A esporotricose é uma infecção fúngica de relevância crescente no Brasil e em outros países tropicais. Inicialmente associada a trabalhadores rurais e jardineiros, hoje é uma importante zoonose urbana devido à sua disseminação por gatos domésticos infectados. Apesar de sua progressão lenta, a doença pode causar complicações graves, especialmente em pacientes imunossuprimidos.
Esse texto procura ajudá-lo a entender a patogênese, sinais clínicos e opções terapêuticas, tópicos essenciais para a atuação do médico em áreas endêmicas ou em situações de surtos.
O que é a esporotricose?
A esporotricose é uma infecção fúngica causada por espécies do gênero Sporothrix. O Sporothrix brasiliensis tem emergido como o principal agente zoonótico na América Latina. Trata-se de um fungo dimórfico, que apresenta:
- Fase saprofítica (filamentosa): Encontrada no ambiente, especialmente em vegetação em decomposição.
- Fase parasitária (leveduriforme): Presente em tecidos infectados.
A doença pode ser classificada em diferentes formas clínicas:
- Cutânea localizada: A forma mais comum.
- Cutânea linfática: Evolução de lesões cutâneas com comprometimento de linfáticos.
- Cutânea disseminada: Rara, geralmente em imunossuprimidos.
- Extracutânea: Inclui a forma pulmonar e a disseminação sistêmica.
Como ocorre a transmissão da esporotricose?
A esporotricose é adquirida principalmente de duas maneiras:
- Por trauma cutâneo: A introdução do fungo ocorre através de pequenos traumas na pele, geralmente associados ao contato com solo, vegetação ou materiais orgânicos contaminados. Essa forma é conhecida como esporotricose sapronótica.
- Por zoonose: A transmissão zoonótica é frequentemente mediada por gatos infectados, que apresentam lesões ulceradas e carregam altas concentrações do fungo nas secreções. A transmissão ocorre principalmente por arranhões, mordidas ou contato direto com essas lesões.
A transmissão pessoa a pessoa é extremamente rara, mas relatos sugerem a possibilidade em casos de contato íntimo com lesões abertas ou fluidos corporais contaminados. E o tempo de incubação gira em torno de 3 semanas a partir da inoculação.
Sinais e sintomas
A apresentação clínica varia de acordo com a via de entrada, a resposta imunológica do paciente e a espécie envolvida. As principais manifestações são:
Formas Cutâneolinfática
Forma mais comum, sendo por volta de 70% dos casos e se apresenta nas seguintes formas:
Cutânea localizada
Decorrente de uma boa resistência do organismo. Caracteriza-se por lesão papulosa ou pápulo tuberosa, formando placa verrucosa com ou sem ulceração. Geralmente indolor, com possibilidade de prurido leve.
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Cutânea linfática
Se manifesta na forma de uma úlcera (lesão de inoculação) com trajeto linfático ascendente (sinal do rosário) nos MMSS ou MMII. As cadeias de nódulos subcutâneos, podendo ulcerar e drenar secreção purulenta.
Formas Extra Cutânea
São decorrentes da disseminação hematogênica. Apresenta os seguintes sintomas:
Osteoarticular
Dor, edema e rigidez em articulações são os sintomas, que estão presentes principalmente nos joelhos, punhos e tornozelos.
Pulmonar
Sendo mais comum em pacientes com história de exposição ambiental prolongada, se apresenta com tosse, hemoptise, febre e perda de peso.
Forma Disseminada
Acomete múltiplos órgãos, incluindo fígado, baço e sistema nervoso central. Geralmente ocorre em pacientes imunodeprimidos, como portadores de HIV/AIDS.
Manifestações em Gatos
Se apresenta como lesões ulceradas com bordas irregulares, exsudato purulento e proliferação de fungos. Podendo evoluir para comprometimento respiratório, com secreção nasal, espirros e dificuldade respiratória.
Diagnóstico da esporotricose
O diagnóstico envolve suspeição clínica e confirmação laboratorial.
Anamnese e Exame Clínico
- Investigação de exposição a solos ou animais infectados.
- Avaliação das características das lesões cutâneas e sua distribuição.
Métodos Laboratoriais
Cultura microbiológica
Coleta de material de lesões ou secreções para cultivo em meio de Sabouraud.
- Apresentação do termodimofismo: aspecto filamentoso (25º C) e levedura (37°C)
- O crescimento do fungo é observado em 3-7 dias, com posterior identificação por métodos moleculares ou bioquímicos.
Exame histopatológico
Biópsia cutânea com coloração por ácido periódico de Schiff (PAS) ou prata metenamina de Gomori, evidenciando granulomas e leveduras em formato de charuto.
Testes moleculares
PCR para identificação de espécies específicas de Sporothrix.
Sorologia
Utilizada em formas disseminadas ou em pesquisa epidemiológica.
O diagnóstico diferencial da esporotricose entra nas doenças que cursam com úlceras cutâneas únicas, essas doenças são agrupadas no grupamento PLECT (paracoccidioidomicose, leishmaniose, esporotricose, cromomicose e tuberculose cutânea).
Como é feito o tratamento?
O tratamento é determinado pela forma clínica e pelas condições do paciente:
Formas Cutâneas Simples
O medicamento de primeira escolha é o Itraconazol: 100-200 mg/dia até a cura clínica. Em casos leves ou em pacientes com contraindicação ao itraconazol, a terbinafina (250 mg/dia) pode ser uma alternativa.
Formas Graves ou Disseminadas
Nestes casos, a anfotericina B lipossomal é recomendada na seguinte dosagem: 3-5 mg/kg/dia intravenosa até melhora clínica, seguida de itraconazol oral por 6-12 meses. Para pacientes com HIV/AIDS, o tratamento deve ser prolongado, frequentemente com itraconazol em doses de manutenção.
Gravidez
Para as gestantes, a terbinafina é a preferida, pois o itraconazol é contraindicado durante a gestação.
Manejo de Animais Infectados
Os gatos infectados devem ser tratados com itraconazol sob supervisão veterinária. Isolamento e higiene rigorosa são essenciais para reduzir a disseminação.
Conclusão
A esporotricose é uma doença com crescente relevância clínica e epidemiológica, especialmente em áreas endêmicas. O reconhecimento precoce dos sinais clínicos, associado ao diagnóstico laboratorial preciso, é essencial para o manejo adequado.
Médicos devem estar atentos ao potencial zoonótico da doença e orientar medidas preventivas, incluindo o manejo de animais infectados. O tratamento é eficaz na maioria dos casos, mas requer adesão prolongada para evitar recaídas. A conscientização sobre a esporotricose e seu impacto na saúde humana e animal é fundamental para reduzir sua disseminação e melhorar o prognóstico dos pacientes.
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FONTES:
- AZULAY, R. D.; AZULAY, D. R. Dermatologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2022.