VZV), o que limita sua aplicabilidade como método isolado.

Células gigantes multinucleadas (teste de Tzanck). Fonte: Research Gate
Células gigantes multinucleadas (teste de Tzanck). Fonte: Research Gate

A cultura viral continua sendo um exame útil, sobretudo em lesões vesiculosas recentes, com melhor rendimento na primo-infecção herpética, permitindo a diferenciação entre HSV-1 e HSV-2. Contudo, apresenta sensibilidade reduzida nas fases tardias da lesão ou quando as vesículas já se ulceraram.

A sorologia específica para HSV-1 e HSV-2, embora não seja útil para o diagnóstico da infecção aguda, tem valor na identificação de infecção prévia, sendo especialmente relevante em contextos de aconselhamento pré-natal ou triagem de parceiros sexuais.

A reação em cadeia da polimerase (PCR) é atualmente o exame de maior sensibilidade e especificidade para detecção do DNA viral. Permite não apenas a confirmação da infecção, mas também a tipagem entre HSV-1 e HSV-2, sendo útil tanto em material de lesões como em líquor ou outros fluidos corporais em casos de suspeita de infecção herpética disseminada ou encefalite herpética.

Por fim, o ensaio imunoenzimático (ELISA) é utilizado na detecção de anticorpos IgG e IgM específicos contra HSV. Embora tenha maior aplicação em estudos sorológicos populacionais e em contextos obstétricos, pode auxiliar na diferenciação entre infecção primária e recorrente, desde que interpretado em conjunto com a clínica e outros exames. 

Tratamento do herpes: conduta atual e protocolos atualizado

Os principais pilares do tratamento incluem a redução da duração e intensidade dos sintomas, a promoção da cicatrização das lesões cutâneas, a diminuição do risco de transmissão viral e a prevenção de episódios recorrentes.

A terapia antiviral constitui a base do tratamento, com três principais opções disponíveis. O aciclovir, como agente de primeira linha, apresenta esquemas posológicos diferenciados conforme a apresentação clínica: 200 mg por via oral cinco vezes ao dia ou 400 mg três vezes ao dia, com duração variando entre cinco a dez dias conforme a gravidade do quadro e se trata de primo-infecção ou recidiva. Embora eficaz, sua biodisponibilidade oral limitada exige múltiplas doses diárias, o que pode comprometer a adesão terapêutica.

Alternativas mais modernas incluem o valaciclovir, permitindo esquemas posológicos simplificados de 500 mg a 1000 mg duas vezes ao dia. O fanciclovir, por sua vez, oferece a vantagem de menor frequência de administração, com dosagens típicas de 125 mg a 250 mg duas vezes ao dia, sendo particularmente útil em casos de intolerância aos outros agentes ou em pacientes com recidivas frequentes.

O momento de início da terapia é crucial para sua eficácia ótima. A intervenção ideal deve ocorrer preferencialmente nas primeiras 72 horas do aparecimento dos sintomas ou, preferencialmente, durante a fase prodrômica, quando presentes os sintomas sistêmicos iniciais. 

Em casos selecionados, como pacientes imunocomprometidos ou com história de recidivas frequentes (seis ou mais episódios anuais), pode-se instituir terapia supressiva contínua, que demonstra eficácia na redução da frequência e intensidade dos surtos.

Paralelamente ao tratamento farmacológico, medidas complementares desempenham papel fundamental no manejo global. A educação do paciente deve enfatizar a possibilidade de transmissão viral mesmo na ausência de lesões ativas (shedding assintomático), a importância do uso consistente de preservativos como método de barreira e a necessidade de avaliação para outras infecções sexualmente transmissíveis concomitantemente. 

Cuidados locais com as lesões, incluindo higiene adequada, ajudam a prevenir reeinfecções bacterianas. Casos especiais, como herpes neonatal ou encefalite herpética, exigem abordagem mais agressiva com terapia intravenosa e acompanhamento multidisciplinar. 

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