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Publicado em
20/9/24

Hipernatremia: o que é, diagnóstico, sintomas e tratamento

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Hipernatremia: o que é, diagnóstico, sintomas e tratamento

A hipernatremia é um distúrbio eletrolítico caracterizado pelo aumento no valor plasmático de sódio e sua regulação com níveis de água, podendo afetar o equilíbrio osmótico e a função celular. É uma condição comum que pode resultar de diversas causas, principalmente de condições que levam à sua perda via renal ou gastrointestinal. Vamos revisar a base, o diagnóstico e o tratamento desse desequilíbrio.

O que é a Hipernatremia?

A hipernatremia é uma condição caracterizada por uma concentração elevada de sódio no soro, com valores superiores a 145 mEq/L. O sódio é um íon predominante no líquido extracelular e atua na regulação do volume intravascular, sendo assim,  considerado um osmol efetivo junto à glicose. O organismo mantém o equilíbrio de sódio e água por meio da concentração da urina, modulada pelo ADH e pelo aumento da ingestão de líquidos em resposta à sede

Quando esses mecanismos são comprometidos, como em algumas populações vulneráveis, com deficiência de vasopressina ou com resposta inadequada a nível tubular renal, pode ocorrer a hipernatremia. Essa condição pode ser classificada com base no status de volume plasmático do paciente:

TIPOS DE HIPERNATREMIA EM RELAÇÃO À VOLEMIA
Hipernatremia Hipovolêmica É o tipo mais comum, associado à perda de água e sódio, mas com perda de água mais significativa. Geralmente resulta de perdas pelos rins ou pelo trato gastrointestinal. Os pacientes apresentam sinais de desidratação, como taquicardia e hipotensão ortostática.
Hipernatremia Euvolêmica Nesse caso, há perda de água do espaço plasmático sem alteração significativa no sódio corporal total. Pode ser causada por uma incapacidade de ingerir água ou por problemas neurológicos ou renais que afetam a função do hormônio antidiurético. Os pacientes não mostram sinais típicos de desidratação ou sobrecarga de volume, e a osmolalidade urinária tende a ser menor do que a do plasma em casos de perdas renais.
Hipernatremia Hipervolêmica É rara e ocorre quando há um aumento no sódio corporal total que excede o aumento no volume de água corporal, resultando em um déficit relativo de água. Normalmente é causada por ingestão excessiva de sal por via oral ou intravenosa e é acompanhada por sinais de sobrecarga de volume, como edema.
Classificação da Hipernatremia pelo volume plasmático. Fonte: EMR/Fernanda Vasconcelos

Além da classificação com base no status de volume, ela também pode ser diferenciada pela sua cronicidade, sendo chamada de Aguda quando se desenvolve em menos de 48h, e Crônica quando está presente por mais de 48 horas ou com início de sintomas desconhecido, muitas vezes associada a defeitos no mecanismo de sede ou falta de acesso à água.

Causas da Hipernatremia

A hipernatremia pode resultar de diversas condições que alteram o equilíbrio de água e sódio no corpo. As causas principais podem ser agrupadas em três categorias: déficit de água, ganho excessivo de sódio e perda de água livre.

Déficit de água

A perda de água hipotônica pode ocorrer por várias vias e é uma causa importante de hipernatremia. A perda renal de água hipotônica é frequentemente associada ao uso de diuréticos, como os diuréticos de alça e tiazídicos, que promovem aumento da excreção de água e sódio. Além disso, a diurese osmótica por hiperglicemia, uso de manitol ou dietas com alta proteína também pode levar a um aumento na excreção de hidrossalina.

Já a perda não renal pode acontecer por via gastrointestinal, como nos vômitos, diarreias, uso de laxantes, drenagem gastrointestinal e fístulas. A perda cutânea de água também pode existir em situações de suor excessivo, como em exercícios intensos, queimaduras graves ou exposição prolongada ao calor. 

Ganho de sódio 

O ganho de sódio hipertônico é menos comum e frequentemente ocorre em ambientes hospitalares. As principais causas incluem o uso de soluções hipertônicas intravenosas, como bicarbonato de sódio ou soluções hipertônicas usadas para nutrição parenteral. Outra causa é a ingestão excessiva de sal por consumo oral. Para mais, ajustes inadequados durante a hemodiálise podem levar ao acúmulo desse íon.

Perda de água livre

A perda de água livre é uma causa importante de hipernatremia e pode surgir principalmente na diabetes insipidus. Quando central, é causada pela desregulação na produção ou liberação da vasopressina, incluindo lesões traumáticas, doenças tumorais ou inflamatórias como sarcoidose e histiocitose, além de distúrbios vasculares. 

Por outro lado, a versão nefrogênica resulta de defeitos no receptor V2 ou em aquaporinas, que são proteínas responsáveis pelo transporte de água nos rins. Essa forma pode ser hereditária ou secundária ao uso de certos medicamentos, ou a doenças estruturais e tubulointersticiais.

Outras causas

Outras causas podem incluir ingestão de água inadequada e iatrogenias. Em pacientes intubados, imobilizados ou com alteração de estado mental, a ingestão de água pode não ser suficiente para compensar as perdas insensíveis, levando à hipernatremia. Condições como hiperaldosteronismo e afogamento em água do mar também estão associadas ao aumento dos níveis séricos de sódio.

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Sintomas de Hipernatremia

Os sintomas de hipernatremia refletem principalmente a desidratação das células cerebrais e variam conforme a gravidade e a duração do quadro. Quando a concentração de sódio no soro sobe rapidamente ou ultrapassa 160 mEq/L, pode haver diversos achados neurológicos pela disfunção do sistema nervoso central. 

Assim, a concentração elevada de sódio no soro se manifesta com irritabilidade e agitação, que podem evoluir para letargia, sonolência e coma. Outros sinais incluem uma resposta aumentada à sede em pacientes conscientes e choro agudo em recém-nascidos. Também é comum pacientes com diabetes insipidus apresentarem poliúria e polidipsia.

A desidratação também pode ser avaliada por alterações na pele, que ganham um aspecto macio e aveludado devido à perda de água intracelular. Em casos de hipernatremia hipovolêmica é observada hipotensão ortostática e taquicardia. O aumento do tônus muscular, reflexos vivos e mioclonia podem surgir. É importante notar que, em crianças, o grau de desidratação pode ser subestimado devido ao deslocamento de água do espaço intracelular para o espaço extravascular.

Como realizar o diagnóstico?

Para confirmar, é necessário realizar medições diretas da concentração de sódio ou verificar a osmolalidade sérica. Testes iniciais incluem ionograma, uréia e creatinina. Um índice elevado na razão entre ureia/creatinina pode indicar depleção de volume plasmático. A análise da urina deve incluir a medição da osmolalidade, sódio, creatinina e potássio. A fração de excreção de sódio abaixo de 1% também sugere depleção de volume.

Em alguns casos, fatores como hiperglicemia, hiperlipidemia ou hiperproteinemia podem mascarar a hipernatremia, fazendo com que os níveis de sódio no soro pareçam normais (<145 mEq/L). Hiperglicemia pode causar a movimentação de água para fora das células, diluindo os níveis de sódio no plasma, enquanto hiperlipidemia ou hiperproteinemia podem afetar a medição indireta dos íons.

Para distinguir entre causas renais e extra renais, avalia-se a osmolalidade urinária. Se ela for inferior a 300 mOsm/kg, isso indica uma concentração urinária ineficaz devido à ação inadequada do ADH. No diabetes insipidus central, a administração de desmopressina aumenta a osmolalidade urinária, enquanto no diabetes insipidus nefrogênico não há resposta a esse tratamento.

Em casos de perda de água extrarrenal, a urina geralmente é concentrada, com volume urinário reduzido, alta gravidade específica e osmolalidade urinária superior à osmolalidade plasmática. A hipernatremia associada a perdas insensíveis ou gastrointestinais pode mostrar uma osmolalidade urinária acima de 800 mOsm/kg, indicando uma resposta adequada ao ADH. 

Já a osmolalidade urinária entre 300 e 800 mOsm/kg pode ocorrer em condições como diabetes insipidus parcial (central ou nefrogênico) ou diurese osmótica, onde há extração de solutos urinários excessiva devido a altos níveis de sódio, glicose, manitol ou ureia.

Tratamento da Hipernatremia

O tratamento da hipernatremia deve abordar a causa subjacente e corrigir a hipertonicidade. O objetivo principal é restaurar tanto os níveis séricos de sódio quanto o volume intravascular. Quando possível, a administração de líquidos deve ser feita por via oral ou através de uma sonda de alimentação. Em casos de desidratação severa ou choque, a etapa inicial é a ressuscitação com fluidos isotônicos, antes de corrigir a deficiência de água livre.

Para calcular a quantidade de água necessária para corrigir o problema, utiliza-se as seguintes fórmulas:

Fórmulas de reposição de água na Hipernatremia. Fonte: Eu Médico Residente
Fórmulas de reposição de água na Hipernatremia. Fonte: Eu Médico Residente

É fundamental corrigir a hipernatremia de forma gradual para evitar complicações, como o edema cerebral, que acontece quando a água se move muito rápido para dentro dos neurônios. A meta é reduzir o sódio sérico em no máximo 12 meq/L/dia. Durante a fase aguda de correção, é feita a monitorização do sódio sérico a cada 2 ou 4 horas. A correção da deficiência de água livre deve ser feita ao longo de 48 a 72 horas, com uma redução do sódio sérico menor ou igual a 0.5 meq/h. 

Conclusão

A hipernatremia é  um distúrbio da regulação do sódio e da água, a qual pode ter diversas etiologias. Seu quadro clínico varia em intensidade, porém segue o padrão de acometimento neurológico. Dessa forma, é necessário realizar o diagnóstico correto para tratar não apenas os valores séricos, mas a causa subjacente desse desequilíbrio hidroeletrolítico.

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