As consequências causadas pelo novo coronavírus, após a eliminação do patógeno, são inúmeras. Assim, ele também prejudica a reprodução masculina, afetando, por exemplo, a motilidade espermática e os níveis de testosterona. Alterações que podem ser verificadas mesmo em pacientes que apresentaram a Covid-19 assintomática ou na sua forma leve.
Vários estudos que têm a participação do professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, o andrologista, Jorge Hallak, já analisam quais são essas consequências.
Desse modo, um acompanhamento de pacientes do sexo masculino, realizado desde o ano passado, mostrou alterações significativas nos exames de fertilidade e hormonais.
Com isso, o espermograma de muitos deles mostrou que a capacidade dos espermatozoides de se moverem e fertilizarem os óvulos caiu para entre 8% e 12%. Um índice preocupante, já que o normal é acima de 50%.
Além disso, os níveis de testosterona despencaram, variando abaixo de 200 nanogramas por decilitro de sangue (ng/dL). E mais, muitas vezes ficou entre 70 e 80 ng/dL. Esses resultados foram observados meses após os indivíduos se recuperarem da doença e são insuficientes para diagnosticar a fertilidade ou a infertilidade.
O SARS-COV-2 causa epididimite, mas o diagnóstico é difícil
Pesquisas recentes mostram que o SARS-COV-2 também infecta os testículos, prejudicando, assim, a produção de espermatozoides e de hormônios. Isso pode ser observado num estudo, publicado na revista Andrology, em fevereiro deste ano, com 26 pacientes que foram contaminados pelo vírus.
Eles tinham em média 33 anos e estavam sendo acompanhados pelo Hospital das Clínicas da FM-USP (HC-FM-USP) e pelo Instituto Androscience. Sendo assim, por meio de exames de ultrassom, foi evidenciado que mais da metade deles apresentavam uma inflamação grave no epidídimo.
No entanto, a epididimite causada pelo patógeno é indolor e não é diagnosticada pelo exame físico ou a olho nu, diz Hallak. Por isso ele recomenda que no pós-pandemia o autoexame dos testículos seja utilizado como política de saúde pública.
Ademais, o médico também recomenda que adolescentes, adultos jovens e homens em idade reprodutiva, após o coronavírus, procurem um urologista ou andrologista. O acompanhamento deve ser feito de um a dois anos após a infecção, já que não se sabe como a doença evolui.
Isso porque, é preciso verificar se existe algum comprometimento testicular que possa afetar a fertilidade e a produção hormonal. Através do ultrassom com Doppler colorido. Além do mais, é necessário mensurar o volume do testículo, dosar a testosterona e outros hormônios e analisar o sêmen com testes de função espermática.
Coronavírus invade todos os tipos de células testiculares
De acordo com outro estudo, que também teve a participação do andrologista, Jorge Hallak, o SARS-COV-2 acomete todos os tipos de células testiculares. Ele foi publicado no mês de julho deste ano, também na revista Andrology.
Com isso, causa lesões que podem prejudicar a função hormonal e a fertilidade masculina. Para chegar a essas conclusões, os pesquisadores utilizaram técnicas de autópsias minimamente invasivas.
Através dessas técnicas, foram extraídas amostras de tecidos dos testículos de 11 homens, que morreram em decorrência da Covid-19 grave, no HC-FM-USP. Eles tinham idades entre 32 e 88 anos.
As observações evidenciaram lesões que podem causar alterações inflamatórias na produção hormonal e na espermatogênese. As análises mostraram, segundo o coordenador da pesquisa, Amaro Nunes, que houve uma diminuição expressiva da espermatogênese.
Desse modo, mesmo naqueles em idade fértil a quantidade de espermatozoide era muito baixa. De acordo com o coordenador, uma das causas dessa diminuição são as lesões nos vasos do parênquima testicular, com a presença de trombos, levando à hipóxia.
Ele também fala em fibroses que obstruem os túbulos seminíferos. Para explicar o baixo quantitativo hormonal, Nunes diz que ela pode ser causada pela perda das células de Leydig, diminuindo a fertilidade.
Por fim, os pesquisadores querem realizar um estudo de acompanhamento, a fim de analisar se as lesões testiculares poderão ser revertidas naturalmente. Ou ainda, por meio de medicamentos.
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Reprodução assistida pode ser uma alternativa para esse fenômeno?
Para Jorge Hallak, é preciso ter cuidado com a reprodução assistida no pós-pandemia. Não se sabe quais as consequências dos meses pós-infecção. Não se sabe se o vírus ainda pode estar presente nos espermatozoides, por exemplo. Isso porque, ele está presente em todas as células que participam da espermatogênese.
Assim, Jorge recomenda que, preventivamente, é imprescindível esperar, no mínimo 90 dias, o equivalente a um ciclo de espermatogênese, para fazer uma investigação andrológica. Ainda para ele, a reposição de testosterona seria desnecessária.
O médico afirma que ela vai inibir ainda mais a função testicular. Então, para que ocorra a volta da produção hormonal, alternativas como os mecanismos de reparação próprios dos testículos podem ser utilizados.
Além de terapêuticas que auxiliam na volta dessa produção natural dos hormônios esteroidais. Essa reposição também vai depender se houve lesões nas células de Leydig e em que grau foram lesionadas. Algo que, sendo Hallak, ainda não se sabe.