A leishmaniose visceral, também conhecida como calazar, é uma doença infecciosa sistêmica e crônica que apresenta alta taxa de mortalidade. O protozoário responsável por essa doença é o Leishmania, especificamente a espécie Leishmania chagasi na América. Transmitida pela picada do mosquito-palha, o problema é uma preocupação significativa em saúde pública, especialmente em regiões endêmicas.
Neste texto abordaremos os principais aspectos da leishmaniose, proporcionando um entendimento abrangente sobre essa grave enfermidade.
O que é a leishmaniose visceral?
A leishmaniose visceral é uma doença sistêmica e crônica de notificação compulsória, caracterizada por sua alta letalidade, atingindo 90% dos pacientes não tratados. Esta enfermidade é causada por um protozoário do gênero Leishmania, sendo a espécie Leishmania chagasi a mais prevalente nas Américas, especialmente em regiões tropicais e subtropicais. A gravidade da leishmaniose visceral se deve ao seu impacto em órgãos vitais, como o fígado, o baço e a medula óssea, levando a complicações severas e, muitas vezes, fatais.
Fisiopatologia e transmissão
O protozoário é transmitido ao homem através da picada do mosquito-palha. O mosquito também parasita outros mamíferos, sendo o cão o principal reservatório em ambientes urbanos. Após ser infectado, o período de incubação no homem pode variar entre 10 dias e 24 meses, e os principais fatores de risco para o desenvolvimento da doença são os extremos de idade - crianças e idosos- e a desnutrição.
Apenas uma pequena parcela de indivíduos infectados desenvolve a leishmaniose visceral. Por ser um parasita intracelular obrigatório, o protozoário invade o sistema retículo-endotelial em sua forma promastigota e se reproduz no interior de células fagocíticas, principalmente os macrófagos. Os órgãos mais afetados nesse processo são o fígado e o baço, que sofrem hipertrofia e hiperplasia, e a medula.
Dentro dos macrófagos, as formas promastigotas do parasita multiplicam-se e se tornam amastigotas, sendo liberadas para a corrente sanguínea. Assim, o ciclo é completo quando o mosquito-palha (flebotomíneo) pica novamente o ser humano, e o parasita é transmitido para o inseto.
O protozoário interfere na resposta imunológica do indivíduo infectado, diminuindo a ação dos linfócitos T e, consequentemente, deprimindo a resposta Th1 (padrão celular). Em contrapartida, há o aumento da resposta Th2 (padrão humoral), devido a uma ativação policlonal dos linfócitos B. Por isso, há uma produção excessiva de gama-globulinas, justificando a grande quantidade de IgM e IgG que podem ser evidenciados no soro dos pacientes com leishmaniose visceral.
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Sintomas da leishmaniose visceral
As principais manifestações da doença são: febre de longa duração e esplenomegalia, podendo ou não ser acompanhada da hepatomegalia. Além desses sinais, pode haver astenia, adinamia, perda de peso e anemia. A depender da gravidade, o quadro clínico pode ser classificado nas formas oligossintomática, aguda e calazar.
Forma oligossintomática e aguda
O paciente oligossintomático cursa com sintomas leves. Pode apresentar febrícula, tosse seca, diarreia, adinamia persistente e uma discreta visceromegalia. Na forma aguda, os sinais e sintomas são mais intensos, caracterizados pela febre alta, diarréia acentuada, adinamia persistente, hepatoesplenomegalia mais proeminente e tendência a pancitopenia no hemograma.
Calazar
Já no calazar - forma clássica da doença - o paciente apresentará um quadro clínico mais crônico. Inicialmente, há presença de tosse seca, febre leve a moderada de caráter intermitente (com 2 a 3 picos diários), manifestações hemorrágicas e prostração. Nos exames laboratoriais do paciente com calazar observamos uma pancitopenia grave e uma hipoalbuminemia e hipergamaglobulinemia.
Com a progressão da doença, poderão existir edemas de mãos e pés, desconforto abdominal, palidez e sopros sistólicos multifocais, que podem evoluir para uma insuficiência cardíaca. Além disso, há desnutrição energético-proteica, apesar da manutenção do apetite, e o abdome torna-se edemaciado e globoso.
Paciente com calazar. Nele estão desenhados o fígado e o baço em relação aos rebordos costais, evidenciando a hepatoesplenomegalia, que cursa com o aumento da circunferência abdominal. Perceba que o baço está ultrapassando a cicatriz umbilical. Fonte: São Bernardo Pet Center e Veterinária
Diagnóstico
O diagnóstico de leishmaniose visceral pode ser dado em âmbito ambulatorial, considerando-se a história clínica e os dados epidemiológicos do paciente. Entretanto, quando possível, é ideal realizar exames para confirmação da doença. O diagnóstico pode ser dado através da imunofluorescência indireta (considerada positiva quando a diluição for 1:80), através do teste rápido imunocromatográfico ou por meio do ensaio imunoenzimático (ELISA).
O diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com a enterobacteriose septicêmica prolongada e o linfoma, devido a semelhança no quadro clínico entre essas comorbidades. O melhor exame para fazer a diferenciação entre essas doenças é o mielograma, que confirma a infecção pelo parasita quando são evidenciadas as formas amastigotas do protozoário.
Através dos exames laboratoriais, também poderão ser evidenciadas a hipergamaglobulinemia, com aumento acentuado de IgG e IgM, hipoalbuminemia com inversão da relação Albumina/Gamagloblina e pancitopenia, sendo ela causada devido a invasão do protozoário à medula óssea. Assim, há presença de anemia (Hg < 10%), leucopenia acentuada (< 2000 cél/mm3) e plaquetopenia (< 100.000/mm3).
Uma importante correlação que temos que possuir em mente é a correlação do calazar e o HIV. Cerca de 70% dos casos de calazar no adulto estão associados ao HIV, podendo decorrer da reativação da doença ou de uma nova infecção no hospedeiro imunodeprimido. A clínica dessa coinfecção consiste em febre, emagrecimento, hepato esplenomegalia e linfadenopatia.
Qual o tratamento para a leishmaniose visceral?
É ideal que a confirmação parasitológica seja feita antes do início do tratamento. Entretanto, quando essa não pode ser realizada, inicia-se o tratamento mesmo sem a confirmação do diagnóstico. A droga de primeira escolha é o antimoniato de N-metil glucamina. Quando houver contraindicação a essa medicação, utiliza-se a anfotericina B na formulação lipossomal como a droga de segunda escolha.
Algumas contraindicações ao antimoniato de N-metil glucamina são a idade inferior a 1 ano ou superior a 50 anos, a insuficiência hepática, cardíaca ou renal, além da a infecção pelo HIV. O medicamento pode ser administrado por via IV ou IM, por 20 a 40 dias. Já a anfotericina B lipossomal deve ser administrada na forma IV, na dose 3mg/kg/dia, durante 7 dias.
Os critérios de cura são essencialmente clínicos. Sendo eles:
- Desaparecimento da febre precoce, por volta do 5º dia de uso da medicação.
- Redução da hepatoesplenomegalia nas primeiras semanas.
- Redução de 40% do baço ao final do tratamento.
- Melhora dos parâmetros hematológicos a partir da segunda semana.
- Evidência de ganho ponderal, melhora do apetite e do estado geral.
Não é necessário o controle através de exames parasitológicos. O seguimento é realizado com avaliações em 3, 6 e 12 meses após o final do tratamento, considerando o paciente curado se permanência de estabilidade após última avaliação.
Caso ocorra abandono de tratamento deve-se seguir as seguintes recomendações:
- Se o paciente aparecer no serviço antes de 7 dias da interrupção da droga, deve-se continuar e completar o tratamento.
- Se o paciente aparecer após 7 dias da interrupção da droga, se reinicia o tratamento.
Como prevenir a leishmaniose visceral?
Para prevenir a leishmaniose, as seguintes medidas devem ser tomadas: tratamento da leishmaniose em regiões onde os humanos são reservatórios, o controle dos vetores flebotomíneos, medidas de proteção individual (como repelentes e roupas protetoras) e o controle de reservatórios não humanos. Atualmente as vacinas humanas não se encontram disponíveis.
Conclusão
A leishmaniose visceral, com seu impacto devastador na saúde dos indivíduos infectados, exige uma abordagem multidisciplinar para seu controle e tratamento. Compreender sua transmissão, reconhecer os sintomas e realizar diagnósticos precisos são passos fundamentais para reduzir a mortalidade e melhorar a qualidade de vida dos pacientes. Além disso, a implementação de medidas preventivas, incluindo o controle de vetores e a proteção individual, é essencial para combater a disseminação da doença.
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FONTES:
- Guia de vigilância em saúde : volume 2 / Ministério da Saúde, Departamento de Ações Estratégicas de Epidemiologia e Vigilância em Saúde e Ambiente. – 6. ed. rev. – Brasília: Ministério da Saúde, 2024
- Guia de Vigilância em Saúde: volume único/ Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Coordenação- Geral de Desenvolvimento da Epidemiologia e Serviços. – 1. ed. atual. – Brasília : Ministério da Saúde, 2016