A Insuficiência Hepática Aguda (IHA) é uma condição rara, porém potencialmente fatal, caracterizada pela rápida deterioração da função hepática em indivíduos sem doença prévia. Embora sua incidência seja baixa, afeta desproporcionalmente populações vulneráveis, como aqueles com histórico de abuso de substâncias ou em situações de privação socioeconômica. Compreender os elementos que compõem a fisiopatologia e reconhecimento precoce são essenciais para cenários de emergências.
O que é a insuficiência hepática aguda?
A Insuficiência Hepática Aguda é uma condição de perda da função do fígado sem outras condições pré existentes em um curto período de tempo, definido como menor que 26 semanas, associado a uma encefalopatia e/ou distúrbios de coagulação. O acometimento neurológico se dá por qualquer grau de alteração de estado mental, enquanto a coagulopatia geralmente se apresenta com INR ≥ 1,5. Existe ainda uma subdivisão para o grau da insuficiência. Veja abaixo:
Fisiopatologia
A fisiopatologia varia de acordo com a causa subjacente da insuficiência hepática aguda. Na maioria dos casos ocorre uma necrose e apoptose extensa de hepatócitos, levando à falência do órgão. A necrose do hepatócito acontece por conta da depleção de adenosina trifosfato (ATP), o que acarreta em edema celular e ruptura de sua membrana.
A ocorrência da encefalopatia e também do edema cerebral vem de diversos mecanismos, sendo eles a alteração da barreira hematoencefálica secundária aos mediadores inflamatórios circulantes, o que leva à ativação da microglia, acúmulo de glutamina secundário à permeabilidade da amônia. A partir disso, há um estresse oxidativo que leva à depleção de ATP e guanosina trifosfato (GTP). Como consequência, há edema astrocitário e, dessa forma, edema cerebral.
Por sua vez, a coagulopatia desse cenário é decorrente da diminuição de fatores de coagulação sintetizados no fígado, como o fator II (protrombina), fator VII, fator IX e fator X. Essa baixa produção está associada ao processo de estresse oxidativo junto à necrose de hepatócitos, os quais são responsáveis pela produção desses componentes fibrinogênicos.
O que causa a insuficiência hepática aguda?
As hepatites virais e os danos induzidos por drogas são as causas mais comuns de insuficiência hepática aguda mundialmente. Outras causas são lesão hepática por hipóxia, Síndrome de Budd-Chiari Aguda, doença veno-oclusiva, doença de Wilson, Sepse, hepatite autoimune, doença hepática gordurosa induzida pela gestação, Síndrome gestacional de HELLP e infiltração neoplásica.
Dentro do grupo da hepatopatia por uso de substâncias, o Acetaminofeno é o principal medicamento a causar esse transtorno. Sua toxicidade é dose-dependente e sua ocorrência é mais observada nos pacientes com transtorno do uso de álcool e desnutridos. Já no campo das infecções, as mais relevantes são a Hepatite A e E, principalmente nos países em desenvolvimento. Outros vírus presentes são o vírus da Hepatite B, CMV, EBV, Parvovírus e HSV.
Quadro clínico
Os sintomas iniciais em pacientes com insuficiência hepática aguda são inespecíficos e incluem fadiga, letargia, anorexia, náuseas e/ou vômitos, dor subcostal direita, prurido, icterícia e distensão abdominal por ascite. À medida que a doença progride, pacientes inicialmente anictéricos podem desenvolver icterícia, e aqueles com alterações sutis no estado mental, como letargia e dificuldade para dormir, podem evoluir para declínio de estado de consciência ou coma.
A presença de encefalopatia hepática é uma das características definidoras da insuficiência hepática aguda, sendo classificada de I a IV, variando de alterações comportamentais leves e confusão moderada até coma profundo. Veja abaixo a classificação de acordo com as características clínicas:
O Edema cerebral é uma complicação possível, aumentando a pressão intracraniana. Sua presença é mais comum nos graus III e IV. Alterações pupilares são indicativas da sua presença, progredindo de respostas normais para hiperresponsividade e, eventualmente, para respostas lentas. Outras características do aumento da pressão intracraniana incluem hipertensão sistêmica, bradicardia, depressão respiratória, convulsões e reflexos anormais do tronco cerebral.
A lesão renal aguda complica a insuficiência hepática aguda é mais prevalente em etiologias que causam dano independente aos rins, como a intoxicação por acetaminofeno. A sua patogênese envolve alterações hemodinâmicas sistêmicas e intrarrenais. As manifestações clínicas incluem baixa concentração de sódio na urina, poucas células ou cilindros no sedimento urinário e uma diminuição na sensibilidade da concentração de ureia no sangue como marcador da função renal devido à redução na produção hepática de ureia.
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Diagnóstico da insuficiência hepática aguda
Exames laboratoriais
Anormalidades em exames laboratoriais frequentemente observadas em pacientes com insuficiência hepática aguda abrangem diversos parâmetros, como: tempo de protrombina prolongado, resultando em um INR ≥1,5, aminotransferases (AST e ALT) marcantemente altas, níveis elevados de bilirrubina, baixa contagem de plaquetas (≤150.000).
A queda de aminotransferases pode sugerir recuperação espontânea, enquanto um aumento pode indicar piora da doença com perda de massa de hepatócitos. Pacientes em melhora geralmente apresentam diminuição nos níveis de bilirrubina e INR. A elevação da bilirrubina e a icterícia podem levar semanas a meses para se resolver, e a hipofosfatemia pode indicar regeneração hepática contínua.
Outros achados laboratoriais associados à insuficiência incluem anemia hemolítica, aumento nos níveis de creatinina sérica e ureia, elevação nos níveis de amilase e lipase, hipoglicemia, hipomagnesemia, hipocalemia, acidose ou alcalose. Além de sorologia para HIV e hepatites, lactato arterial, gasometria, aumento nos níveis de amônia, marcadores de autoimunidade e aumento nos níveis de DHL.
Exames de imagem
A tomografia computadorizada (TC) abdominal frequentemente mostra um fígado com uma densidade inferior à dos músculos esqueléticos, parênquima hepático heterogêneo, hepatomegalia, ascite, evidências de infiltração maligna e/ou sinais de oclusão da V. Hepática. A cirrose pode estar presente em pacientes com insuficiência hepática por doença de Wilson, Hepatite B ou autoimune, podendo resultar em um fígado com aparência nodular nas imagens.
No entanto, um fígado massivamente necrótico também pode parecer nodular por conta do colapso do parênquima. Apesar disso, pelo risco de insuficiência renal com o contraste IV da TC, a ultrassonografia com imagem Doppler é a modalidade inicial preferida para a avaliação da insuficiência hepática aguda.
Exames de neuroimagem (TC ou RM de crânio) podem revelar edema cerebral, incluindo uma diminuição no tamanho dos ventrículos, achatamento dos giros cerebrais e hipointensidade de sinal do parênquima cerebral. Um eletroencefalograma pode mostrar atividade convulsiva, mesmo na ausência de sinais clínicos de convulsões. Edema pulmonar e infecções pulmonares podem ser observados em radiografias de tórax.
Tratamento para a insuficiência hepática aguda
Nos momentos iniciais, precisa-se assegurar a estabilidade hemodinâmica, avaliando a necessidade de fluidos IV e mantendo os níveis ácido-base e eletrólitos normais. O uso de vasopressores é indicado para manter uma pressão arterial média de 75 mmHg ou superior, garantindo uma perfusão renal e cerebral adequada.
Ademais, o hematócrito é monitorado em busca de sinais de sangramento, por coagulopatia e funções plaquetárias comprometidas. O uso de plaquetas e plasma fresco congelado para tratar a coagulopatia só é indicado em pacientes com sangramento ativo ou antes de procedimentos invasivos. Recomenda-se iniciar profilaxia com inibidores de bomba de prótons para prevenir sangramentos gastrointestinais.
Além disso, há o monitoramento neurológico e proteção de vias aéreas (por risco de aspiração) se o paciente apresentar sinais de piora da encefalopatia. Esses pacientes devem ser entubados e seguir um protocolo para evitar edema cerebral. Por fim, mantém-se um monitoramento constante para hipoglicemia e manutenção dos níveis de glicose sanguínea entre 160 e 200.
Após a estabilização, o tratamento será direcionado à causa da lesão hepática. Em intoxicação por Acetaminofeno, usa-se carvão ativado precocemente, junto à N-acetilcisteína. Pacientes com Hepatites infecciosas não se beneficiam de antivirais, logo recebem apenas suporte. Já as hepatites autoimunes podem fazer uso de metilprednisolona.
O transplante de fígado, embora não prontamente disponível, é uma opção para pacientes selecionados. Devido à gravidade da condição desses pacientes, eles apresentam um aumento do risco de complicações do enxerto, mais comumente devido a infecções e sepse, que parecem ser a etiologia mais comum da falência do enxerto hepático em pacientes transplantados após IHA.
Conclusão
Em resumo, a insuficiência hepática aguda é uma condição grave de epicentro no fígado, porém podendo atingir de maneira significativa outros órgãos, além de levar o paciente a óbito caso mal manejada. Suas causas mais comuns são as hepatites e as intoxicações, sendo o tratamento baseado na causa base. Apesar do tratamento específico variar, os passos iniciais são sempre os mesmos em busca da estabilização das funções vitais comprometidas na doença.
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FONTES: