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Publicado em
2/4/24

Avaliação pré-operatória: qual o objetivo e anamnese

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Avaliação pré-operatória: qual o objetivo e anamnese

A avaliação pré-operatória é uma ferramenta que aumenta a eficácia e segurança dos pacientes em cirurgias, assim como de seus respectivos procedimentos anestésicos. Ao conhecer bem os dados clínicos do paciente, a equipe é capaz de identificar fatores de risco, comorbidades e condições subjacentes que podem impactar no sucesso da terapia proposta. Vamos revisar os pilares da abordagem pré-operatória.

O que é a Avaliação pré-operatória?

A avaliação pré-operatória é um esquema de investigação clínica realizada antes de cirurgias e/ou anestésicos, visando reduzir as taxas de complicações e de efeitos adversos associados a esses procedimentos. Tanto uma anestesia quanto uma operação estão associadas a uma complexa resposta ao estresse metabólico, proporcional à magnitude da intervenção, sendo assim um período de propensão à exacerbação de condições de saúde já existentes.

Dessa forma, a avaliação pré-operatória foca em 4 pilares: Avaliação clínica, Exames complementares, medicamentos e graduação do risco cirúrgico-anestésico.

Qual o seu objetivo?

A avaliação pré-operatória tem diversos objetivos essenciais. Em primeiro lugar, busca documentar as condições que necessitam de intervenção cirúrgica, fornecendo uma base clara para o procedimento e seu planejamento técnico. Além disso, realiza uma avaliação do estado de saúde geral do paciente, identificando condições pré-existentes, sejam crônicas ou agudas e potenciais complicações que poderiam surgir durante ou após a cirurgia/anestesia

A partir dessa avaliação, é possível desenvolver um plano de cuidados perioperatórios apropriado, abordando as necessidades específicas do paciente. Para mais, a educação do paciente desempenha um papel importante, reduzindo a ansiedade e facilitando a recuperação ao fornecer informações sobre a cirurgia, anestesia e cuidados no pré, intra e pós-operatório. 

Essa abordagem não apenas contribui para a eficiência do processo cirúrgico, reduzindo custos e tempo de internação, mas também aumenta a satisfação do paciente, minimizando cancelamentos e otimizando os resultados globais do procedimento.

Anamnese na avaliação pré-operatória

A anamnese será a coleta de dados da história clínica do paciente, sendo o componente mais importante de todo esse processo. Essa anamnese deve incluir a história da doença atual, condições prévias, cirurgias já realizadas, histórico de doenças na família, história social, hábitos de vida (uso de álcool, tabagismo, sedentarismo), alergias conhecidas, medicamentos em uso, internações recentes, reações a drogas ou outras complicações com anestesias anteriores.

No pré-cirúrgico pediátrico, a história também deve incluir os dados do nascimento, como idade gestacional, comorbidades na gravidez, história do parto, APGAR e infecções associadas. Atentar-se em casos de prematuros, infecções congênitas, necessidade de reanimação neonatal, complicações perinatais e marcos do desenvolvimento já atingidos.

O tripé da Avaliação pré-operatória

Exames complementares

Ao contrário do que muitos pensam, não existe uma bateria de exames pré-estabelecidos para procedimentos. Na verdade, o aceito atualmente é de que exames só devem ser solicitados perante uma justificativa. Logo, indivíduos saudáveis e sem comorbidades não necessariamente precisam de exames pré-cirúrgicos. Nessa população, caso fossem solicitados exames, apenas 5% dos pacientes apresentariam resultados fora do padrão de normalidade.

Está bem estabelecido que o maior valor está em uma boa anamnese e exame físico detalhado. Uma vez coletados os dados necessários, eles servem de guia para as solicitações de exames de imagem e laboratoriais. Veja abaixo uma tabela com os exames mais comumente solicitados e suas principais indicações:

Exame Indicação
Hemograma - Cirurgias complexas
- Doenças crônicas: cardiovascular, pulmonar renal ou hepática
- Neoplasias
- Anemia (suspeita ou confirmada), diátese hemorrágica ou mielossupressão
- Idade ≤ 1 ano
INR e TTPa - Terapia anticoagulante
- Diátese hemorrágica
- Hepatopatia
Eletrólitos e Creatinina - Hipertensão
- Nefropatia
- Diabetes
- Doença pituitária e adrenal
- Uso de medicamentos que afetam eletrólitos
Glicemia de jejum - Diabetes (deve ser repetida no dia da cirurgia)
Eletrocardiograma - Cardiopatia
- Hipertensão
- Diabetes
- Presença de fator de risco (ex: idade avançada, tabagismo)
- Hemorragia subaracnóide ou intracraniana
- Acidente Vascular Encefálico
- Trauma craniano
Radiografia de tórax - Pneumopatia
- Cardiopatia
- Neoplasias
Orientação de solicitação dos exames mais comuns, baseado em patologias. Fonte: EMR/Fernanda Vasconcelos

Medicamentos

Para fins de memorização, os medicamentos que devem ser suspensos (caso o paciente faça uso) são: os "4 As", os Estrogênios e os Diuréticos. Veja o esquema abaixo:

Os '4 AS'
1 Antidiabéticos orais Suspender na noite anterior
* com exceção da Clorpropamida, que deve ser com 48h de antecedência à cirurgia
2 AINEs suspender de 1 a 3 dias antes
3 Antiagregantes Plaquetários suspender de 7 a 10 dias antes
4 Anticoagulantes Warfarina - 5 dias antes / HBPM 12h antes / HNF 6h antes / NOACs entre 24 e 48h (dependerá do nível de clearance de Creatinina do paciente)
Esquema dos Medicamentos "4 As" que devem ser suspensos no pré-operatório. Fonte: EMR/Fernanda Vasconcelos

Os estrogênios devem ser suspensos de 4 a 6 semanas antes da cirurgia. Caso a paciente utilize estrogênio como método anticoncepcional, lembrar da introdução de método de barreira para prevenir gravidez nesse período. Já os diuréticos necessitam ser retirados apenas no dia do procedimento. Por fim, em pacientes tabagistas, a recomendação é de uma interrupção do uso de cigarro no mínimo 2 meses antes do procedimento.

Por outro lado, um medicamento que será introduzido nesse período é o antibiótico com objetivo profilático de infecções. O principal agente associado a infecções nesse contexto é o Staphylococcus aureus, o qual é o principal colonizador da pele humana. Para isso, utiliza-se uma Cefalosporina de 1ª geração (ex: Cefazolina) e esse medicamento deve ser administrado durante a anestesia, 60-120 minutos antes da incisão e no máximo 24h após o procedimento.

Risco cirúrgico e anestésico

CLASSIFICAÇÃO ASA 

Esse sistema classifica pacientes em diferentes categorias baseado em dados da história clínica, hábitos de vida e condição física atual. Essa graduação orienta os profissionais quanto ao perfil de paciente em questão, assim como pode ser indicativo da realização ou suspensão de um determinado procedimento. Seguem os seus parâmetros:

CLASSIFICAÇÃO DE RISCO CIRÚRGICO DA AMERICAN SOCIETY OF ANESTHESIOLOGY (ASA)
ASA I Saudável, não fumante e não etilista
ASA II Condição sistêmica leve (ex: HAS ou DM controlada, gestante, Obesidade IMC < 40, tabagista, etilista)
ASA III Condição sistêmica que causa limitação funcional (ex: DM ou HAS descompensada, Obesidade IM > 40)
ASA IV Condição que causa risco à vida (ex: paciente já internado em UCI)
ASA V Moribundo (ex: paciente com aneurisma de aorta roto)
ASA VI Morte encefálica (ex: cirurgia de captação de órgãos)

RISCO CARDIOVASCULAR

O método de triagem mais comum do parâmetro cardiovascular é o IRCR de LEE (Índice de risco cardíaco revisado). Nele, existem 6 fatores de risco padrão. Um paciente é considerado de alto risco de complicações cardiovasculares caso apresente 2 ou mais dos propostos:

Critérios do IRCR de Lee
Doença cardíaca isquêmica DM insulinodependente
Insuficiência cardíaca Disfunção renal (com Creatinina sérica > 2 mg/dL)
Doença cerebrovascular Cirurgia de alto risco

CAPACIDADE FUNCIONAL

A capacidade funcional refere-se à habilidade de um paciente para realizar atividades diárias e está diretamente relacionada à sua aptidão para passar por procedimentos cirúrgicos e se recuperar deles. A avaliação deve ser feita baseada na tabela abaixo:

CAPACIDADE FUNCIONAL (< 4 METs = Alto Risco)
< 4 METs 4 - 10 METs > 10 METs
Come, se veste, anda pela casa Sobe um lance de escada, possui atividade sexual, anda rápido Pratica esportes
Parâmetros da avaliação de Capacidade Funcional. Fonte: EMR/Fernanda Vasconcelos

Conclusão

Apesar de não ser uma abordagem engessada e rígida, a avaliação pré-operatória tende a seguir um esqueleto que prioriza a anamnese e exame físico inicial, solicitação de exames complementares, análise das drogas em uso e graduação dos riscos envolvidos nos procedimentos baseados no perfil de cada paciente. Esse esquema promove uma maior segurança à equipe de saúde, além de gerar conforto e maior taxa de sucesso para a saúde do paciente.

Vamos revisar o que acabamos de ler? Aqui está uma aula de Avaliação pré-operatória pela cirurgiã geral e professora do EMR, Dra. Júlia Leal: 

Estudando para a residência médica?

A avaliação pré-operatória é um conteúdo bem significativo para quem deseja fazer a prova do PSU-MG, principalmente para quem escolheu fazer o programa de residência médica em Cirurgia Geral. Então, vale salientar que, esse tipo de procedimento faz parte não só da rotina da residência médica da Cirurgia Geral, como também faz parte do dia a dia profissional.

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