A insuficiência cardíaca aguda (IC aguda) é uma das principais causas de internação hospitalar no Brasil e no mundo. Apesar de avanços no tratamento da insuficiência cardíaca crônica, as internações por IC aguda têm aumentado. Sendo essa associada a um aumento da mortalidade desses pacientes.
E mais, a condição necessita de internações a curto e longo prazo, gerando altos custos para o sistema de saúde. Anualmente, mais de 190.000 pacientes são internados no Brasil.
O que é insuficiência cardíaca aguda?
A insuficiência cardíaca é definida pela incapacidade do coração de suprir as demandas de oxigênio dos tecidos. Ou ainda, quando esse consegue suprir as demandas de oxigênio apenas com elevadas pressões de enchimento cardíaco.
Além disso, a IC aguda é classificada de acordo com quatro aspectos: sua síndrome clínica de apresentação, podendo apresentar-se como uma insuficiência ventricular esquerda, IC congestiva, choque cardiogênico e edema agudo de pulmão. E mais, por seu tempo de evolução, podendo ser classificada em uma IC nova ou crônica agudizada.
E ainda, pode ser enquadrada de acordo com o tipo de disfunção ventricular presente, sendo definida como uma insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada (FEVE > 50%), intermediária (40 a 50%) ou reduzida (FEVE < 40%). Por fim, a IC aguda deve ser classificada de acordo com seu modelo clínico-hemodinâmico.
Este último engloba a IC aguda em quatro categorias:
- 1) quente-seco, quando o paciente apresenta perfusão adequada e ausência de sinais de congestão;
- 2) quente-congesto, quando o paciente apresenta perfusão adequada e sinais de congestão;
- 3) frio-congesto, quando o paciente apresenta perfusão inadequada e sinais de congestão; e
- 4) frio-seco, quando o paciente apresenta perfusão inadequada e ausência de sinais de congestão.
Quais os sintomas?
Aproximadamente 90% dos pacientes irão apresentar sinais e sintomas clínicos de congestão. São esses: a dispneia progressiva aos esforços, a dispneia paroxística noturna, a ortopneia e a taquipneia (> 22 irpm). Além do esforço respiratório, o edema pulmonar agudo, a turgência jugular a 45º e o refluxo hepatojugular. Para mais, são também indicativos de congestão o galope de 3ª bulha, estertores pulmonares crepitantes, edema de membros inferiores e a ascite.
Cerca de 10% dos pacientes irão apresentar sinais de baixo débito cardíaco: pressão arterial sistólica (PAS) < 90 mmHg ou < 110 mmHg em pacientes com hipertensão arterial prévia. Bem como a fadiga, extremidades frias com perfusão reduzida e sudorese.
Causas da insuficiência cardíaca aguda
No Brasil, as principais etiologias da insuficiência cardíaca aguda são a isquêmica, a hipertensiva e a dilatação idiopática. E mais, doenças valvares, especialmente devido a cardite reumática, e doença de Chagas.
Diagnóstico
A abordagem inicial do paciente com IC aguda deve ser realizada seguindo quatro etapas:
- 1) definir o risco imediato à vida do paciente, devendo-se avaliar seu fator causal, a apresentação clínica, e alterações agudas no eletrocardiograma;
- 2) realizar o diagnóstico da IC aguda;
- 3) definir o perfil de risco prognóstico intra-hospitalar; e
- 4) realizar a terapêutica admissional.
Assim, a suspeita clínica da IC aguda tem como base a identificação da presença da congestão pulmonar e/ou congestão sistêmica, através da história clínica do paciente e seu exame físico. Assim, para auxiliar no diagnóstico, o paciente deve ser avaliado com os critérios diagnósticos de Framingham, devendo apresentar ao menos dois critérios maiores e um menor, ou dois critérios menores e um maior.
Dessa forma, para diagnosticar o paciente, o eletrocardiograma, o raio-X de tórax e o ecocardiograma transtorácico são exames complementares muito importantes. Devendo este último ser realizado dentro das primeiras 48 horas após a admissão do paciente, visto que tem fundamental importância para os pacientes com choque cardiogênico e IC aguda nova.
Isso porque, o ecocardiograma auxilia na definição do fator etiológico, no grau de disfunção ventricular e na avaliação da congestão pulmonar e sistêmica. Esses são parâmetros importantes, que irão direcionar o tratamento.
Para mais, os peptídeos natriuréticos, quando disponíveis, devem ser utilizados na avaliação diagnóstica admissional do paciente com suspeita de IC aguda, porque apresentam alta sensibilidade. Ou seja, a dosagem de peptídeos é um parâmetro muito útil para afastar o diagnóstico de IC aguda, quando os valores de BNP (péptideo natriurético tipo-B) < 100 pg/mL e NT-proBNP (N-terminal-proBNP) < 300 pg/mL.
Além disso, níveis de BNP entre 100 e 499 pg/mL ou NT-proBNP entre 300 e 900 pg/mL necessitam de uma correlação clínica para a confirmação diagnóstica da insuficiência cardíaca aguda. Entretanto, níveis de BNP > 500 pg/mL e NT-proBNP > 900 pg/mL indicam fortemente a condição.
Outros exames que devem ser solicitados, pois auxiliam no diagnóstico e manejo do paciente, são eles: as troponinas - em caso de suspeita de síndrome coronariana aguda, por exemplo - eletrólitos (Na, K e Mg) e função renal. Além da proteína C-reativa, coagulograma, hemograma completo, TGO e TGP.
Deve-se solicitar também as bilirrubinas totais e frações, proteínas totais e frações, TSH (se paciente > 60 anos ou com suspeita de doença tireoideana). E ainda, a glicemia, a gasometria venosa e o lactato.
Tratamento da insuficiência cardíaca aguda
O objetivo do tratamento inicial ao paciente com IC aguda é a correção dos distúrbios cardiopulmonares. Dessa forma, o suporte respiratório tem um papel fundamental no tratamento, visto que a congestão pulmonar, quando associada ou não à redução do débito cardíaco, causa hipoxemia e aumento do trabalho respiratório. O paciente com esse quadro pode cursar com acidose metabólica e disfunções orgânicas.
Assim, o suporte respiratório é indicado para todos os pacientes com SatO2 < 90% e desconforto respiratório. Objetiva-se que a saturação permaneça superior a 90%, bem como que haja a redução do trabalho respiratório. Para isso, é indicado o uso do cateter nasal ou da máscara, com oxigênio a 100% e 3 a 5 L/min.
Entretanto, em casos de congestão pulmonar mais grave, deve-se considerar o uso da ventilação não invasiva (VNI). Isso porque, além de melhorar a oxigenação e o retorno venoso, a VNI promove redução do esforço respiratório através da diminuição da demanda metabólica dos músculos respiratórios, bem como diminui a mortalidade desses pacientes e uma posterior necessidade de intubação orotraqueal.
Além disso, o tratamento desse paciente deve ser direcionado para o tipo de perfil clínico-hemodinâmico. Veja a seguir.
Perfil quente-seco
O paciente nesse perfil encontra-se com boa perfusão e sem congestão. Dessa forma, o manejo consiste na orientação sobre a restrição hidrossalina, na ênfase da importância da adesão ao tratamento e retorno periódico para as consultas ambulatoriais.
Perfil quente-úmido
O perfil quente-úmido é o mais comum nas emergências. Neste perfil, o paciente se encontra congesto, mas com perfusão normal. Assim, deve-se realizar o tratamento com os diuréticos de alça, sendo o principal a furosemida, que deve ser administrada por via intravenosa, em bolus, na dose de 20 a 40 mg.
Pode-se acrescentar também outros diuréticos de alça como a hidroclorotiazida e a espironolactona. E ainda, é preciso acrescentar medicamentos vasodilatadores como os inibidores de conversão da angiotensina (IECA) e nitratos.
Perfil frio-úmido
Esse é o perfil mais grave de paciente com IC aguda. Esse paciente apresenta baixo débito cardíaco e congestão. Dessa forma, o uso de diuréticos é essencial, sendo o principal a furosemida, podendo adicionar a hidroclorotiazida e a espironolactona, caso necessário.
E mais, devido ao baixo débito, esse indivíduo deve ser tratado com medicamentos inotrópicos, que atuam aumentando a concentração de cálcio dentro do músculo do miocárdio, aumentando a força da contração cardíaca. O inotrópico mais utilizado a dobutamina.
Perfil frio-seco
O paciente com perfil frio-seco encontra-se com baixo débito cardíaco e ausência de congestão pulmonar ou sistêmica. Esse quadro pode ocorrer quando há uso excessivo de medicamentos diuréticos, que podem aumentar em demasiado o débito urinário, diminuindo o volume circulante.
Ou ainda, quando o paciente apresentar um quadro de desidratação, devido a vômitos ou diarreia, por exemplo. Por isso, o indivíduo com esse perfil clínico exige tratamento com reposição volêmica com soro fisiológico ou ringer lactato, em pequenas quantidades iniciais.
Conclusão
A insuficiência cardíaca aguda é uma síndrome muito comum em todo o mundo. Reconhecer os sinais e sintomas para identificar indivíduos com suspeita da disfunção, bem como identificar os critérios diagnósticos e exames complementares é fundamental para o manejo do paciente.
Por fim, identificar o perfil clínico-hemodinâmico e sua relação com a terapêutica recomendada é imprescindível para todo médico generalista.
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FONTES:
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- MARTINS, M. R. Manual do Residente de Clínica Médica. 2a edição. Barueri: Manole, 2017.