A hemorragia pós-parto (HPP) é uma das principais causas de morbimortalidade materna no mundo, e a segunda principal causa de morte materna no Brasil. Pode-se quantificar a HPP como a perda de mais de 500 mL de sangue após o parto vaginal ou de 1000 mL de sangue após o parto cesáreo, em 24 horas. É uma emergência obstétrica e, por isso, é de grande importância o entendimento de seu manejo.
Vem entender o que é hemorragia pós-parto, como identificar e como tratar!
O que é a hemorragia pós-parto?
A hemorragia pós-parto é definido por perda sanguínea maior ou igual a 500 ml nos partos vaginais, maior ou igual a 1000 ml em partos cesáreas, perda sanguínea cumulativa maior ou igual a 1000 ml nas primeiras 24h após o parto ou qualquer perda sanguínea capaz de causar instabilidade. Pode ser classificada em primária, quando ocorre nas primeiras 24h, e secundária, quando ocorre entre 24h pós-parto e 6 a 12 semanas.
Existe ainda o conceito de HPP maciça, que é aquela perda maior ou igual a 2000 ml em 24h, perdas que necessitem de transfusão de > 1200 ml de concentrado de hemácias, perdas que resulte em queda > 4 mg/dl nos níveis de hemoglobina ou que provoque um distúrbio de coagulação.
Quais as causas da hemorragia pós-parto?
As principais causas que predispõem a grávida podem ser lembrados com o mnemônico dos “4Ts”: Tônus (atonia uterina - 70%), Trauma (lacerações e hematomas do canal de parto, ruptura uterina -19%), Tecido (restos placentários - 10%), Trombina (distúrbios da coagulação - 1%).
A atonia uterina é a principal causa. É caracterizada pela impossibilidade do útero de contrair de forma eficaz, o que favorece sangramentos, são exemplos de fatores de risco: hiperdistensão uterina (macrossomia fetal, gestação múltipla, polidrâmnio), indução de parto, anestesia, trabalho de parto rápido ou prolongado e história pregressa.
Traumatismo no canal de parto também é uma causa importante de perdas sanguíneas, causado por lacerações e hematomas. Os principais fatores de risco são: episiotomia, lacerações, uso de fórceps e ruptura uterina.
Já o tecido, diz respeito às causas de retenção placentária. Pode ocorrer por acretismo placentário e retirada abrupta da placenta, por exemplo. Já o último “T”, de trombina, trata-se dos distúrbios de coagulação, são causas raras e tem como exemplo coagulopatias congênitas, pré-eclâmpsia, uso de anticoagulante etc.
Quadro clínico e diagnóstico
A presença de sangramento vaginal excessivo ou acumulado na região intra-abdominal é um sinal para ficar em alerta para possível HPP. A falha no controle desse sangramento pode levar a paciente a ter comprometimento do estado geral e instabilidade hemodinâmica. Por isso, avaliar o tônus uterino através da palpação, procurando perceber a presença do globo de segurança de Pinard, é fundamental.
Sinais como palpitações, tontura, taquicardia e pressão arterial (PA) alterada são indícios de que a hemorragia pode não estar controlada. Além disso, enchimento capilar lento, oligúria e palidez podem ser indicativos da evolução do quadro. Outro sintoma comum é a dor abdominal intensa.
O diagnóstico é feito por meio da estimativa da perda sanguínea. Para estimar a perda volêmica da paciente, utilizam-se alguns métodos quantitativos para realização do diagnóstico precoce, a fim de reduzir a morbimortalidade. A estimativa visual é a mais utilizada.
Entretanto, com esse método, grandes sangramentos tendem a ser subestimados e, pequenos sangramentos, superestimados. Para mais, a estimativa visual não é capaz de avaliar sangramentos ocultos. Por isso, outros métodos, como a pesagem das compressas utilizadas para estancar o sangramento e o uso de coletores volumétricos podem ser utilizados. Todavia, em ambos esses métodos, a mistura do líquido amniótico com o sangue pode interferir na acurácia dos resultados.
A estimativa clínica, feita através da avaliação dos sinais vitais e do índice de choque (IC) são muito úteis na prática clínica, tanto para estimar a gravidade da hemorragia pós-parto, quanto para avaliar a resposta ao tratamento. Entretanto, as manifestações normalmente são tardias e, por isso, não se deve esperar o surgimento dos sinais da instabilidade.
O índice de choque (IC) é avaliado através da frequência cardíaca/pressão arterial sistólica. A partir do valor encontrado é possível direcionar a intervenção. Veja a seguir:
Tratamentos para hemorragia pós-parto
O tratamento para hemorragia pós-parto consiste em determinar o foco da hemorragia e controlá-lo de forma precoce e agressiva, para evitar a tríade letal do choque hipovolêmico: hipotermia, acidose metabólica e coagulopatia. A recomendação é que a hemorragia seja controlada o mais rapidamente possível, dentro da primeira hora (“golden hour”).
Para isso, recomenda-se hidratação venosa com soro fisiológico ou ringer lactato, com reavaliação da resposta da 500 ml infundidos. Deve-se também colher exames como hemograma, coagulograma e ionograma e avaliar a necessidade de transfusão sanguínea.
Em relação ao tratamento medicamentoso, são utilizadas inicialmente as medicações uterotônicas no combate à atonia uterina, por essa ser a principal causa, associadas ao antifibrinolítico (ácido tranexâmico).
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Os uterotônicos mais utilizados são a ocitocina, os derivados de ergot e o misoprostol, sendo a primeira sempre o tratamento de primeira escolha. Entretanto, em pacientes em que a ocitocina foi administrada durante o trabalho de parto, pode haver o mecanismo de downregulation dos receptores, inibindo a sua ação efetiva.
Assim, utiliza-se a droga de segunda linha, que são os derivados de ergot, na dose máxima de 1mg/dia, intramuscular. Esses últimos são contraindicados em pacientes com distúrbios hipertensivos, devido ao risco de encefalopatia hipertensiva, infarto do miocárdio e acidente vascular cerebral.
O misoprostol é um uterotônico de 3ª linha, indicado nas doses 800mcg, via retal, ou 400 a 800 mcg por via oral quando a paciente estiver responsiva. Em indivíduos com doenças vasculares cerebrais e doenças coronarianas, deve ser usado com cautela. Além disso, possui muitos efeitos colaterais.
Já o ácido tranexâmico deve ser administrado o mais rapidamente possível, dentro das primeiras 3 horas após o início do sangramento. Uma segunda dose é recomendada caso o sangramento persista após 30 minutos de administração da primeira dose.
Outros métodos não cirúrgicos para controle de hemorragia podem ser utilizados. A compressão uterina bimanual, através da manobra de Hamilton, pode ser realizada durante a primeira hora para controle transitório da hemorragia. Além disso, o balão de tamponamento intrauterino (BTI), pode ser utilizado para controle da hemorragia, caso as medicações uterotônicas falhem, reduzindo a necessidade de uma abordagem cirúrgica. Entretanto, caso o BTI não seja capaz de controlar a hemorragia, a cirurgia é indicada.
Dentre os métodos cirúrgicos para controle da hemorragia pós-parto, estão a sutura de B-Lynch, que controla o sangramento através da compressão mecânica do útero (usada nos casos de atonia uterina), a ligadura das artérias uterinas, hipogástricas e/ou ovarianas e a embolização seletiva de vasos pélvicos.
Essa última é indicada para pacientes estáveis, mas com sangramento persistente. A histerectomia é a última etapa do tratamento, todavia, quando indicada, deve ser realizada o mais brevemente possível para evitar coagulopatias.
Nos casos de retenção placentária, pode ser recomendado a curetagem. Para traumas e lacerações, as suturas são recomendadas. Já para os distúrbios de coagulação, seguir o tratamento específico dos mesmos.
Profilaxia para a hemorragia pós-parto
A prevenção é a melhor forma de combate às hemorragias pós-parto. A principal estratégia de prevenção é o manejo ativo do terceiro período do parto (período de dequitação), que é capaz de reduzir em mais de 60% os casos. Seu grande pilar é o uso rotineiro de ocitocina profilática, na dose 10 UI intramuscular, para evitar a atonia uterina.
Além disso, também fazem parte do manejo ativo o clampeamento oportuno e a tração controlada do cordão umbilical. A realização da massagem uterina gentil a cada 15 minutos nas primeiras 2 horas após a saída da placenta também auxilia na profilaxia à HPP.
Vamos ver algumas questões NA PRÁTICA? Abaixo está o link de questões explicadas sobre a hemorragia pós-parto:
Conclusão
A hemorragia pós-parto é uma emergência obstétrica comum, de grande mortalidade. Pode gerar instabilidade hemodinâmica nas pacientes, podendo evoluir até choque. É importante a prevenção da HPP com o uso de ocitocina, e, caso ocorra, o manejo rápido do quadro por meio de uterotônicos e ácido tranexâmico.
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FONTE:
- REZENDE, J. F; MONTENEGRO, C. A. B. Obstetrícia Fundamental. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan LTDA, 2017.
- Tratado de Obstetrícia FEBRASGO / editores Cesar Eduardo Fernandes, Marcos Felipe Silva de Sá; coordenação Agnaldo Lopes da Silva Filho...[et al]. – 1. ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2019.