O tromboembolismo venoso (TEV) é um espectro do qual tanto a trombose venosa profunda (TVP) quanto o tromboembolismo pulmonar (TEP) fazem parte.
Ao redor do mundo, o TEP é a terceira maior causa de doença cardiovascular, com a incidência de 75 a 269 casos para cada 100.000 habitantes anualmente.
Nos homens acima de 70 anos, a prevalência é ainda maior: pode chegar a 700 casos por 100.000 habitantes.
Sua taxa de letalidade gira em torno dos 45% em pacientes hemodinamicamente instáveis.
De acordo com dados da edição mais recente do livro de Emergências Clínicas da USP, em 2016, o DATASUS registrou 7.412 óbitos por tromboembolismo pulmonar no Brasil, muito embora provavelmente haja subnotificações – trata-se, afinal, de uma doença que pode não apresentar sintomatologia clara, podendo ter pacientes desde assintomáticos até em parada cardiorrespiratória.
O que é o tromboembolismo pulmonar (TEP)?
O tromboembolismo pulmonar (TEP), em termos simples, é a doença desencadeada pelo alojamento de um ou mais êmbolos trombóticos na circulação pulmonar, obstruindo seu fluxo sanguíneo parcial ou totalmente.
É um quadro grave por si só e, dependendo da localização e do tamanho desse trombo, pode levar à morte súbita.
Veja nosso vídeo onde o professor André resolve uma questão da prova de Acesso Direto da USP (2020) sobre TEP:
Tromboembolismo pulmonar: Etiologia e fisiopatologia
Os principais sítios de origem dos êmbolos trombóticos responsáveis pelo TEP são as veias pélvicas, poplíteas, femorais comum e superficial.
Por isso, trombose venosa profunda e tromboembolismo pulmonar são doenças com etiologia e fisiopatologia intrinsecamente conectadas.
Recomendamos que, antes de seguir com a leitura sobre o TEP, você leia nosso texto sobre TVP (trombose venosa profunda) para entender conceitos importantes da etiologia, como a Tríade de Virchow (lesão endotelial + estase sanguínea + hipercoagulabilidade).
A correlação entre o grau de obstrução vascular e a evolução clínica no TEP não é bem estabelecida.
Sabe-se, porém, que pacientes sem doença cardiopulmonar prévia geralmente começam a apresentar sintomas a partir da obstrução de 20% da vasculatura pulmonar.
Com mais coágulos (e consequente maior obstrução), maior pressão arterial pulmonar e resistência vascular, o que leva à:
- Dilatação ventricular direita;
- Redução da pré-carga para o VE;
- Lesão miocárdica.
Esses fatores levam ao aumento da liberação de troponina e do peptídeo natriurético atrial (do tipo B). A dilatação cardíaca direita aumenta o risco de choque circulatório e morte.
Os principais mecanismos de morte por tromboembolismo pulmonar são a oclusão abrupta da artéria pulmonar e o efeito isquêmico no sistema His-Purkinje.
Cerca de 33% dos sobreviventes de TEP grave apresentam disfunção cardíaca direita permanente.
Quais os fatores de risco para o tromboembolismo pulmonar (TEP)?
Dividimos os fatores de risco em três categorias. Importante lembrar que alguns desses fatores são discutidos em trombose venosa profunda.
Risco alto:
- Antecedente de trombose venosa;
- Infarto agudo do miocárdio < 3 meses;
- Cirurgia de quadril ou joelho;
- Fratura de membros inferiores;
- Lesão medular;
- Politrauma;
- Internação recente por insuficiência cardíaca ou FA.
Risco intermediário:
- Insuficiência cardíaca descompensada;
- AVC;
- Insuficiência respiratória aguda;
- Pneumonia comunitária;
- Infecção urinária;
- Cateter venoso central;
- Neoplasias;
- Quimioterapia;
- Parto e puerpério;
- Uso de anticoncepcionais orais;
- Doenças autoimunes;
- Trombofilias;
- Trombose venosa central;
- Hemotransfusão;
- Doença inflamatória intestinal.
Risco baixo:
- Idade avançada;
- HAS;
- Viagem prolongada;
- Obesidade;
- Diabetes mellitus;
- Gestação;
- Veias varicosas;
- Repouso no leito por mais de 3 dias.
Como se apresenta a sintomatologia do tromboembolismo pulmonar (TEP)?
Os achados clínicos no TEP são muito variáveis; temos desde pacientes assintomáticos até hemodinamicamente instáveis.
Mesmo em casos de embolizações semelhantes, os pacientes podem ter apresentações clínicas drasticamente diferentes, fato que ajuda a tornar o TEP uma doença tão letal.
A tríade clássica do tromboembolismo pulmonar ocorre em uma minoria dos casos, mas é importante saber que é composta por dispneia, dor torácica pleurítica e hemoptise, sendo dispneia e dor torácica as mais frequentes.
Tosse seca, esforço respiratório, edema assimétrico de membros inferiores e diaforese são achados mais comuns que a hemoptise.
O infarto pulmonar em segmentos basais pode aparecer como dor referida no ombro ou mesmo simular uma cólica ureteral.
Falaremos sobre possíveis achados no exame físico adiante.
Como fazer o diagnóstico do tromboembolismo pulmonar?
Como já comentamos acima, o tromboembolismo pulmonar é uma doença de difícil diagnóstico.
Por esse motivo, é importante tirar uma história completa e sempre nos atentarmos aos fatores de risco presentes, com menção especial para antecedentes de trombose venosa.
Ao exame físico, devemos pesquisar edema assimétrico de membros inferiores, achados sugestivos de hipertensão pulmonar (como B2 hiperfonética e sopro em foco tricúspide), alteração dos sinais vitais tais como taquicardia, taquipneia, pulso fino, queda da saturação e febre baixa.
A presença de instabilidade hemodinâmica deve ser determinada precocemente. Ela é definida por PAS < 90 mmHg ou queda de > 40 mmHg na PAS por mais de 15 minutos, uso de droga vasoativa com má perfusão e, em casos muito graves, PCR em assistolia ou AESP.
Exames para avaliação geral do paciente
Estes exames não fecham nem excluem o diagnóstico de TEP, mas são importantes para indicar investigação mais específica, avaliar estado geral do paciente e formular diagnósticos diferenciais.
Radiografia de tórax
Achados comuns (porém inespecíficos) incluem cardiomegalia, atelectasia basal, infiltrado ou derrame pleural e elevação da cúpula diafragmática.
Achados específicos como o sinal de Westermark (área em forma de cunha de oligoemia pulmonar), a corcova de Hampton (opacificação periférica em formato de cúpula) e o sinal de Fleichner (artéria pulmonar central distendida) estão presentes em menos de 5% dos casos.
Eletrocardiograma
A maioria dos achados também são inespecíficos. Os mais comuns são taquicardia sinusal e inversão da onda T em V1. Pode haver alterações do segmento ST de V1 a V4.
Podem ainda estar presentes bloqueio incompleto do ramo direito e o achado clássico (mas incomum) S1-Q3-T3 (cerca de 10 a 15% dos pacientes): onda S em D1, onda Q em D3 e inversão de T em D3.
Gasometria arterial
As alterações mais frequentes são a alcalose respiratória e a hipocapnia. A D(A-a)O2 (diferença alvéolo-arterial de oxigênio) pode estar aumentada pela presença de espaço morto.
Também são achados inespecíficos, que precisam ser avaliados em conjunto com o quadro clínico e exames complementares mais específicos.
Exames complementares
Dímero D
Exame com altíssima sensibilidade e baixa especificidade. Se negativo, pode excluir o diagnóstico de TEP, visto que está presente virtualmente em todos os pacientes com a patologia.
Se positivo, requer mais investigação. O dímero D é um produto de degradação da fibrina pela plasmina, e sua detecção ocorre cerca de 1h após a formação do trombo.
USG Doppler de membros inferiores
Como comentado no nosso texto sobre trombose venosa profunda, é um bom método por ser um exame rápido, não invasivo e com resolução adequada. A doença se manifestará como uma imagem hipoecogênica e não colabável à compressão.
Deve ser usado em conjunto com outros métodos, uma vez que a presença de TVP não indica necessariamente a presença de TEP, sendo a segunda uma complicação da primeira.
Ecodopplercardiograma
É utilizado para a estratificação do tromboembolismo pulmonar, ou seja, tem valor prognóstico. Em relação ao diagnóstico, apresenta baixa sensibilidade e especificidade, ou seja, não descarta nem confirma diagnóstico.
Cintilografia pulmonar de ventilação e perfusão (V/Q)
Pode indicar um defeito de perfusão em locais onde a ventilação é normal. Uma cintilografia V/Q homogênea possui quase 100% de sensibilidade para excluir o TEP.
Uma com dois ou mais defeitos centrais em forma de cunha na fase de perfusão indica probabilidade de > 80% de TEP. Ou seja, há excelente sensibilidade e boa especificidade.
Juntamente à arteriografia pulmonar, vem perdendo espaço para a angiotomografia de tórax no diagnóstico de TEP.
Angiotomografia de tórax
É a modalidade de imagem mais comum no diagnóstico do tromboembolismo pulmonar nos dias atuais. Se realizada adequadamente – e quanto maior o número de detectores nos scanners, melhor – possui sensibilidade e especificidade > 90%.
Além do reconhecimento do coágulo, a angiotomografia pode detectar diagnósticos alternativos, como a pneumonia.
Arteriografia Pulmonar
Era considerado o exame padrão-ouro para o diagnóstico de TEP devido à sua alta precisão. No entanto, vem perdendo espaço para a angiotomografia, pois é pouco disponível, caro e invasivo.
Como tratar o paciente com tromboembolismo pulmonar?
A primeira coisa que devemos fazer na suspeita do TEP é avaliar a condição hemodinâmica do paciente.
Caso trate-se de um paciente estável, está indicada a anticoagulação. Caso trate-se de um paciente instável, partimos para trombólise sistêmica.
Antes do tratamento definitivo, precisamos oferecer suporte hemodinâmico e respiratório:
- Cristaloide em bolus até 500 mL em pacientes hipotensos. Pode melhorar a PA e o débito cardíaco, sendo testado antes da introdução de drogas vasoativas. A sobrecarga volêmica, porém, pode piorar a disfunção do VD. Evitar reposição volêmica agressiva por esse motivo;
- Drogas vasoativas se necessário para elevar a PA e garantir perfusão tecidual adequada. Dobutamina deve ser considerada em pacientes com débito cardíaco reduzido, sendo a noradrenalina a escolha a ser associada. A epinefrina combina os efeitos das duas anteriores.
- A hipoxemia geralmente é reversível com a administração de oxigênio.
- Se a ventilação invasiva for necessária, evitar o uso de drogas hipotensoras durante a sedação. Usar pressão de platô < 30 cmH2O, objetivando minimizar a pressão intratorácica (para não agravar déficit de retorno venoso).
TEP maciço
É o TEP com instabilidade hemodinâmica, definida por PAS < 90 mmHg ou queda de > 40 mmHg na PAS por mais de 15 minutos, uso de droga vasoativa com má perfusão e, em casos muito graves, PCR em assistolia ou AESP.
Está indicada a trombólise sistêmica com Alteplase (preferencialmente), Estreptoquinase ou Uroquinase.
Podemos resumir as contraindicações absolutas ao tratamento trombolítico em: sangramentos internos ativos ou < 6 meses, AVC hemorrágico, neoplasia do SNC, trauma ou cirurgia do SNC < 2 meses e, em relação à Estreptoquinase, uso prévio dela.
TEP submaciço
É o TEP no paciente hemodinamicamente estável. Aqui, está indicada a anticoagulação. Pode ser feita com heparinas, anticoagulantes orais ou uma associação de ambos.
Qual o Algoritmo do Tromboembolismo Pulmonar?
Na Tabela 1, veja o Escore de Wells - que avalia o risco para tromboembolismo pulmonar levando em consideração os fatores de riscos presentes - e, nas Figuras 1 e 2, algoritmos de diagnóstico do TEP (um para pacientes estáveis e um para pacientes instáveis).
Escore de Wells
Fonte: Scielo
Conclusão
Alguns pontos importantes a serem lembrados a respeito do que você leu acima são:
- A trombose venosa profunda (TVP) e o tromboembolismo pulmonar (TEP) fazem parte do espectro da mesma doença, o tromboembolismo venoso (TEV).
- A tríade clássica do TEP (dispneia, dor torácica e hemoptise) ocorre na minoria dos casos. O sintoma mais frequente é a dispneia.
- A gravidade dos casos de TEP é dependente da apresentação hemodinâmica dos pacientes – há uma letalidade muito alta em pacientes hemodinamicamente instáveis.
- Em todos os pacientes com suspeita de TEP, o primeiro passo é determinar qual a probabilidade clínica pré-teste do paciente realmente apresentar a doença.
- A primeira medida terapêutica em pacientes com TEP é assegurar o suporte hemodinâmico e respiratório.
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