A otite média aguda (OMA) é uma das infecções mais comuns na prática pediátrica, sendo responsável por uma grande parte das consultas médicas e do uso de antibióticos em crianças. Apesar de ser frequentemente uma condição autolimitada, o manejo inadequado pode levar a complicações e ao uso excessivo de antibióticos. Este artigo oferece uma revisão abrangente sobre a OMA na Pediatria, abordando a sua fisiopatologia, diagnóstico e tratamento.
O que é a otite média aguda?
A otite média aguda é uma infecção bacteriana ou viral que acomete o ouvido médio, localizada atrás da membrana timpânica. Caracteriza-se por início rápido de sinais e sintomas de inflamação na orelha média, frequentemente associada a infecções das vias aéreas superiores. Na Pediatria, a OMA é particularmente comum devido a características anatômicas e imunológicas das crianças, que as tornam mais suscetíveis a essa infecção.
Fatores de risco
A incidência da doença é maior entre os seis meses e dois anos de idade, e tem seu pico de 6 a 12 meses. Com o avançar da idade, a doença vai se tornando menos comum. Crianças que apresentam a doença antes dos seis meses possuem um maior risco de desenvolver otite média aguda recorrente. Sendo ela definida por 3 ou mais episódios em período de seis meses, ou 4 ou mais episódios no período de 12 meses.
Assim, o principal fator de risco para essa doença é a idade. Além disso, outros fatores de risco são o histórico familiar (risco da doença aumenta em crianças que têm irmãos), crianças que frequentam creches, exposição à fumaça e ao tabaco. E ainda, uso de chupeta, fatores intrínsecos da criança (se tem HIV, fenda palatina não corrigida, síndrome de Down, rinite alérgica, por exemplo), o outono e o inverno.
Fisiopatologia
A OMA pode ser causada por bactérias e por vírus. A bactéria mais frequentemente encontrada é a Haemophilus influenzae, responsável por 50% a 60% dos casos do tipo bacteriano. Geralmente traz sintomas mais brandos como febre baixa, conjuntivite leve e menor inflamação da membrana timpânica. A infecção com o H. influenzae não tipado (NTHi) é associada a pior resposta aos antibióticos, recorrência e cronicidade da doença.
O Streptococcus pneumoniae é uma outra bactéria que pode causar otite média aguda, sendo responsável por 15% a 20% dos casos. Está associado a maior gravidade do quadro clínico, com presença de febre alta, otalgia mais intensa, e maiores complicações como bacteremia e mastoidite. A Moraxella catarrhalis representa de 12% a 15% dos casos de OMA bacteriana, e provoca sintomas mais leves do que os causados pelo pneumococo.
Os principais agentes virais que podem provocar a doença são o VSR, rinovírus, enterovírus, coronavírus, influenza, adenovírus e metapneumovírus.
A imaturidade imunológica e anatômica da criança justifica o motivo pelo qual o principal fator de risco para a doença seja a idade. Nelas, a trompa de Eustáquio (tuba auditiva) é mais curta e possui uma angulação menor que no adulto, ou seja, é mais horizontalizada. Isso facilita a passagem de secreções nasais para o ouvido médio, aumentando o risco de conduzir bactérias e vírus desse ambiente.
É comum a OMA surgir após uma infecção viral nas vias respiratórias. Como exemplo, caso a criança apresente um otopatógeno previamente nas vias aéreas (co-colonização), esse pode ser levado através das secreções ao ouvido médio.
Dessa forma, a co-colonização pode provocar um processo inflamatório e, consequentemente, edema no nariz, nasofaringe e na trompa de Eustáquio. Esse edema obstrui o istmo da tuba auditiva, que é a parte mais achatada da tuba, causando uma pressão negativa no ouvido médio que “puxa” secreções com vírus e bactérias localizados nas vias respiratórias.
Além disso, com a imaturidade do sistema imunológico, a criança não é capaz de produzir imunoglobulinas eficientemente, facilitando a infecção. Por isso, a amamentação entra como fator de proteção contra a doença e deve ser estimulada, uma vez que, a presença de IgA no leite materno auxilia no combate a esses patógenos.
Sintomas da otite média aguda na pediatria
Os sintomas da otite média aguda (OMA) em crianças podem variar em intensidade, dependendo da idade e da gravidade da infecção. O principal sintoma é a dor de ouvido (otalgia), que geralmente é intensa e de início rápido. A febre também é comum, especialmente em crianças menores, podendo ser baixa ou alta. Irritabilidade é frequentemente observada em bebês e crianças pequenas, que demonstram desconforto e choro excessivo. A dificuldade para dormir também é relatada, pois a dor tende a piorar quando a criança está deitada.
Além disso, a perda de apetite pode ocorrer devido ao desconforto ao engolir, relacionado à disfunção da tuba auditiva. Em alguns casos, pode haver secreção otológica, resultado da ruptura da membrana timpânica, o que leva à presença de otorréia. Por fim, a perda auditiva temporária pode ser descrita, com a sensação de ouvido "entupido" ou diminuição da audição, principalmente por crianças mais velhas que conseguem expressar essa alteração.
Para não confundir o diagnóstico da OMA com o da Otite Média com Efusão (OME) - como é denominada a presença de secreção na orelha média sem sinais ou sintomas de inflamação e/ou infecção aguda - é preciso observar os sinais clínicos de inflamação, que estarão ausentes caso a criança tenha OME e presentes na otite média aguda. Na OME, a membrana estará retraída ou em posição neutra, com coloração âmbar, cinza ou azulada.
Já na OMA, a membrana se encontra abaulada, amarelada ou esbranquiçada e achados de nível hidroaéreo com líquido claro e seroso podem ser visualizados. Caso a membrana apresenta perda de mobilidade é preciso investigar a possibilidade de ser miringoesclerose, e a dor de ouvido precisa ser diferenciada de outras etiologias, como trauma, infecções na garganta e corpo estranho.
Timpanocentese é um procedimento utilizado normalmente apenas em casos complicados para cultura bacteriana ou viral da efusão. É útil para fazer confirmação da etiologia, e diminuir o uso inadequado de antibióticos. A indicação do procedimento é apenas para crianças que apresentem resposta insatisfatória a antibioticoterapia, imunodeficiência, complicações supurativas como a mastoidite ou outras doenças graves.
Uma das complicações da doença é a perda auditiva flutuante ou persistente, que ocorre na maioria dos pacientes com efusão. Enquanto o fluido persistir dentro do ouvido médio (condição que pode durar de semanas a meses), a vibração dos ossículos vai ser prejudicada. A perfuração da membrana timpânica (MT) pode ocorrer devido ao aumento da pressão dentro do ouvido médio, e, normalmente, ser acompanhada de otorreia.
A miringoesclerose é a calcificação do tecido conjuntivo da MT, e pode ocorrer como complicação da otite média aguda, mas não tem importância funcional. Entretanto, se o depósito ocorrer nos ossículos, pode haver prejuízo dos seus movimentos. Além disso, problemas de equilíbrio e paralisia dos nervos cranianos devido a uma mastoidite também podem ocorrer.
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Como realizar o diagnóstico?
O diagnóstico da doença pode ser dado apenas com o exame do otoscópio, mas conhecer o quadro clínico é importante para correlacionar as queixas com os achados do exame. Os achados no otoscópio da criança com OMA são a presença de fluidos no ouvido médio, uma membrana timpânica opaca, amarela ou branca, abaulamento, diminuição ou ausência de movimento. Se o abaulamento estiver presente, não é indicado o uso do otoscópio pneumático, já que, esse pode ser doloroso e a condição é indicativa de perda total ou parcial do movimento.
A cor esbranquiçada ou amarelada da membrana indica que há pus no ouvido médio. A hiperemia da membrana timpânica pode ser indicativo de inflamação, mas esse não é um sinal específico, pois pode ser provocado pelo choro da criança ou por uma febre alta, por exemplo. O achado de vasos atravessando a membrana são mais sugestivos de inflamação local. Dessa forma, o achado de otorreia purulenta confirma o diagnóstico e exclui a possibilidade de uma otite externa aguda.
Tratamento para a otite média aguda na pediatria
Quando indicado, o tratamento da Otite Média Aguda normalmente é realizado através da antibioticoterapia empírica. Os sintomas normalmente desaparecem 72 horas após o início da terapia. Em crianças que não recebem a terapia, os sintomas podem durar entre 7 e 8 dias (a resolução espontânea ocorre em 80% dos casos). Para o controle da dor e da febre, é recomendada a prescrição de analgésicos simples. As recomendações para o uso de antibiótico são:
- Crianças maiores de 2 anos com OMA bilateral e sem otorréia.
- Crianças maiores de 6 meses com OMA unilateral e sem otorréia.
Caso a opção seja pelo início do antibiótico, a droga de escolha é a amoxicilina na dose de 50mg/Kg/dia. Crianças com mais de 24 meses e sintomas graves devem receber a medicação por 10 dias. Para crianças de 2 a 5 anos com OMA moderada, será prescrito o antibiótico por 7 dias. Em crianças menores de 6 anos com OMA leve, o tratamento deve ter duração de 5 a 7 dias.
Se o paciente tiver alergia a penicilina, as drogas alternativas são macrolídeos como a azitromicina, na dose 10mg/Kg no primeiro dia, e na dose 5mg/Kg/dia nos próximos 2 a 5 dias, por via oral; ou a claritromicina, na dose 15mg/Kg por dia, duas vezes ao dia, por via oral, pelo tempo que for demonstrado benefício clínico. O uso da clindamicina como droga alternativa também é possível, e deve ser feita na dose entre 20 e 30mg/Kg/dia, dividida em três doses.
Caso a criança tenha tomado amoxicilina nos últimos 30 dias, tenha conjuntivite purulenta associada ou histórico de OMA recorrente que não responde a amoxicilina, é preciso prescrever antibiótico com cobertura adicional: clavulanato associado à amoxicilina (90mg/kg/dia de amoxicilina e 6,4 mg/kg/dia de clavulanato), três vezes ao dia, via oral.
Também é possível prescrever ceftriaxona via intramuscular, na dose 50mg/Kg/dia, por 1 a 3 dias (se a criança apresentar intolerância). Se não houver melhora do quadro clínico dentro de 48 a 72 horas, deve-se trocar o medicamento por um de espectro mais amplo.
Conclusão
A otite média aguda é uma condição comum na pediatria, frequentemente associada a infecções virais respiratórias. O diagnóstico clínico é fundamental e, em muitos casos, a infecção pode ser autolimitada, especialmente em crianças mais velhas. O uso racional de antibióticos, baseado nas diretrizes atuais, é crucial para evitar resistência antimicrobiana. A observação cuidadosa e o manejo adequado dos sintomas são essenciais para garantir o bem-estar da criança, minimizando complicações e o uso desnecessário de medicação.
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FONTES:
- PELTON, Stephen. TAHTINEN, Paula. Acute otitis media in children: Epidemiology, microbiology, and complications. UpToDate. 2020
- WALD, Ellen R. Acute otitis media in children: Clinical manifestations and diagnosis. UpToDate. 2020
- PELTON, Stephen. Acute otitis media in children: Treatment. UpToDate. 2019
- Tratado de Pediatria: Sociedade Brasileira de Pediatria. 4ª edição. Barueri SP: Manole, 2017